sábado, 25 de agosto de 2018

77] CENÁRIO SP - BÍLIS, DEPOIS ÁGUA COM AÇÚCAR

Arquivo pessoal - Aclimação, São Paulo/SP
Amargor, cheiro de podridão que vinha de dentro. Cabeça posta na privada e, loucamente localmente, ele despeja tudo aquilo que sua entranhas já tinham avisado, já estavam reclamando sobre, que aquilo não passaria pelo meios comuns.

Revolve-se lá dentro, faz a boca salivar de babar e, então, vem com toda força para cima; e desce feito uma grande queda barulhenta, borrando até o mesmo o chão em volta. Branco como papel, olhos lacrimejantes e vermelhos, barba suja.

Tudo guardado tantos anos, tanto tempo. Só podia dar nesta revolta indômita. 
Porque quando via passar, ele era observador.
Porque quando ouvia falar, respondia timidamente.
Quando aquele riso invadia o ambiente, era era felicidade.
Quando noite, ele desejava aninhar-se junto ao corpo. 
Quando dia, desejava o sol inundar a sua alma.

Olhou-se no espelho, com indefectíveis olheiras do sono há muito perdido. Perdera, também, tantas oportunidades, fossem inventadas ou reais: deveria ter tentado se expressar, olhar nos olhos fixamente, chamar sua atenção. Fazer vir à tona suavemente, feito água e açúcar, seus sentimentos.
Nada fez disto; nada. 

Tanto não fez que este tanto lhe estava a fazer mal. Minutos antes, antes de subir para seu apartamento, na recepção do prédio, encontrou-o como sempre ele se encontrava: de bom humor, sorriso fácil vertedouro de paz, beleza e magnetismo. "Que poder tem este sorriso". Breves palavras, um café talvez marcado, e sequer uma palavra sobre a efêmera relação tida tempinho atrás.

Quanta dificuldade em se expressar. Quanta facilidade que tinha esta dificuldade em lhe causar mal biológico e emotivo, desandando seu dia, sua noite de sono, sua vida - a verdade tem sido esta. Recompôs-se, lavou o rosto e boca com muita água corrente; ligou o chuveiro, em uma esperança ingênua de arrancar o que sentia de dentro dele, esfregando a pele, lavando a alma.

Terminou, depois de meia hora. Ainda pingando e tiritando de frio pelo agosto invernal em São Paulo, o interfone tocar uma, duas, três vezes. Por instantes, decidi mandar para PQP; quatro vezes, cinco vezes. Cessou. Cambaleando com a toalha a se secar, ele vai até cozinha para tomar um copo de água com açúcar; bem docinho para livrar a boca do cheiro pútrido e gosto fétido da bílis esverdeada.

Duas colheres cheias. De novo, uma, duas, três vezes; quatro, cinco, estridentemente o interfone demandando atendimento. Muda de ideia, copo na mão, açúcar lutando contra aquele gosto.

---- Tudo bem? Acabamos de nos ver no salão. Está ocupado?

Silêncio de segundos; novamente é necessário que ele se recomponha.

---- Nada. Tudo bem. Acabei de sair do banho. E você, tudo bem?

Quanta desconexão para apenas responder duas simples questões. Desconecto ficava sempre quando falava com ele. Sente novamente indícios vindo das vísceras, boca salivando como minutos antes.

---- Tem compromisso para agora, sábado fim de tarde? Pensei em chamar você para comer naquela nova padaria portuguesa que abriu aqui na esquina. Passei por lá e vi cada doce, até me lembrei de você. Uma bomba gigante de chocolate trufado, com creme de avelã derramado em cima. Deve ser uma delícia. É meu convidado. Posso passar aí em 15 minutos? Descemos juntos.

---- Pode sim. Vou terminar umas coisas aqui. Não demoro.

Termina de beber o copo com açúcar sofregamente. Inebriado pela doçura da bomba, da voz, do convite, da água que acabara de tomar, em 15 minutos ele parará de passar mal pelo resto da vida. Até que em fim, uma chance açucarada em sua vida para não ser desperdiçada. 

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

VIAGEM CCCXL - PONTES E MUROS: AS BARATAS

Arquivo pessoal - Aclimação/São Paulo/SP
uma ponte que une
uma ponte que desmorona

um muro que protege
um muro que separa

sólidos tijolos
férreos vergalhões

plantas arquitetônicas
e os mais altos pés-direitos

longe, tão longe do chão,
mas perto, tão perto de onde?

quais sentimentos refletem o que eles são?
uma ponte/um muro?

e ele? observando a frenética construção
dos sentimentos dos homens.

descobertos, os tais seres, procuram - alguns - 
se esconderem iguaizinhos às baratas

quando abrimos gavetas esquecidas e empoeiradas
quanto parecência: humanos e baratas

revelados procuram novamente se abrigar longe da luz
a escuridão é que conta.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

76] CENÁRIO SP - A PROCURA POR ALGUÉM (QUEM?)

