domingo, 29 de abril de 2012

VIAGEM XLVII - RACIONAIS E IRRACIONAIS

Reprodução
Um dia todos prestarão contas, todos os homens  e mulheres,
sem distinção de qualquer espécie.
Será um acerto certeiro, misericordioso como nenhum de nós foi (nem que pudéssemos) durante o tempo de viver.
Nivelados por aquilo em que somos tão iguais: dor, arrependimento, incompreensão.
Todos os atos serão postos ali, na mesa, lidos em um "caderno" de anotações, com páginas
repletas de letras/palavras contando a vida de cada um de nós. De todos os dias vividos.
Um livro que escrevemos a todo momento, muitas vezes em linhas mal traçadas e tortas,
com letras ilegíveis, sobre atos medonhos. 
Sobre nossas armadilhas engenhosamente preparadas e escondidas.

Antes do acerto, aqui embaixo mesmo ou onde você queira o que é o oposto do "de lá",
há o ar, há a água, há o fogo e há a terra. 
Há os outros seres; aqueles que tiveram o sopro divino.
Juntos eles proveem nossas vidas.
Agregamos tantas coisas vindas de nossa mente que pensa freneticamente, 
até mesmo quando dormimos;
desenvolvemos parte delas tão egocentricamente, um grato jeito de ser preponderante que gera prepotência,
jeito muito apreciado inclusive por tantos que se julgam 'inocentes' e/ou 'ingênuos'.
Inocência de quem? Ingenuidade de quem?
Conceitos, culturas, modos, afazeres, gostos, vilanias, sujeira podre e fedorenta.
Porque desenvolvemos o mal que volta-se àquele que nada pode fazer para detê-lo.

Vendem-se argumentos mentirosos adquiridos por verdadeiros ao longo dos dias sobre a Terra. E nos julgamos inteligentes pelo fato...
Loas são entoadas ao mais fortes, aos mais aptos, aos mais espertos. 
Ao mais racional. Aos primeiros em tudo.
Nós compramos e, reparem, compramos faceiros e felizes. 
Ansiamos pelos tais argumentos.
Somos os melhores, os maiorais, aqueles que dominam e matam.
(um império de Césares decaído do alto do azul )
Uma lógica infernal que se apropria do coração e da delicadeza do amor.
(delicadeza do amor cumpre um papel de coadjuvante em letrinhas miúdas)
Aos mais fracos pouco resta a fazer. 
Aos seres irracionais, o raciocínio lógico aplicado com precisão cirúrgica: o corte sem a anestesia e a dor que toma conta do corpo. 
Tortura que promove diversão? Onde há diversão nesta tortura?

Então... Vai chegar o dia de explicar a dor, o egoísmo e a racionalidade implacáveis.
O que haverá de sair nesta explicação mal e porcamente feita?
Argumentos humanos: tentativas desesperadas de explicar o que pode ser inexplicável.
A danação imposta (somente como os tiranetes esquálidos e patéticos impõem - não há tiranos, eles são tão mesquinhos que se tornam menores) vai passar pela frente em um curta-metragem barato, de poucos recursos.
(como Brás Cubas viu a existência de anos condensados em minutos passando em cima de um hipopótamo)
Ver-nos-emos pedindo e pedindo e pedindo o que não nos compete mais pedir porque não poderemos mais nada; a supremacia de glórias mil exercida de antes transformar-se-á: igual ao pó de onde viemos, jogado ao limbo.
Será um encontro intransferível, pessoal e justo. Nada se transfere daquele racional, os atos são atos e são instransferíveis.
Na hora nada há de se acrescentar, nem há de se apagar.
E o raciocínio não vai contar é nada.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

TRECHO DE MAIS UM CONTO

Trecho de outro conto - O Acerto de Três - escrito por este aqui. Um dos últimos e trata do encontro entre três homens com diferentes posicionamentos, ideias, conceitos acerca da vida e dos outros e de diferentes ascendências: neto de gregos, neto de italianos e filho de irlandeses.Também se medem, ao longo da história, uns aos outros com diálogos eivados de preconceito (tão comum a nós todos). A parte final tentei fazer um diálogo como os escritores para teatro fazem.

