domingo, 31 de julho de 2016

VIAGEM CCXCVI - ACHAR E PERDER-SE

Arquivo pessoal - Vista panorâmica de Piracicaba
são tantos os sentimentos
e vontades
e vistas 
e corações:

amor

cumplicidade

amigos melhores

enamorar-se

enroscar-se

dormir

concha

em ganchos

de corpo

juntos

acordar/café

fumaça

juntos

beijos

reentrâncias

protuberâncias

salivação

mensagens

de dia/à noite

turbilhão

de enredamento

bálsamo

você nu

andando

pela casa

perdição

de tudo

o caminho

juízo

e enfim

o achamento 

em nós feitos um para o outro/pelo outro

sexta-feira, 29 de julho de 2016

VIAGEM CCXCV - RASA TERRA ARRASADA?

Arquivo pessoal - Av. Paulista
Na terra arrasada depois daquele cultivo no imenso jardim do tamanho de um quarteirão, nem flor, nem a enorme jabuticabeira, nem a grama deve nascer de novo. 

Brotar o que? Se tudo o que foi ali semeado em plena São Paulo dos doze milhões e tinha tudo para ser uma campo de colheita farta, ano após ano, aguada por nós... Tinha.

E acabou. Assim mesmo, sem o amor, sem o carinho meus/seus, sem os planos e também sem o dinheiro. E este último, os milhares de reais foram se esvaindo escoando para o ralo com bafo de bêbado adormecido de ressaca. 

Gastou tanto, investiu tanto e deu com os burros n'água por completo, até o "animal"se afogar naquele mar de lama de terra arrasada seca, esturricada e estéril. 

Bem-feito para ele. Mania de confiar em excesso. Mania de ser verdadeiro em demasia para quem não confia e para quem curte uma mentirinha atrás de outra, vindo mais em seguida; em sucessão de desatinos disparatados de qualquer realidade factível. Porque de fatos inventados é que vive aqueles que são mestre no logro alheio.

No ramerrame do dia a dia, ele tem uma possibilidade de voltar a aguar o jardim com abundância de frutos carnudos - e ele sempre gostou de tudo que fosse carnudo pelos quadris febris que requebram nas ruas da Pauliceia. 

Porém no jardim de alegorias mil, onde todos os dias pareciam o sábado de carnaval (bem, verdade que... De vez em quando tinha uma quarta de cinzas), agora tudo é fantasia fantasmagórica, de lençol branco e com o arrasto de correntes... Pela terra arrasada.

Ali, pelo fim, quase encostado a parede do alto muro que separa a casa dele do vizinho, longe, bem longe do pé seco de jabuticaba, começa a nascer uma matinho muito do mirrado.

Talvez seja um sinal dos tempos... Dos outros tempos que tudo de novo ele recomeçará. A bomba nuclear das brigas fora desativada. Só que continua à vista. Detonar ou não detonar? Dependerá das reações deles.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

VIAGEM CCXCIV - A SAUDADE MORTA; VOCÊ VIVO

o tempo que passou está tão lá trás, em uma parte da vida que o mundo ainda girava ao redor de um sentimento que poderia ter dado certo;

a saudade do que não existiu, a saudade daquilo que poderia, talvez, ter sido aplaca qualquer razão sobre o tempo curar tudo;

não cura nada não;

enterrar a tal saudade no mais profundo poço que você possa encontrar - este é o primeiro passo;

depois, como segundo passo, possivelmente enterre este poço, lote-o de terra seca estéril, até a boca para que nada, nada mesmo, possa que nasça nada ali;

para que a saudade não vislumbre um caminho, um pequena rachadura, 
em que ela possa crescer devagarinho, devagarinho e, como um fantasma, voltar;

porque sem que haja um cuidado, ela explode em cima da sua cabeça e mata;

não! Enterre e soterre o tal poço;

jogue tudo dentro;

para ter certeza que a esperança vã não lhe faça de idiota 
(de mais idiota, não é?),
pise em cima com toda força - pule com vontade para matar qualquer chance remota;

em seguida vá embora;

sequer olhe para trás;

vire-se apenas para frente e esqueça aquilo morto;

está morto!

você então, no final de tudo, finalmente vivo.