Arquivo pessoal - Aclimação, ZS/São Paulo
a cidade é toda cênica, dos arrabaldes da Serra do Mar - quase no Atlântico -  ao Centro Velho; do alto do Pico do Jaraguá à depressão do Cambuci

com seus habitantes a ir e a voltar, procurando por trabalho, 
ajuda, socorro e, claro, trabalho, $, diversão e gente

mas é verdade que o que se procura mais em Essepê é mesmo gente de todas as cores
orientações, credos, gostos, idades e lindezas pessoais

um que procura o outro para doces deleites fugazes e fugidios
o outro que procura outros para diversões efêmeras

por alguns que querem uma vida ao lado do amor
para passarem os invernos paulistanos pé com pé,

procura-se por todos os lugares (mesmo aqueles que julgam não procurar ninguém) 
pelos becos à noite, de dia

pelas ruas e avenidas
pelos metrôs

pelos elevadores
pelas escadas

pelos comes e bebes ao montes que acontecem na cidade alfa do Hemisfério Sul
pelos grandes prédios e construções

pela imponente Avenida Paulista
ou pelas pacatas ruas do Jardim da Glória

ele, que a esta altura da vida, já diminuíra 2 centímetros de tamanho desde a época dos 18 anos, permanecia em busca de melhoras pra vida, sem trégua, entendem?

acostumara-se à solidão no andar mais alto de todos e de lá contemplava a grande urbe
em 360° na certeza de trabalhar para ser o melhor pra ele mesmo, de estar onde deveria estar porque por aqui, um entre 12 milhões, há de ter uma companhia...

"Eu procuro por você, o amor de uma vida que não sei por quanto tempo viverei. É você mesmo, ali, e aqui, junto, e longe".

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

VIAGEM CCCXXXIX - UMA FRESTA EM AGOSTO

Arquivo pessoal - Aclimação/São Paulo-SP
pela fresta da janela, pingos caíam sem parar

forte, grossos, intensos, tomando conta da fresta

uma neblina pela madrugada enevoando Essepê, 

dentro do quarto, a festa

suores, vapores, odores, sucções, salivação

o frio de agosto neste ano é úmido e denso

dentro de você festejo

me aninho, me sobrepujo e me percebo então vassalo

de seu corpo - me imagino até o fim dos dias de agostos sem fim 

a render-lhe homenagens frenéticas 

frio, tanto frio, edredons espalhados ao chão

respiração que ofega, arfa, faz tremer

meus pés descalços e descobertos, beijos e tantos beijos

você anda até a fresta da janela de agosto, eriçam-se os pelos

"São Paulo desapareceu. A neblina tomou conta da cidade"

sorri para mim e volta correndo à nossa cama - de uma bagunça de fazer

ter mais vontade quando se encosta em mim

e vendo você assim, vejo mesmo que este agosto

pela diminuta fresta da janela veio pelas minhas veias

pulsantes e querer pulsar tudo isto com você.

terça-feira, 24 de julho de 2018

VIAGEM CCCXXXVIII - TRAVA-LÍNGUA TRAVADO

Arquivo Pessoal - São Paulo
parece dizer trava-língua quando chega perto

(daqueles que repetem sílabas, fonemas, letras, dígrafos...)

fica sem saber o que dizer
e quando sabe...

trava e mal balbucia as palavras
que expressam sentimentos

estes estão tão recônditos ao mundo

e protuberantes à flor de sua pele

"trazer três pratos de trigo para três tigres tristes"

é o que ele pressentia quando via que chegava perto

leia em voz alta! escanda cada palavra!
mais uma vez, mais várias vezes, rápido

e ele?
ah, bem, continuava a tentar sem parar,
quiçá um dia se canse de não conseguir

destravar o trava-língua que impedia sua língua
de dizer o que sentia

(ele não conseguia dizer... E tudo aumentava pelo desejo
maior e maior: suor, pensamentos, circulação sanguínea, protuberâncias...)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

75] CENÁRIO SP - OPIOIDES E OUTROS AMORES

Arquivo pessoal - Avenida Paulista, São Paulo-SP
Drogas, mais um pouco de drogas e a poção vai além do acerto: chega mesmo à perfeição - e ele, tão afeito em se aperfeiçoar só podia mesmo aceitar e abraçar todos os efeitos em sua mente;
que mente, vale dizer, a todo e qualquer custo para si próprio. 