O ACERTO DE TRÊS
Reprodução, Hércules luta com o leão de Nemei
A decoração de Natal já fazia espocar nos edifícios comerciais em inúmeros pontos da cidade. Como de costume, a avenida Paulista – englobando desde o metrô Paraíso até a Consolação descendo pelos Jardins – tomou ares de metrópole americana com neve artificial, Papais Noéis de baciada, renas, sinos e todo o conjunto. 
Stavros se lembra de seu avô falando desta época quando era criança em sua cidade no interior da Grécia. Da janela do quarto, ele conseguia ver o monte Olimpo longe, longe que mais parecia um montezinho de terra tão-somente. Das oliveiras e do frio de dezembro. Do amor de sua juventude. Das comidas. Ele contava, em narrativa, todo Natal como fora seu desembarque no porto de Santos no dia 23 de dezembro fugido da invasão do louco Mussolini ao seu país na II Guerra, em 1940, quando aos 22 anos; e de como se maravilhou pela imensidão da “Terra Brasilis”. Ironias à parte, a vida lhe presenteou com o casamento de 49 anos com uma italiana. As histórias tão bem contadas transmitiam uma sensação aberta de saudade por um tempo que não voltava mais. 

O velho Gerassymo um loquaz senhor de idade atraía a atenção dos netos ao seu redor para contar as epopéias gregas da Antigüidade traçando linhas que se encontravam na mitologia grega dos deuses, semideuses e mortais. Stavros o primeiro neto homem quedava-se absorto pela voz do avô que até se esquecia de comer os doces; mas que quando lembrados que estavam na mesa, logo ali, para serem devorados enchia as mãos e corria para continuar ouvir as histórias dos heróis titanicamente defendidos pelo narrador. Quando vivia sua infância com direito a molecagens próprias da idade, Stavros ficava imaginando antes de dormir como seria sua vida se o seu avô fosse um Deus que habitava no Olimpo e disfarçado aparecesse aqui no Brasil. Em seus devaneios de deleite, desejava determinar qual poder seu avô teria e que parte da natureza comandaria; ou qual elemento natural seria o comandante: o fogo, ele julgava que quem o subjugasse conferiria um poder digno de respeito e temor. Ou então, poder voar e disparar raios, nadar sem precisar respirar à tona, manejar armas letais.

Rep, painel lat. de sarcófago representando os 12 trabalhos

Quando pequeno, apreciava a força de Hércules e cria serem reais os bichos com quem o semideus lutava: o javali de Erimanto, as éguas (que comiam carne humana) do Jardim dos pomos de ouro, o leão de Neméia.
Cresceu e os desejos de adolescência consistiam mais próximo de qualquer humano adulto. Questões correlatas à psique começaram a fazer parte dos poderes que desejaria possuir. Controlar o pensamento permeou sua devoção à mitologia greco-romana (nesta fase, passou a considerar e apreciar os deuses romanos, vertidos em outros nomes pelo Império Romano) quando jovem; ser forte, porém não se despregara de seus ‘anseios’ mitológicos de preponderância. 
Continuou crescendo. Adulto, sem apagar seu fascínio pela mitologia helênica, começou a ler sobre os costumes da vida do dia a dia dos gregos e do amálgama formado depois pela invasão de Roma às terras balcânicas tornando colônia as antes independentes Ática, Trácia, Macedônia e adjacências. Os itálicos consumaram a invasão não antes de serem “invadidos” pelo conhecimento dos tementes a Zeus. Júpiter para os novos senhores das terras montanhosas e das inúmeras ilhas. Bem que Adriano, um imperador nascido na Hispânia, tentou levar um modo de vida com maior influência política e modus operandi gregos; até barba deixou crescer o que não era comum no Império Romano, entretanto, trivialmente popular entre os caras, pobres ou ricos, da antiga “Hellade”. 

Marmanjo e barbado como Adriano (mas sem o respectivo Antínoo), Stavros ‘psicotizava’ as relações humanas que viessem estabelecer quem quer que fosse com ele; e mediante sua experiência (segundo o próprio) e sua vivência (também), achava e acabava por inferir juízo de valor e opiniões. As tais certezas – mentiras ou verdades – proferidas amiúde traçavam uma personalidade forte, mas nem sempre eficaz nas relações pessoais e profissionais. Ela auxiliava a melhorar o desempenho e a minorar a sensação de que Stavros possuía que o mundo anda para frente; ele com mais vagar. Não, em termos de seu trabalho, dedicava atenção sem medo que tomasse, em uma eventualidade, horas as mais que as devidas programadas. 
Perguntado como sabia tanto opinar e avaliar situações e atitudes de outras pessoas, ele respondia com o clichê “a vida me ensinou. Junto o que vejo, ouço e sinto. Simples. Eu sei. E outra, as pessoas – como diz a música – são ‘parecidas quando sentem dor’. Ninguém é muito diferente não”. Restringia-se a não comentar se nada fosse lhe perguntado ou dirigido a palavra. Aprendera que manter as cordas vocais estáticas possibilita menos escaramuças durante as horas de convivência necessária com outros humanos.

