terça-feira, 17 de abril de 2012

36 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - PELOS OLHOS DO GATO

Reprodução, o olhar de gato

Dorme a sono solto desde às 21h quando chegou em casa depois de um dia de trabalho para lá de cansativo; perto de ir embora, ainda em sua sala, mastigara pedras de gelo em formato de bolas, triângulos e cubos retangulares. Não que àquela hora da tarde estivesse calor exagerado, mas ajudava a tal mastigação a despertar para outros sonhares que se concentram, sem dúvida, em seu castelo à beira das enevoadas viagens que faz quando dorme.
E fazia certo tempo que ele não tinha uma destas, estava com vontade deitar-se tão logo chegasse. Comeria uma fruta e nada mais para não perder tempo acordado.
E assim fez.
Mais de meia-noite e ele está lá: dormindo, quase na mesma posição, esparramado agora, com os braços esticados; uma das mãos quase toca a porta da grande sacada, a cabeça pende em cima do bíceps.
Vento brando socorrendo-os de ar para que não se vicie o oxigênio dentro do castelo. Ar fresco da madrugada de outono ajuda a dispersar um possível cheiro de mofo de velhas construções, por onde "passeia". Mesmo no velho castelo de pedra, no limite máximo dos romanos Escócia adentro, um sol que batesse por algum tempo já resolvia este problema; o ar de lá é mais úmido. Pôde sentir nos pés porque já caminhara pelo chão de musgo gelado e orvalhado. Foi em uma outra "viagem".

Felino e Rex, costumeiramente, deitados ao lado, encostados, transmitindo calor uns para os outros. Até o gato-conselheiro-real acordar devagar e esticar a cabeça em busca de... Um ruído dentro do castelo talvez? A orelha voltada ao ruído captado. Está virado em direção ao corredor onde somente a luz do computador, aquela levemente azulada, ilumina aquele espaço comprido de cinco metros.
Somente como os gatos fazem, ele se desloca até lá espreguiçando-se ainda perto dele e adentra no quarto sorrateiro e silencioso. Olha para cima, para baixo e para todos os ângulos possíveis. 
Tudo está como sempre: bagunçado, livros em cima da escrivaninha, o copo de água, outro de café - vazios -, meias pelo chão. Nada vê de diferente sob aquela luz esmaecida. Nas pupilas, o quarto de estudo é todo refletido naquele pequeno espaço que já viu muita coisa nestes mais de 10 anos.
Volta mais devagar ainda ao local de antes aconchegando-se mais uma vez junto dos outros dois habitantes do silencioso castelo.

"Caminha pelo cara com certa pressa, procurando fechar todos as potrtas e janelas. Atrasa-se na porta emperrada da sacada. A da direita simplesmente não corre pelo trilho. Óleo, no quarto de entulhos-mor. Corre até lá, seguidos pelos olhos de Felino.
'Eu preciso fechar todas as portas. A invasão está aí, às portas. Não quero correr risco de ser pego em distração total. Pronto, este tanto de óleo deve resolver. Minha mão ficou toda viscosa'.
Teve a sensação então que quedaria-se seguro, podendo dormir cada vez mais quando bem entendesse. E por falar em dormir, quando volta da sala, ele se vê ainda dormindo com o braço estendido sob a cabeça virada para fora. O conselheiro-real, ao seu lado, e o príncipe presentes. Então o que ele vê é ele mesmo? Reconheceria as canelas cabeludas mesmo em outra galáxia.
É ele mesmo. Fecha os olhos, esfrega-os e a imagem continua lá. 
Vai até ao corredor, que parece grande, maior, imenso a cada passo. Chega ao quarto de leitura e estudos e ele se enxerga também na frente do computador digitando um livro sem título que escrevia; da caneca de café sai fumaça e do cinzeiro, o sarro.
'Só em sonho mesmo! Eu reviso, organizo livros e ainda discutio um tanto com os autores. os piores são aqueles novatos que se julgam recedores de todas ou lourtos da vitória. Que vitória mesmo?
Em seu quarto, o mais protegido do protegido castelo sobre andares vários na grande megalópole brasileira, ele  mais uma vez se vê.
Corre de volta ao quarto de estudo. Está lá; à sala, ele está lá também.
Sente um cansaço desmedido como de um soldado consumido por guerras e mortes decididas pelos generais longe do campo de batalha e volta ao quarto. Deita-se na cama (agora não havia ninguém) e a sente amornada, como se um corpo estivesse aquecendo-a para ele. Da zona de perigo real, de insanidade, para a zona de conforto. Deita-se largando o corpo que faz a cama de madeira estalar. Pouco antes de se desligar, se dá conta que seu braço dói. Ignora, mas somente por um pequeno tempo: a dor aumenta".

Depois de horas dormindo, acorda e sente um desconforto com o braço direito formigando; sem controle algum sobre ele. Muda de posição, estralando o pescoço. Ainda no escuro da longa madrugada de lua nova, ele chacoalha o braço no ar para recobrar a circulação.

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