"Minha mente mente,sempre", repetia à exaustão feito um mantra hindu (nunca fora à Índia), que poderia ser um daqueles para tanger algo na cabeça - para que esta, então, logre êxito em conseguir (sabe-se lá o quê?)... 

Acostumou-se à mentira, no corre-corre danado na Pauliceia
Receita de um opioide, talvez?
Para amortecer, para amenizar, para adormecer...
Longe, tão longe daqui, de você e de tudo.

Porém Essepê já é longe, muito ao sul, naquele trópico imaginário que corta a cidade da dúzia de milhões, de superlativos números, índices e amores.
Imaginário, é isto?

Imaginando o ópio vindo lá do Laos, quiçá de Mianmar, ou ainda dos juvenis talibãs no Himalaia afegão, consome-o vorazmente. Sintetizado tudinho, com cuidado, sem exageros...

Porque?
Sua mente que mente com aquele constância veemente;
ele é qualquer um de nós, que luta, que sente, que vive.

Lutas, batalhas e guerras: ah, quantas coisas para a "pobre" mente que mente
na cidade que, às escâncaras, grita a verdade, lhe rompe os tímpanos e...
então, no esconderijo de seu quarto, na grande cama, contorce-se e
poê-se a imaginar a verdade do amor...

Que só ele vê passar, sorrir e seguir - ele não é visto.
então, a mente mente sobre tais amores... 
Opioides arrefecem a verdade de ser invisível: é um outro tipo de amor em São Paulo.

domingo, 1 de julho de 2018

VIAGEM CCCXXXVII - EXPLOSÃO CANHOTA

Arq. pessoal - Estação do metrô/São Paulo
quando vê passando, treme por total
igual vara verde em ventania de agosto

(não se quebra e sim se dobra diante do colírio,
vira-se, contorce-se para ver o andar pelas costas,

para ver o remelexo, o jeans a apertar, 
pulsa, impulsiona e enrijece...)

e o amor personificado - confiante, sorridente, igual bilhete premiado - passa,
vai-se embora; e ele? 

perfume, suor, hálito em um frêmito de narinas febris 
só escuta aquela voz, só olha  enxerga mais do que vê... 

quisera ele sentir no paladar aquele corpo
e tateá-lo em reentrâncias;

E o amor personificado? vai-se toda vez, todo hora, todo dia...
E ele? Só rastreio seu cheiro,

alargando-se, na (vã?) tentativa de captar seu corpo
tanta intimidação, que se recolho

quando se recolhe parece que vai explodir
pelo tamanho megalítico do desejo, de mais desejo,

pela perda do juízo, do compromisso,
da hora, "pela perda da vida";

auto-explora por mãos incansáveis e doídas de cansado
cansa-se toda vez desta explosão canhota...

e a repete, repete e repete - única alternativa 
diante daquela confiança todo exibida e amostrada 

terça-feira, 26 de junho de 2018

VIAGEM CCCXXXVI - MARTES E ANTARES

Foto de arq. pes./Ed. Altino Arantes, Centro SP
em lares ou em bares?

mares, quiçá? 


Como o tonitroante Tritão e seu tridente, comandando as marés?


antes de matares a tríade formada por nós e pelo amor


primeiro o vazio, rotundo, 


redondo e revolto a entranhar e


a consumir a periférica saúde deste cérebro


coalhado de baciadas de tristezas...


restringia-se às noites mal dormidas...


ruminava, ruminava e por vezes desejava estar feito féretro dentro de um rabecão.


em escassos momentos de sussurros de sono,


imaginou onde estaria


em quais bares a comemorar?


em quais mares a sobrevoar?


atlânticos, índicos, porém serão pacíficos?


em glaciares da Groenlândia?


quebrando a robustez de pedra de gelo que sobrara em sua mãos


em quais terra perseverar a procurar?


no ramerrame de Rangum? 


em costumeiros porres homéricos de blue Curaçao.


onde mais procurar?


em tragédias como Treblinka, onde toda a gente foi trocada por nada?


Em bilhares do Baixo Augusta?


Encaçapando bolas aleatórias pela São Paulo de Piratininga?


cansaço irreparável ele sentiu depois de tudo...


pela rede, desistiu de achar, 


procrastinou para não parar de procurar


mas tanto cansou em uma hora, que se estabacou ao chão permeando


em meandros de insondáveis Minotauro, em miríades de  


rastros irremovíveis, rumores de rouquidão e a prostração geral


primeiro, como vetores anti Marte e ante Antares, desabriu pelo céu


caindo em uma briga que parecera Mercúrio em frenesi de calores,


e enfim, derreteu-se...