Confrontara-se no último mês com duas demissões em cargos ocupados por dois funcionários que lhe eram de absoluta confiança. Um deles voltou para o interior, em uma cidadezinha quase na ponta do estado, nas “barrancas do Paranapanema, único grande rio que não é poluído”. De contragosto tivera que voltar. Já o outro, faltou duas semanas seguidas e comunicou o afastamento por telefone tão-somente. O que significava que haveria de entrevistar gente para o cargo. O ‘desaparecido’ exercia função de secretário dominando o trabalho diário com um pé nas costas. E para substituir, pensou em contratar uma secretária para mudar os ares do estabelecimento, o que foi feito.       

segunda-feira, 23 de abril de 2012

VIAGEM XLVI - AOS SUPERIORES, O TÉRREO

Mal traçado e bem bagunçado. Era assim que tentava escrever toda vez que se dispunha a realizar. Bom mesmo quando saía sem destino - como no filme de 1969 -, sem preocupação alguma com critério algum... Só ele no semi-novo sedã de velho que arfava a chocolate por dentro.
Escreve em um bloco todo amarfanhado que fica no console com uma bic azul quase no fim (de tanto escrever e jogar fora em seguida).
Reprodução

"Para os que têm tudo facilitado, uma serra pontilhada de pontiagudas lâminas resistentes ao esmeril; as fagulhas e o cheiro do metal queimado a cortar, a tanger.
Àqueles que se julgam melhores, sem dó algum o pior para eles.
Para os que são endinheirados/soberbos, a tortura da miséria ; para os pobres de espírito, um 'paraíso' dantesco.
Para os superiores (é o último degrau da escada humana), o limbo; para estes arrogantes, a inteligência da mentira dos melhores mentirosos.
Àqueles 'divertidos' humoristas incorretos, a correção da mudez.
Para a deificação do $, a falta do papel-moeda.
Àquelas pessoas aparantemente lindas só na aparência, a feiura da alma refletida no espelho.
Àquelas pessoas tristes reclamonas, vítimas delas mesmo, a língua cortada.
Aos que judiam dos bichos, pendurados pelos bagos sem a misericórdia da arena.
Para aqueles que destratam, humilham e ignoram, voltem para o fim da fila amarrados para sempre.
Aos que chegam em primeiro sempre, a impossibilidade eterna de concorrer a seja lá o que for.
Para os acadêmicos intelectuais, o canto da sereia irresistível; para os fortes prepotentes pela força física, a careca de Sansão.
Aos detentores déspostas de poderes quaisquer, a servidão absoluta.
Para os idólatras e ídolos, a cegueira do fogo e o gramado seco.
Para aqueles que invejam as belezas, as deformidades.
Aos apolíneos humanos em seus pedestais, a cara no chão, o corpo inerte. Quebrados.
A mim, que parece nunca aprender que o estereótipo é rei por isto é o estereótipo. Um império do sempre, ad infinitum. Continue assim e você vai longe (e vai para onde?).
Aos previsíveis, estetas, hedonistas - junto com os idiotas e torpes -, a feiura da fome.
Aos que vivem procurando iguais, a desigualdade do começo ao fim.
Para aqueles que não sublimam (como ele), a verdade bem sanguinolenta.
Para aqueles que não saem de seu mundo, o universo! Em cima de suas cabeças.
À vida, esta minha, que me fez assim e que faz assim, 'muito obrigado'".

De verdade mesmo, ele não era nada bom em escrever sobre seus sentimentos. Este trecho aí em cima ele maquinara há algum tempo e o adaptava ao seu bel-prazer quando acontenciam recordações, fazendo como melhor lhe aprouvesse. Indicava, pelas letras escritas à mão - só depois que acordara para o mundo digital -, que viver sem se importar com as agruras do mundo tornar-se-ia tarefa hercúlea. E não se importar deveria ser o que comportava a ele.
--- Eu não sou uma ilha! Deveria ser. Mesmo querendo ser uma ilha perdida de Atlântida, eu não consigo, por isto que me preocupo com o andamento do que é feito por aí.
Repetia toda hora, toda hora, sem parar, o que o mantinha aprumado em seu trabalho.

