quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

VIAGEM XXVIII - DORMENTES

Reprodução
Carro empoeirado por fora e por dentro, manchado de marcas de dedos e de outras partes do corpo por todo o painel.
Terra vermelha, daquelas do interior em que ele voltava para casa todo sujo, vergastado pelas brincadeiras de rolar no chão de criança.
Passeando pela estrada de terra no fim da tarde, em uma tarde qualquer de uma dia qualquer de um homem qualquer; andando com tranquilidade de um investidor nestes tempos de finanças quebradas - as dos outros, óbvio -, navega pelo espaço terra devagar observando os últimos raios do sol incidindo em árvores, em pedras e logo mais ali para baixo, no pequeno rio que serpenteia feito cobra constritora.
Minutos atrás, esta andança no pó vermnelho seria de carro na totalidade. Constatou porém, que logo que o rio se afasta da estrada, há uma linha férrea antiga e desativada em um país que não gosta de trens, menos ainda daquelas estradas de ferro que não dão lucro.
"Sempre o lucro claro. Porque gastar menos se se pode gastar rios caudalosos de dinheiros com asfalto, piche... Diesel de caminhões? Falando assim até parece que eu não gosto de $. Eu gosto, mas não o $ dos outros. Aprendi que gostar do $ dos outros é espeto!".

Ainda o sol incidia sobre o chão. Para onde esta estrada levaria? Levou tanta gente, de alegres aos tristes, de homens às mulheres. Nem se quedou a ficar com tais pensamentos, sobreviria um passado. Desceu do carro pisando na terra vermelha, um cigarro transparente nas mãos, respiração presa. Descalço, pôde sentir o chão morno na sola e o pó manchando até suas unhas.
Anda nem dez metros e ele pode ver com clareza a ferrovia, que de reta naquele trecho, se perdia cada vez que ele olha para ela, à esquerda e à direita. Os barulhos do verão começam a se fazer ao entardecer - grilos, cigarras e um apito de uma fábrica distante -, menos a estrada férrea: silenciosa.
Ele também, exceto a inspiração e expiração no cigarrinho manualmente confeccionado, tão companheiro ultimamente.
Sentou em um dos dormentes e ficou não sabe quanto tempo. Deu tempo de a noite chegar e invadir tudo, mas antes disto, ele se pôs ali sem ansiedade, sem pressa. 
Vê as longas e densas baforadas. Cutuca o dormente vizinho ao seu com a unha arrancando uma lasca ínfima.Apodrecendo sob o sol do interior.
Todos estavam se acabando, por quanto tempo mais durarão, ele não soube precisar; nem quis. O importante, no momento, é ficar por ali, pensando nos caminhos de ida e volta, acabar o cigarro...
Os dormentes, por eles passaram tantas histórias. A dele, que acabará de resolver logo mais - a praga do planeta, lembram? - será mais uma. 
Não é nova, decerto. Mas sua verdade é única, sem repetições de dormentes que se perdem pelos interiores de cada um.

Um comentário:

Frank Thousand disse...

Que bonito...que gostoso...imagem do sol...dos barulhos do Brasil...