sábado, 23 de julho de 2016

54] CENÁRIO SP - É TANTO BEM-QUERER

Arquivo pessoal - Av. Paulista/SP
das pessoas ele quer os milhões destes seres que habitam a urbe
da cidade ele quer a urbanidade alfa de São Paulo;

do inverno ele quer a cama quente
o aconchego do corpo ao lado, esparramado junto ao seu;

do verão ele quer pernas de fora,

suores à mostra vertidos pelas recônditas partes;

do ar invisível ele quer os odores sumarentos, suculentos;


da pornografia ele quer o gozo;

do amor ele quer a perseverança;

da comédia ele quer a falta de ar,

o riso incontido e infantil;

do dinheiro ele quer a soberania sem rebeldia;


do sangue no Mustang, ele quer o vento na cara;


do vento na cara no Jaraguá, ele quer a vista por toda a Piratininga;


de São Paulo ele que o topo do Mirante do Vale a 170 metros,

de São Paulo ele quer as artérias cheias, pulsantes;

da metrópole ele quer as opções 1000,

os lanches da madrugada, os pardieiros, e o refinamento (tudo a sua hora);

dos subterrâneos ele quer o metrô cavoucando a terra

do Jaçanã a Parelheiros, do Itaim ao Jaguaré;

da moradia ele quer o quarto quieto, de cama desarrumada,

do quarto ele quer aquela companhia solitária;

da maçã mordida ele quer o barulho arrancando um pedaço;


das comidas ele quer a madrugada de domingo para encher a pança,

em São Paulo 24h;

do chocolate ele quer o mais doce e derretido,

e comer igual a um menino: ávido em um sem fim de sabores

da boca seca ele quer a viagem neuronal do THC;

da sede ele quer o copo cheio de gelo a derreter;


da sociedade ele quer o anonimato puro,

da sociedade ele quer a tolerância exercitada;

das companhias ele quer o riso fácil dos amigos para sempre, 

dos amigos para a vida ele quer que sejam poucos;

das ruas ele quer os quadris febris,

da febre ele quer o seu "poço de petróleo" a jorrar;

dos dias que se seguem ele quer a ininterrupção até quando o azul decidir;


do azul ele quer a negro céu a chover embalando sono e sonhos;


da manhã o dourado rei a espalhar sua luz interplanetária;


das manhãs eretas a ida corrida ao banheiro;


do tempo de despertar ele quer o café preto, puro, amargo

que excita, que restabelece e que aviva;

do tempo de despertar ele quer o sorriso do seu amor,

ele quer a primeira vista do dia;

da tempestade ele quer trovões ao longe e a nesga de luz do raio,

impávido, conflitante e rápido;

da semana ele quer a sexta à tarde,

e do tempo ele quer alguém que o queira inteiro pelo tempo que for; 

de sua vida ele quer ajuda sincera, companheirismo e lealdade;


e dele ele quer a sinceridade, a dignidade e o incontido desejo de amar...

no quarto escuro, à luz do sol, antes, durante e depois.

Deitado em um dia qualquer, pelo fim de tarde, ele pensa nestes tantos quereres que ele tem e quando todos aconteceriam em sua vida. Um ou outro já experimentou, outros quase e alguns jamais. Tem certo que, talvez, viva mais por mais uns anos somente e que então nada de novo acontecerá. Vira-se e pega o copo pela metade de uísque escocês e toma em uma talagada só. Nem careta faz. Fecha os olhos e sente o corpo amortecer. 

quarta-feira, 20 de julho de 2016

VIAGEM CCXCIII - INTERRUPÇÃO DO VERANEIO

Arquivo pessoal - Avenida Paulista
em um veraneio no meio do dia, perto do meio-dia

viu voando veloz aquela verdade que, de tão vasta, aniquilou o veranear de tranquilidade

vidros refletindo a luz do sol de inverno

vidas espalhadas andando pelas ruas vestindo vestes, capotes e agasalhos

naquela vereda viva, na grande "vila" paulistana, eles vão, 

eles voltam com veemência da pressa, do trabalho, da gana de melhorar

"para São Paulo crescer", para o Brasil crescer

valente e valoroso homem, perdeu-se em meandros de pensamento

porque a interrupção do veranaio de barriga cheia começou a causar

vontade de vomitar, de náuseas intensas e contrações vívidas, 

bílis subindo, gosto de podre no palato, sangue correndo pelas veias

do corpo, dilatadas, disparando díspares sentimentos aleatórios 

em uma cabeça já atolada de vozes que insistem em valorizar 

aquilo que nunca deveria ser valorizado...

vermelho, ruborizou-se ao notar que estava sendo notado

sem senso algum de desamparo, sem senso de não querer ser descoberto

mas a vida cobra o dia, a hora, o minuto...ela cobra velozmente o segundo...

cansou-se de veranear e foi cuidar da vida que não andava lá estas coisas...


reconduziu-se ao local de trabalho interrompendo seu delicioso veraneio de

nada fazer, nada pensar - tranquilizador.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

VIAGEM CCXCII - UM GRITO, UM DESABAFO

Arquivo pessoal - Vista do Rio de Piracicaba, Piracicaba/SP
---- Tenho a nítida sensação de ter feito tudo errado. Tudo!