terça-feira, 17 de abril de 2012

36 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - PELOS OLHOS DO GATO

Reprodução, o olhar de gato

Dorme a sono solto desde às 21h quando chegou em casa depois de um dia de trabalho para lá de cansativo; perto de ir embora, ainda em sua sala, mastigara pedras de gelo em formato de bolas, triângulos e cubos retangulares. Não que àquela hora da tarde estivesse calor exagerado, mas ajudava a tal mastigação a despertar para outros sonhares que se concentram, sem dúvida, em seu castelo à beira das enevoadas viagens que faz quando dorme.
E fazia certo tempo que ele não tinha uma destas, estava com vontade deitar-se tão logo chegasse. Comeria uma fruta e nada mais para não perder tempo acordado.
E assim fez.
Mais de meia-noite e ele está lá: dormindo, quase na mesma posição, esparramado agora, com os braços esticados; uma das mãos quase toca a porta da grande sacada, a cabeça pende em cima do bíceps.
Vento brando socorrendo-os de ar para que não se vicie o oxigênio dentro do castelo. Ar fresco da madrugada de outono ajuda a dispersar um possível cheiro de mofo de velhas construções, por onde "passeia". Mesmo no velho castelo de pedra, no limite máximo dos romanos Escócia adentro, um sol que batesse por algum tempo já resolvia este problema; o ar de lá é mais úmido. Pôde sentir nos pés porque já caminhara pelo chão de musgo gelado e orvalhado. Foi em uma outra "viagem".

Felino e Rex, costumeiramente, deitados ao lado, encostados, transmitindo calor uns para os outros. Até o gato-conselheiro-real acordar devagar e esticar a cabeça em busca de... Um ruído dentro do castelo talvez? A orelha voltada ao ruído captado. Está virado em direção ao corredor onde somente a luz do computador, aquela levemente azulada, ilumina aquele espaço comprido de cinco metros.
Somente como os gatos fazem, ele se desloca até lá espreguiçando-se ainda perto dele e adentra no quarto sorrateiro e silencioso. Olha para cima, para baixo e para todos os ângulos possíveis. 
Tudo está como sempre: bagunçado, livros em cima da escrivaninha, o copo de água, outro de café - vazios -, meias pelo chão. Nada vê de diferente sob aquela luz esmaecida. Nas pupilas, o quarto de estudo é todo refletido naquele pequeno espaço que já viu muita coisa nestes mais de 10 anos.
Volta mais devagar ainda ao local de antes aconchegando-se mais uma vez junto dos outros dois habitantes do silencioso castelo.

"Caminha pelo cara com certa pressa, procurando fechar todos as potrtas e janelas. Atrasa-se na porta emperrada da sacada. A da direita simplesmente não corre pelo trilho. Óleo, no quarto de entulhos-mor. Corre até lá, seguidos pelos olhos de Felino.
'Eu preciso fechar todas as portas. A invasão está aí, às portas. Não quero correr risco de ser pego em distração total. Pronto, este tanto de óleo deve resolver. Minha mão ficou toda viscosa'.
Teve a sensação então que quedaria-se seguro, podendo dormir cada vez mais quando bem entendesse. E por falar em dormir, quando volta da sala, ele se vê ainda dormindo com o braço estendido sob a cabeça virada para fora. O conselheiro-real, ao seu lado, e o príncipe presentes. Então o que ele vê é ele mesmo? Reconheceria as canelas cabeludas mesmo em outra galáxia.
É ele mesmo. Fecha os olhos, esfrega-os e a imagem continua lá. 
Vai até ao corredor, que parece grande, maior, imenso a cada passo. Chega ao quarto de leitura e estudos e ele se enxerga também na frente do computador digitando um livro sem título que escrevia; da caneca de café sai fumaça e do cinzeiro, o sarro.
'Só em sonho mesmo! Eu reviso, organizo livros e ainda discutio um tanto com os autores. os piores são aqueles novatos que se julgam recedores de todas ou lourtos da vitória. Que vitória mesmo?
Em seu quarto, o mais protegido do protegido castelo sobre andares vários na grande megalópole brasileira, ele  mais uma vez se vê.
Corre de volta ao quarto de estudo. Está lá; à sala, ele está lá também.
Sente um cansaço desmedido como de um soldado consumido por guerras e mortes decididas pelos generais longe do campo de batalha e volta ao quarto. Deita-se na cama (agora não havia ninguém) e a sente amornada, como se um corpo estivesse aquecendo-a para ele. Da zona de perigo real, de insanidade, para a zona de conforto. Deita-se largando o corpo que faz a cama de madeira estalar. Pouco antes de se desligar, se dá conta que seu braço dói. Ignora, mas somente por um pequeno tempo: a dor aumenta".

Depois de horas dormindo, acorda e sente um desconforto com o braço direito formigando; sem controle algum sobre ele. Muda de posição, estralando o pescoço. Ainda no escuro da longa madrugada de lua nova, ele chacoalha o braço no ar para recobrar a circulação.

