terça-feira, 19 de dezembro de 2017

VIAGEM CCCXXXV - DANAÇÃO DE VIDA

Arquivo pessoal - Teatro Municipal, São Paulo
Demérito.

Desafiado pela vida.

Desancorado.

Disfarçado.

Desvalorizado.

Descarrilado.

Desancado fora.

Desgarrado do bem.

Demolido em pó.

Desmantelado.

Degenerado.

Desmascarado pelo mal.

Desgosto por ser decaído.

um Desatino desmedido.

Derreado por se desnudar.

Desacordado e segundos antes quase degolado.

Despedido e à deriva despistava todos.

Descabido e decepado de carinho mil.

Desenfreado de desamar. 

Desmistificado após tanto deturpar. 

Deleite zero; debilitado.

Delimitado.

Desabafado.

Despropósito em desmesurar.

Derradeiro e então... Decapitado (?).

Derrotado: decalcado na derrota.

Derramado e decepcionado.

Defenestrado e desconstruído.

Desencantado e decantado bem no fundo do copo.

Desgastado e dentado para comer e desdentado para rir.

Desarticulado e raucíssono.

Debochado.

Debruçado e desviado. Lá e já no primeiro dia, dequitado.

Danou-se por anos a fio.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

74] CENÁRIO SP - ESSEPÊ EM PÉ

Arquivo pessoal - Pátio do Colégio/SP
Caminham, andam, correm, nos céus de brigadeiros e nos nublados, por baixo da terra, pelas artérias avenidas e ruas. São Paulo fica em pé todo dia: 24, 7, 30, 365.

Andam pela casa dos 12 milhões. Quem podem ser? Ora, os personagens aqui da cidade de São Paulo, em todos os lugares, em todas as regiões, bairros, ruas e casas, apartamentos. 

Encarapitados subindo aos céus, ou demasiadamente esparramados pelos terrenos.

O corredor pelas pistas do Ibirapuera sua em bicas.
A executiva no escritório da Paulista trabalha diletantemente.

O engravatado apressado na Berrini faz contas.
A copeira com garrafas e mais garrafas de café em muitos lugares.

A professora nas EMEIs, pacientemente dando o seu melhor à pequena gente.
O motorista na linha Lapa-Ipiranga.

O skatista radical nas ladeiras da Vila Madalena.
Ciclistas pelas ciclovias paramentados para se fazerem notar.

Os DJs no Baixo Augusta tocam, tocam... Não se cansam nem ele, nem quem dança.
Taxistas 24 horas para a Vila Prudente, para a Vila Leopoldina, para Parelhereiros.

Sambistas de várias notas pelo Anhembi.
Em Jaçanã tem a mística de Adoniran, personagem ítalo-brasileiro que pôs Essepê em pé.

Roqueiros no Centro, passeiam pela Galeria do Rock.
A diversidade como personagem param na Parada na Paulista: sacodem e reverenciam o público.

O baiano é personagem e sua comida. O gaúcho é personagem com a bombacha na Paulista. O paraense é personagem "ao tacacá", e também o sertanejo goiano. Mineiro é personagem com a doçura no sotaque. 

Paulistas do Interior do Estado é tão personagem com a caipirice brejeira. Cariocas passeiam e (re)descobrem a Pauliceia e seus infinitos caminhos que não levam ao mar.

Paulistanos natos também vão. E vêm. E vão de novo pelo vão do MASP, mas não é em vão.
Eu, apenas um em meio à dúzia de milhões, vim há tantos anos, nunca pretendi domar Essepê. Porque a ele não se faz isto. Fiquei em pé e acompanho o ritmo. 

Essepê sempre em pé.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

VIAGEM CCCXXXIV - A VOZ DO BICHO-PAPÃO

Arquivo pessoal - São Paulo
as vozes amarravam-no dentro de si mesmo, dia e noite, noite e dia, de segunda a segunda, de janeiro a dezembro, desde a infância até... Bem, até agora, como veremos a seguir nestas linhas desconexas - texto feito pela sua vida de ouvir vozes do alto de não sabe de onde. Ele sempre achava que vinha de cima, mas não do céu: de cima da sua cabeça - do cocuruto. 

primeiro, lá trás, bem lá mesmo
infância, pelos 8 ou 9 anos
vozes vinham lhe sussurrar aos ouvidos quando ele ia para a escola, ali no antigo pré-primário, classe cheia, bagunça, corre-corre e vozes da criançada em alto tom. Esta, por sua vez não apagava a voz interior - ou exterior como ele julgou décadas passadas.

"hoje vai ser bem chato, bem mesmo; e todo dia será chato até daqui por fim da vida...
só você tem que ir porque senão você cai lá no fundo do poço com o bicho-papão, ele vai levar embora dentro de um saco. E sei lá pra onde. O que sei é que você não volta para sua casa e vai embora com ele. Também sei lá onde ele mora."
e ele ia, ouvindo, sozinho

ninguém mais ouvia pelos 2 quarteirões que separavam do grupo escolar - erguido em 1917, nome de ex-governador, todo pintado de um tom areia, muro hoje pichado por aqueles que se julgam sabe-se lá o quê; o tal prédio era tombado pelo valor arquitetônico - da velha casa construída em 1929: porão, assoalho e teto de madeira, quintal cachorro, portão de tramela simples, laranjeira e limoeiro que logo morreram e a jabuticabeira, forte e troncuda...
na cidade do interior, onde nascera, dezenas e dezenas e dezenas de quilômetros 
longe de São Paulo

de noite, quando ia dormir, olhava debaixo da cama e... Nada.
Nada da voz
nada de bicho-papão
deitava, então,m a cabeça loira de 4 olhos no travesseiro grande, tão grande
que cobria sua cabeça
e aí vinha a voz

"Dorme bem, dorme até amanhã e aproveita porque depois de grande
você quase não vai conseguir. Mesmo que consiga, não vai poder"

ele não entendi porque não podia dormir quando ficasse grande
via seus irmãos maiores dormirem horas e horas

"Agora, vou cantar uma daquelas cantigas para você dormir e pra dormir logo
porque amanhã tem prova de matemática e seu professor não gosta de menino que se atrasa
e você sabe, antes de dar a bronca, ele tira os óculos e fica os limpando com aquele lenço encardido"

E cantarolava como ninguém havia feito em toda a sua vida.. De nove anos.
Dormia a sono solto, talvez com a companhia - única - do bicho papão... Pegou simpatia por ele, e aos anos mais tarde foi embora junto com o tal.