---- Mas porque pensa assim? eu acho que você tentou e... Ok... Não deu certo, acontece a toda hora, em todos os lugares.

---- Deveria ter agido com mais clareza, ter falado tudo que me sufocava. Fiz errado e agora nunca mais vou ver, tampouco vou me encontrar. E sabe porque? Porque eu espantei pra longe de mim com minhas atitudes.

---- Será que foi isto mesmo. Eu até achei que vocês dois não queriam nada de nada. Achei mesmo que era curtição. Só isto.

---- Era, mas depois não era mais. E acho que da outra parte também aconteceu o mesmo processo. Aí, lá trás, anos e an os lá trás, eu cometi o primeiro grande erro.

---- Que coisa! Você é um ser humano e pelo que sei e pelo o que conta nos registros da história do homo sapiens o que mais a gente fez foi cometer erros. Então, eu penso...

---- O que isto me importa? Se os homens cometeram erros e mais erros...

---- E mais ainda erros...

---- Que seja! Eu cometi um lá trás. Aí, reencontramo-nos e não satisfeito, cometi quase o mesmo erro. Eu sou o campeão.

---- Auto-punição é desnecessária. 

---- Podia ter dado certo. Talvez seu tivesse tido mais um pouco paciência...

---- Discordo...

---- Eu fiquei com cara de idiota quando ele me falou que não queria nada com ninguém, nem agora, nem depois. Aí eu pensei "o que eu estou fazendo aqui". Mas só me falou isto, porque quando do reencontro foi animador, depois da fodida geral que fiz, eu também fiz errado. Só eu mesmo. Paciência! Inferno! Queria tomar uma dose cavalar de paciência. 

---- Você tentou. Até foram para cama.

---- E já começo eu também cometi um erro. Pensar que eu fiquei tão entusiasmado... Acho que ele pensou em me dar uma segunda chance e, quando terminamos, deve ter pensado "é, tudo igual como era anos atrás", ou "o cara não muda mesmo". 

---- Só você que não mudou? eu acho que o discurso que você ouviu casa bem direitinho com o passado.... Ambos não mudaram, eu acho. 

---- E daí? Eu deveria ter mudado porque, eu creio, se um muda este um pode ser uma força motriz para que o outro lado mude e ambos caminhem em uma mesa direção, partindo, que seja, de direções opostas. Mas eu perdi... A vida me de deu uma segunda chance e eu me embaralhei, em atrapalhei e fui impaciente. Quantos erros.

---- Pode parar. Você está imaginando coisas, fantasiando e parece que desenvolveu uma saudade por aquilo que nunca existiu.

---- Acho que é isto: saudade de algo que poderia ter dado certo...

---- Poucas, pouquíssimas, chances de ter dado um bom resultado cara.

---- Hoje, amanhã... Nunca mais vai haver outro reencontro. 

Depois de horas e horas, o acabrunhado reclamante cansou-se e embargando a voz, baixou a cabeça e pediu ao melhor amigo que qualquer um poderia ter, que se retirasse. Este, ao fechar a porta ouviu um grito medonho, de tristeza, longo, ancestral, doído. Ele pensou em reabrir a porta e acalantar o amigo, mas o grito, a intensidade, a entonação grave... Demoveram-no. Murmurou tão-somente.

---- É um grito, é um desabafo. Solitário.

terça-feira, 12 de julho de 2016

VIAGEM CCXCI - NO DIA QUE FALTAVA... A PERDA

Arquivo pessoal - Avenida Paulista
100, 99, 98, 97...
contagem regressiva de dias (bem que poderia ser uma de horas...) para reencontrar o caminho, a vida, o amor e tudo mais que pode levar à liberdade.

96, 95, 94, 93...
Os dias se demoram, mais do que o costume, só para fazer o sofrimento da saudade aumentar, tornar-se desmedido e preencher o pensamento dele e azucrinar sua ideias... Que já estavam turvas desde a ida sem a previsão de volta.

Os dias se arrastam, lerdos, em grandes quantidades de segundos, minutos, de horas, mostrando-se incapazes de mensurar a espera, e imutáveis no relógio biológico que tanto preza a proximidade. toda manhã ele se pergunta "até quando?" ficando toda manhã sem reposta.