UM ROTEIRO PARA RODAR

Reprodução, São Paulo

Cidades onde se falam incultamente o mais belo idioma.
São Paulo, Lisboa e Luanda. Três tão diferentes cidades com idiossincrasias construídas ao longo de suas vidas pelos homens que por lá passaram.
O que poderia ter em comum às três grandes? Além, é evidente, do idioma tão belo e inculto (como diz o Pasquale) que nos une e nos faz amalgamados por tão laço apertado e a termo, eterno.
Personagens humanos passeiam pelas ruas de São Paulo, de Lisboa e de Luanda. Debruçadas sobre o grande Atlântico, a europeia e a africana são como pessoas a contemplar o mar e a imaginar o que há do lado de lá, "os amigos de outros povos", nos litorais recortados pela intensa movimentação das placas tectônicas crosta adentro. São Paulo não se debruça sobre as águas; se debruça à Serra do Mar, experimentando uma pequena diferença em relação às outras duas. Está mais perto do alto, de onde tudo vem.
Dezena de milhão, milhões e milhares. Construções imponentes de um passado mais vistoso, construções contemporênas mostrando um presente que salta aos olhos. Miscigenação em todas.

Reprodução, Luanda
Espraiando-se por dezenas de quilômetros, centenas, a mancha urbana paulistana esconde a beleza que há de ser descoberta, desnudando-a sem medo, sem pudor. Porque é assim que é esta cidade.
Personagens os mais variados, diversos por este mundo das 3. Característica que paira sobre os edifícios mais altos de Luanda, Lisboa e São Paulo; que serpenteia pelas grandes avenidas, marginais ou não. Pelas ruelas mais estreitas onde antes havia cântigas de amigo/amor em trovas tão dedicadas.
Onde hoje, distante daquele tempo de exportar gente para terras outras, vive-se um sentimento de vontade de seguir, esquecendo aquele que tanto nos envergonha.
E isto as torna tão especiais: as pessoas, os falantes, as vontades e os relacionamentos.
Ritmo de melancolia ou de euforia? 
Pequenez ou grandeza?
Dança ou quietude?
Ao mundo anglo-saxão, ao mundo hispânico, ao mundo chinês, ao mundo russo: o que os traz em tamanha soberba? Tamanha vaidade de serem o que são: em guerras, em saques, em predomínio cultural e econômico, em devastação ambiental. O que mais?

Reprodução, Lisboa
Em cada pedaço de terra, em cada pequeno pedaço do coração, as vontades de ir em frente e de amar porque é disto que é nos feita a vida no planeta. E nada mais vale à pena àqueles que julgam que viver é preciso.
Brancos, orientais e negros todos juntos no mesmo lugar das 3. 

Agora.
- Um vai apressado ao trabalho pensando nas contas e na noite de amor incrível que experimentara, mas que pode ter sido a última. Em seu carro comprado em 60 prestações porque assim reza o consumismo, ele bate os dedos na direção e se lembra que esqueceu de dar o nó na gravata. Acerta-se pelo retrovisor elétrico porque assim reza a tecnologia e o motoqueiro lhe xinga, o que conclui que "o dia de hoje promete".
 

- O outro já está a caminho no refeitório - hora do almoço - da empresa estatal de petróleo; prepara-se para uma reunião sem fim que deve se estender até o fim da tarde com empresários chineses que querem mais e mais. Da noite, ele lembra que houve prazer, mas "aquilo não deve ser amor não...". Findou-se por fim nos documentos que carregava dentro da pasta. Não podia esquecer as apresentações em power-point.
Enfim, o outro mais ao norte:
 

- O desempregado na casa dos 40 a passear pela praça rememorando que logo mais teria direito à herança tão duramente acalentada por vários anos. Mostrou-se um filho querido e atento, mesmo quando fora despedido do departamento de Recursos Humanos do hospital maior do país; Lá na frente, ele vislumbrou - e acertou - que se se dispusesse a ser abnegado "ei vou amealhar toda aquela riqueza". Quanto à noite anterior, ele só se lembra dos comprimidos que tomara.

(tudo isto que foi escrito está na cabeça de um diretor de cinema ainda meio jovem, ou dependendo do olhar quase um "tiozão", desgrenhado e que deseja rodar um longa-metragem nas 3 cidades mostrando e demonstrando ao mundo o que pode ser feito por estes habitantes tão apaixonantes; para que isto ocorra, ele precisará de capitais vindos de onde? De certo que terão dificuldades titânicas, mas a vontade dele é hercúlea. Ele ainda escreve o roteiro ajudado por dois amigos, ambos amante do cinema, como nenhum outro; debruçam-se sobre a tela e vertem ideias e frases, criam os personagens. Na outra vez que retomam, por vezes, jogam tudo fora o que foi escrito e guardado para então recomeçarem novamente)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

TRECHO DE UM CONTO

(este é o início de um conto escrito há alguns anos. Intitulado "Enredando Valores", é um dos meus preferidos - talvez o que mais eu goste).

Reprodução, a mais brasileira das cidades, São Paulo
Mega-cidade industrial vocacionando-se agora no século XXI para o setor de serviços e alta tecnologia, cibernética, consumo de alto luxo, telecomunicações digitais, robótica, nanometria, ruas inteligentes, química fina, turismo receptivo, genoma, células-tronco e todo este equipamento necessário à atividade dos homens do 3º milênio, São Paulo não tem – e poderia ter? – um carnaval como existe em outras cidades Brasil afora. Todas bem conhecidas por razão esta lá no exterior onde o Brasil é ali na dura o país da apoteótica festa pagã. Permanece janeiro chuvoso a época anterior à festa da carne aqui na terra de Vera Cruz do famoso quase iletrado e que parece orgulhoso do fato (será complexo de inferioridade muito mal disfarçado de desdém com relação ao ‘Príncipe da Sorbonne’?) eleito presidente da República dos Tupiniquins. E reeleito! Voltando à questão do carnaval, aqui na Paulicéia Desvairada dos modernistas de 2009 muitas pessoas viajam com destino variado: interior das águas e decerto praia; Salvador – sufoco Barra/Ondina delirante só –, Rio de Janeiro – outro maior em Ipanema/Sapucaí –, Santos, Guarujá, Praia Grande, Ilhabela, São Vicente, Maresias, Ubatuba entram para o rol de opções mil. Verdade: Florianópolis, Balneário Camburiú, Parati e Trancoso andam sempre em voga por estes dias. Todavia, há os que ficam porque trabalham (“... São Paulo que amanhece trabalhando...”, não é?), há os que não trabalham e não viajam. Enfim, a cidade queda-se em uma quietude nada usual para o restante dos 365 dias de ares tão mundiais. 

Na maior parte. Porque na menor parte o paulistano cai mesmo no samba. Ali no centro, na Augusta, na Vieira de Carvalho, a coisa pega fogo com blocos tradicionais. Arde porque a galera toda animada “experimenta” loucuras diferentes para acompanhar o samba, que perdoa muita descontração. E nos bairros que as escolas representam é uma festa atrás da outra, iniciadas já em outubro. Exemplos de grêmios recreativos rivais são a Império Real do Ipiranga, a Tom Paulista – de Pinheiros –, Acadêmicos da Lapa, a Cravos de Prata – da Freguesia do Ó –, a Vigilante do Samba – da Saúde –, e Fanáticos de Itaquera. As outras sete – incluída a idiossincrasia paulistana de haver três escolas de times de futebol – entrarão para fazer figuração. Fulgurante, mas figurarão apenas. Lutarão para que não cavem sua descida em direção ao Grupo B: é o descenso que assombra a todas as agremiações, ou precisamente, quatro, previsto pelo estatuto da Liga Paulistana das Escolas de Samba; que deveria ter sido reformado lá atrás e que por pressão da maioria ainda não o foi. Bem... Agora não interessa a reforma, ainda mais com o carnaval aí, perto, trazendo o furacão. ‘Vamos por partes’, como ele diz imitando seu personagem lúgubre mais admirado. Finalizando: mesmo São Paulo, a megalópole síntese brasileira, tem seu carnaval que é sambado à maneira dos paulistas dos quatro cantos do Estado e de outros vizinhos. E de estrangeiros que vêm aumentando seu espaço nas arquibancadas do sambódromo do Anhembi.
Em um primeiro olhar de um brasileiro que não destas plagas e/ou de um estrangeiro que apareça por aqui pode remeter a cidade a terreno desertificado, tamanha quantidade de calma que se sente no ar. Engano crasso. A cidade tem sua maneira de se divertir de sexta à noite até quarta de manhã. Porque aí então o ritmo cosmopolita da cidade volta à normalidade.

Esfarelado é como ele se sente nestes dias de pré. Um saco... Um amontoado de ossos esfarelados. Tudo porque se a tensão no Anhembi se dará em coisa certa. Leia-se em levar o título de escola campeã, e com nota 10 na bateria, samba-enredo, mestre-sala e porta-bandeira, harmonia, comissão de frente e evolução (aterrador de preocupante). Os mais importantes ele julga. Lógico que no quesito ‘alegorias e adereços’ deveria receber a nota máxima ainda mais pelo fato de ele viver às turras com o carnavalesco que se intitulava o melhor de todo o Brasil e como o tal é o único que o peitava em discussões acerca das fantasias (é a praxe), ele cobrava perfeição.