92, 91, 90, 89...
Ainda nem chegou na metade e longe está disto e ele... Bem, ele segue com seus afazeres do dia dia, cotidianamente, para driblar, burlar e tentar esquecer o longo período que existe entre o agora e aquele momento de poder abraçar, de poder tocar e acarinhar quem tanto, tanto e tanto, ama sem pudores idiossincráticos, tão comuns àqueles que dizem amar, mas ama com restrições.

Quando chegou ali nos 65, 64, 63, 62 dias... Ele começou a tomar algo para poder dormir feito nenê depois da mamada matinal, sem restrições: vez por outra chegou a babar no travesseiro tamanho desfalecimento na grande e vazia cama. Pelo menos, dormiu ininterruptamente (fato novo em seu padrão de sono).

Ah estes dias..34, 33, 32, 31... "Quase um mês!", ele falava para os amigos próximos quando agosto estava por vir. Este último tempo de esperar foi, de verdade, o mais ingrato no meandros de pensamentos labirínticos que povoava sua mente de irridentismo ímpar, sagaz e, à época, acelerada feito um turbilhão. Vieram os derradeiros 15 dias e estes foram os mais maldosos.

Faltando então apenas o amanhã, ele mal dormiu (decidira não ingerir nada... Para perder a hora? Jamais). Chegando no aeroporto de Congonhas, com horas de antecedência, toma alguns cafés e então vem a notícia... O avião acabara de cair no Oceano Atlântico perto do litoral do Guarujá. A voz metálica avisa: Por enquanto não a relatos de sobreviventes.

Ali, àquela hora, ele também morreu um pouco, gelidamente triste.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

53] CENÁRIO SP - NO APLICATIVO DE MENTIRAS

Arquivo pessoal - Avenida Paulista, SP
Quando o relógio bate 14h, ele começa a arrumar a mesa para sair para almoçar; e 13h é m horário, pode-se dizer, cedo, muito cedo para ele comer: o normal mesmo, de quase todos os dias é praticamente um "almojanta". 

Bem, mais para almoço do que para janta: o usual é por ali na faixa das 15h30/16h. Mesmo que tenha uma fome pantagruélica, quando chega em frente ao bufê seu estômago parece parar... Retraído e diminuto seriam adjetivos mais apropriados à caixa de moer comida. 

Hoje venta sem parar, assemelhando-se a agosto. Julga ser uma prévia do mês mais ventoso aqui na Pauliceia. Vento frio de inverno fazendo que ele sinta em partes expostas de seu corpo toda a força desta estação que parece estar se vingando dos anos interiores. É quem em 2014/2015 o inverno, ele costuma dizer, "caiu em uma sexta-feira, lá pelo fim de tarde"; o frio quase não existiu. E ria sem parar. 

Na volta, mais ou menos de barriga cheia, refestelou-se em parklet contíguo ao escritório onde ganhava seu sustento e a pensão devida à filha adolescente que consome 30% do total de seu salário. Acendeu um cigarro e longas baforadas o acalmaram sobremaneira com relação aos problemas que lhe aconteceram horas antes, no trabalho mesmo. Sentindo o vento frio a lhe cortar as orelhas nuas, resmunga algo sobre ter esquecido o gorro... Saca o  moderno fone do bolso da calça social alinhada e vincada e inicia a consulta da tarde no aplicativo para encontros pessoais.

Passa o dedo e se atém primeiro às mensagens da manhã são muitas. De todos os tipos: sexo rápido, fetiches mil, cafés mais tímidos, cervejas mais à vontade e até mesmo de namoro sério e tradicional; fotos comportadas de rosto e de corpo e fotos desinibidas de tudo em detalhes bem íntimos. Uma distração que o absorve e quase que ele se desliga por completo do mundo em sua volta. O sol gostoso e a pança cheia o fazem distraído por minutos a fio.

Nem vê quando dois homens se aproximam. Um deles, o maior, chega primeiro e lhe pede um cigarro; o segundo, logo atrás, permanece calado apenas observando. Assim que ele retira o maço do bolso do casaco juntamente com o isqueiro, é anunciado texto.

---- Obrigado senhor. Estou sem dinheiro, sabe? Morando na rua desde que cheguei aqui em São Paulo. 
---- E você é de onde? 
---- De longe, bem longe. Sou do interior do Amazonas. Três horas de barco até Manaus. Conhece por lá?
A conversa pelo aplicativo foi esquecida por agora. E ele se interessa pela outra história que 
---- E faz quanto tempo que está em São Paulo?
---- Saí de lá em janeiro. Fui para Brasília, mas fiquei só uma semana. Agora estou aqui e buscando emprego. Na rua não é fácil não. Achei que ia morrer de frio à noite. Mas estou vivo, ainda né?
E sorri como quem parece ter total desapego aos problemas.