terça-feira, 10 de abril de 2012

VIAGEM XLV - BALCÃO DE RECLAMAÇÕES

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Vá reclamar no balcão de reclamações logo ali, virando à esquerda e andando por muito tempo. Passa-se antes pela balcão de informações para descobrir para qual lado guiar-se.
Antes de reclamar, você se dirige a uma sala bem grande onde tudo que pode ser comprado está lá disposto. Até agora, vê-se que é uma sala comum, como existem há muitos séculos neste mundo terreno perdido entre dezenas de milhões de galáxias. 
Você pode escolher o azul e/ou o vermelho; pode optar entre o caro ou o barato.
E mais: entre um grande ou um pequeno; entre um novo e um novíssimo. Pode escolher muitos dos bens ou sair de lá com somente um.
Causará perplexidade nos donos da imensa loja se você sair de lá de mão abanando porque o que eles querem mesmo é lhes deixar com uma mão na frente e outra atrás. Certo que alguns preferem expor a frente outros... a retaguarda (mas isto ainda não é hora nem local, mais tarde...).

Temperatura ambiente agradável, um leve cheiro de mel pelo ar e sorrisos alvos como a neve emoldurados por uniformes empedernidos se preparam para avançar sobre os (nem tanto) incautos. Digo nem tanto porque se sabe - exatamente - o que a loja dispõe para "consumo".
Frio: os aquecedores elétricos; calor: ar-condicionado.
Tecnologia: os iPhone, smart, ipad e mais outros tantos "I" que virão. Sim, porque eles virão vorazes.
Móveis: de todos os tipos, materiais, tamanhos, cores, texturas e preços (este último serve para todos os bens).
Carros: os chineses de mão-de-obra barata executada e quase escrava. Estes têm aos montes entre o bilhão de habitantes que mora por lá.
Parcelas: de 1 a "N", ou seja, pode-se perder de vista.
Até agora, como foi escrito, tudo está normal como dantes no quartel de Abrantes. 
Mas, há uma outra sala em que aqueles com a mão sabe-se lá onde estão enfileirados de maneira bem retrô (seguindo a tendência repaginada do moderno - que coisa mais 'chatinha').
Claro, o pagamento aqui é igual, em $ também, mas pode-se usar outros "moedas" correntes não é...? 
(o corpo, joias adquiridas, substâncias. Verdade que aí a 'negociação' vai se estender)

Você compra e ao passar os olhos de relance, você vê também os fatos, as coisas, os lances, os acontecimentos que a vida te proporciona, logo ali, em uma sala pegada anterior. Irresistível sensação de xeretar por lá.
Atenção: aqui você está pactuando com a vida e (depois de passar pela sala de pagamento onde se aceita nota sobre nota sem desconto algum, cheque, cartão de débito - preferencialmente -, e cartão de crédito e quinquilharias outras que você queira/possa deixar...) feito tudo isto você todo regateiro e faceiro como um idiota de quatro costados, se achando o mais esperto de todos, finalmente sai da loja com o seu "pacote" em mãos. Seus pés mal podem esperar para chegar em casa e desembrulhar tudo, tudo mesmo, de todas as salas que percorreu.
Aí, da última sala, o prazo de validade não tem validade alguma. Foi escolhido assim.
Sabem o que resta: ir até o balcão de reclamações.
(não vai adiantar nada porque lá não há ninguém; repito: você escolheu assim).

quarta-feira, 4 de abril de 2012

VIAGEM XLIV - O INSETO E O INSETICIDA

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Poucos são aqueles que lhe tiram do sério, mesmo porque é um cara muito sério, de cenho franzido. Outro dia ouviu quando 'passeava' a pé - uma raridade - pelo centro de São Paulo um "olha a cara de bravo do tiozão!". Estes deveriam ter adentrado na lista, mas achou pura perda de tempo. Gastar o latim - opa, a energia - com quem mal afeta a sociedade não valia o esforço.
(baratas também o tiram do sério) 
Claro, não gostou do que ouvira, ainda mais pelo sério; afinal tiozão ele já se considera: beirando os 40 e uma expressiva intolerância com seus pares citadinos contam muito para o apelido de tio, mesmo que nunca tivsse tido irmãos ou irmãs (teve uma que morreu faz tempo, ele nem conta)
Bem, quanto ao sério... Ele tem lá suas razões, mas não se vê exatamente com esta seriedade toda. Apenas é profissional naquilo que faz - como o é nas horas vagas do outro trabalho que lhe dá um ganho qualquer por mês - e nas outras horas, na outra profissão, ele faz tudo com muito mais competência.

Até ri dele mesmo de vez em quando. Então, de sério somente a tal propalada competência profissional de quem adquiriu uma destreza sinistra em arrumar aquilo que é visto e sentido como errado.
Vê-se então, pelas noites, como esta que se apresenta logo em minutos, compelido a ter ainda mais 'seriedade' no trato da coisa pública (como os canalhas políticos dizem e como mentem a respeito). Vontade de começar logo, a esmo, para apaziguar aquela grande pressão abissal que sente todo santo dia. Só que assim as chances de naufragar em seus intentos são maiores. E como o profissionalismo vem sempre em primeiro lugar... 
Resolve mudar de lugar, perscrutar em outros locais. Aliás, acaba de se lembrar de um especial que é contaminado de vaidade e de gente enjoada tamanha a valorização de conceitos tão comezinhos.