A conversa segue e o, por hora, morador de rua explica que trabalhava como artesão de artefatos indígenas desde muito pequeno e que tinha o ensino médio completo. Uma história que é comum nestes tempos de forte crise econômica, no qual bons talentos estão sendo jogados fora e mortos, um a um: a morte, neste caso, é psicológica, espiritual e de ânimo.

Esquece-se por completo do aplicativo que chove mensagens uma atrás da outra, em total desalinho com a história que acabara de ouvir. E então, ele fecha a página e vê o homem que lhe pedira cigarro sentar na esquina e estender a mão para começar a angariar esmolas em uma das esquinas mais conhecidas de São Paulo. Em um átimo, liga para uma ONG que impulsiona trabalhos manuais legítimos brasileiros e consegue que, em poucos minutos de conversa, o cara vá até lá para mostrar sua arte em argila e pintura.

---- Olha, acho que consegui um... Bem, acho que é um teste para você se profissionalizar e mostrar sua arte. Aqui está o endereço. Está marcado para hoje mesmo? Você pode? Acho que dá para ganhar dinheiro.

O homem permanece atônito, ou melhor, em um estado que beira à catatonia. Levanta-se depois deste segundos e fica na dúvida em abraçar o seu "novo amigo". Abraçam-se timidamente, mas com intensidade ancestral.

Nunca mais o viu. Soube que, ao ligar na ONG meses após o inusitado encontro, que o então morador de rua agora ministrava aulas e cursos para interessados em artesanato da Amazônia profunda. Àquele dia, antes de entrar no grande prédio envidraçado moderno, voltou-se ao aplicativo e respondeu todas as mensagens que pareciam não condizer com o mundo que o rodeia. "Eu acho que é tudo mentira. Nada é real mesmo", falou em voz alta.





(segue...)

segunda-feira, 4 de julho de 2016

VIAGEM CCXC - ESQUERDA, CENTRO E DIREITA (DO CORPO)

Arquivo pessoal - Piracicaba, SP
Dos extremos ele não gosta, mas é dos políticos que se embrenham em negociatas, safadezas e conluios dos mais vis e canalhas e que abarcam todos os matizes ideológicos; porque das extremidades de seu corpo, ele gosta muito que lhe toquem acariciem, lambam e peguem; a pele, entendem? Porque seu corpo demanda e troca tais favores. Aprendeu depois de um certo tempo estes favores de duas mãos e hoje pode se considerar um doutor livre-docente.

Direita? Esquerda? 
Sim, e talvez pelo centro de seu corpo seja melhor do que qualquer outra parte. Apesar que... Bem, todo ele é frêmito. 

Pensava, em recorrente tempo, o que determinava as relações humanas a partir mesmo de um simples (?) aperto de mão, que dali poderia valer muito ou apenas ser uma dissimulação de bom contacto social.

Pelos apertos, pelos abraços, pelos beijos, pelos pelos misturados, e pelos corpos entrelaçados em todas as extremidades. Pelas mentes em alinhamento, pelas mãos que acariciam: haveira de haver a sobrevida desta vida à qual ele sobrevive tão-somente.
Pelo centro, pela direita e pela esquerda. Decidira há algum tempo que queria tentar buscar um caminho mais feliz, menos penoso, sem que perdesse o envolvimento das ideias, sem que se perdesse a compreensão do outro.

Em um diálogo imaginário, possivelmente improvável e de cunho totalmente etéreo, ele explicitava em palavras o que vinha acontecendo pela direita, pelo centro, pela esquerda... Da cabeça e do corpo.

---- Você é de direita?
---- Acho que sim. Tenho a mente que tenta ser reta, me endireitando toda dia quando acordo. Não consigo todos os dias.
---- Então você é um conservador de direita?
---- Sou canhoto, do lado "sinistro". Escrevo, pego, chuto, acaricio melhor com o lado esquerdo. Tenho lá uma maior que outra: a esquerda. Gosto do social, gosto de pensar que todos devem ter carinhos e abraços, sem conservadorismos.
---- Você é de centro?
---- Bem, centrar-se é sempre um bom exercício para mente. Acho que para o corpo também. Sem exageros de lá, nem de cá.

Todo esquerda e todo direita por que centralizar o sentimento, a vontade, a solidariedade e o prazer pode ser tão monocórdico e acabrunhador. 

---- O que será a vida assim?