--- Bem lembrado; serão os primeiros de hoje, sem falta. Gente que tem enjoo ao falar com os outros por ter que respirar - de nariz empinado - o mesmo ar dos "pobres mortais", o 'lumpen proletariat'... Só aguardar.
Quantos aos políticos ele havia deixado em terceiro plano nestes últimos tempos e a razão é uma só.
--- São como pragas! Parecem baratas: enquanto você corre atrás de uma para matar, existem outras 100 nascendo e apodrecendo o mundo. É um sem-fim. Então, por enquanto os deixo de lado para logo mais voltar à carga toda. Eu odeio baratas e seus afins. Serve bem a esta classe formada por carcaças fedorentas, infestada de baratas.

O local escolhido - a sede de uma grande veículo de comunicação - é perto de onde ele está, em 10 minutos chegará lá.
Direção tranquila ainda que um breve engarrafamento em um semáforo quebrado. O cheiro de chocolate derretido no sedã mantém-se. Afortunadamente, não é alérgico a inseticidas específicos e dentro dele nunca aparecera sequer uma pulga ou aquelas cascudas quase pretas que mexem as longas antenas para xeretaram em seu companheiro de todas as horas.
Sempre há chocolate no interior porque o aroma lhe traz uma paz fria, como uma vingança.
Aí, é só estacionar o semi-novo carro de velho em local adequado e aguardar aquele editor, redator, chefe "ou a cacete a 4 que ele seja" para manter uma conversa bem agradável. Com muita seriedade.
A seriedade de um tiozão determinado em manter e reverberar seu profissionalismo mais uma vez.

URBI RADAR, 004 - Depois de 24 anos Uno supera Gol em vendas

Finalmente, porque um dia aconteceria. O Uno bateu o velho adversário e alcançou o primeiro lugar em vendas no 1º trimestre de 2012, superando o Gol, depois de 24 anos de hegemonia absoluta. E a montadora italiana Fiat manteve o primeiro lugar no total de vendas (vale citar a ascenção da Renault, quinta colocada no geral). A diferença entre os dois carros ainda é pequena, quase 'imperceptível', ainda mais pelo fato que o ano mal começou; entretanto tem um significado de quebra e quiçá, de um ponto de inflexão.
As marcas asiáticas estão subindo no ranking mês seguido de mês. A Nissan é o grande destaque neste segmento.
Alguns números rápidos, com os 30 mais vendidos de janeiro a março de 2012:
1
Uno
59.169
Fiat
2
Gol
58.673
VW
3
Palio
36.406
Fiat
4
Fox¹
32.746
VW
5
Celta
28.574
GM
6
Fiesta²
28.498
Ford
7
Strada
25.941
Fiat
8
Corsa Sd
24.314
GM
9
Voyage
21.000
VW
10
Sandero
20.114
Renault
11
Agile
15.639
GM
12
Cobalt
15.626
GM
13
Saveiro
15.437
VW
14
Corolla
12.143
Toyota
15
Ka
11.989
Ford
16
Siena
11.757
Fiat
17
Montana
10.245
GM
18
March
9.815
Nissan
19
Prisma
9.234
GM
20
Cruze
9.147
GM
21
Fiesta Sd
8.999
Ford
22
Corsa H
8.498
GM
23
Civic
7.910
Honda
24
Punto
7.906
Fiat
25
Logan
7.839
Renault
26
Ecosport
7.215
Ford
27
C3
7.061
Citröen
28
Hilux
6.888
Toyota
29
Duster
6.721
Renault
30
Fit
6.701
Honda

Fiat obteve 22,46% do total de automóveis e comerciais leves; a VW a seguir com 20,68%, depois GM com 17,70% (queda expressiva) e finalmente Ford, 9,40%, e Renault, 6,77%, foram as cinco maiores em números de vendas/emplacamentos.
Com relação ao mesmo período do ano passado, Celta, Corsa Sd, Siena, Prisma e Ka (em menor proporção) apresentaram queda acentuada. Fiesta H, Corolla e Civic subiram posições. Os lançamentos do Cobalt e Cruze também foram bem vendidos no período.
Os dados podem ser acessados no link abaixo (sítio da FENABRAVE):
http://www.fenabrave.com.br/principal/home/?sistema=conteudos|conteudo&id_conteudo=1#conteudo