sábado, 30 de abril de 2016

49] CENÁRIO SP - RUMORES E RANGIDOS

Arquivo pessoal - Leonardo: estudo do paraquedas
Rumores vieram até mim e ecoaram 
dizendo que ouviram rangidos atrás da velha porta
você roçando em outro alguém, 
rudes e ríspidas esfregadas

ri na hora, ri muito na hora
e remendando arremedei-os com ironia
rápido afastei-me, praticamente roto,
quase esfarrapado o rumo perdi por um instante

no outro, refiz-me e fui para casa
ali perto, reto a 40 metros,
rasguei o comprovante dos itens pelo caminho, 
e tentando descrer na tal prova trazida com ligeireza,

tropecei na calçada em reforma
pensei "reformado deveria ser eu"
ralei a palma da mão, a esquerda, a do anel,
e esparramei as compras pelo chão barrento

rumores...
rumores...
ribombando,
ricochetando,

amarrado senti-me àquela voz rangida que me contara
parecia que meu cérebro não se desataria nunca
carreguei minha raiva para o coração
rememorei, recordei, e então chorei

mandaram-me em seguida, saturada em preto e branco,
três fotos retangulares: estranhei... Que trama seria esta?
parei com os soluços a atenção prestei
poderia não ser você e seria uma solução...

esperei, mas os rumores ainda ouvia dentro de mim
esperei você voltar até as 3 horas,
na fria madrugada, abril, da nossa cidade desvairada: São Paulo 
ela parecia maior e maior àquela noite

demora, como você demorava,
avisou-me que pela Rebouças o trânsito fora desviado
"um acidente com quatro carros, parece feio", escrevera-me
pensei, em um turbilhão, "ainda bem que não havia um 5º carro"

solitariamente continuei a espera
crivei-me de paciência
quando a chave tetra você destravou, que vinha da rua
correu e abraçou-me sofregamente, apertando-me

"não era eu nas fotos, é tudo mentira, já sei porque me contaram",
choramos alguns minutos, abraçados, atarracados
um ao outro
então, examinei, olhei, reenviamos ao pc,

percorremos a foto de cima a baixo,
de cabo a rabo,
e... não era meu amor; não era!
armaram e se arvoraram no direito de tentarem trair-nos

traição mútua é o que queriam,
sugeriram, em revide meu, fazer o mesmo
porém nem tive tempo para pensar nisto
tamanho foi o pranto e tamanho maior foi o abraço que me sufocou

então, na rua Rafael de Barros, Paraíso,
na metrópole em desvario rotundo sempre: São Paulo
reinaram... depois de toda esta história... 
os imperadores da paz, da serena paz.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

VIAGEM CCLXXVII - O PEDIDO SECRETO

Arquivo Pessoal - Passarela sob a Av. da Consolação
Mais um que veio impresso e caiu sobre sua mesa limpa, limpa, e quase vazia; tentou descobrir quem poderia ser e não conseguiu pensar em ninguém. 

As letras o fizeram pensar pelo dia todo, por alguns outros também, na finitude e na tristeza daquele (a) que escreveu, em sua dor que o consumia... Seria um pedido de socorro secreto? Um exasperante pedido?

"pelos pelos um arrepio, 

um corte com a lâmina afiada, fria,

em abril um frio de julho, enregelante

das tristezas que sofre, que produz, que o atacam, uma doença da auto-estima,

pela crise da economia, a crise no espírito,

em dias de respiração descompassada pela saudade, o antigo amor,

dúvidas muitas, e certezas sem plurais

singularidades escondidas e enterradas, similaridades aos montes

pelas dores crônicas agudizadas, a esperança moribunda

tossir até pôr os pulmões para fora, e a respiração mínima em seguida,

vigiar por todos os lados/cantos, e ainda assim ser pego sempre de surpresa,

o cheiro do corpo pela roupa suada usada dia todo, a máquina que perfuma artificialmente,

pelo sorriso que magnetiza, dentes alvos, e a língua que engana,

e sim, o seu maior engano, uma vida toda"

sábado, 23 de abril de 2016

VIAGEM CCLXXVI - TORCENDO CONTRA AS PROBABILIDADES

Arquivo pessoal - Avenida Paulista
Ele sempre torceu para quem tivesse a indignidade da inocência, fosse quem fosse. Versão brasileira de sabe-se lá Deus quem... Vinha por vezes, na sua vida, trôpego e aos trancos e barrancos. Poderia ser uma tosca lembrança do heróis de Cervantes. 

Lembra-se ainda que, quando era um menino diferente da maioria dos outros por sua condição física, via aTV e o maravilhoso mundo mostrado em sua tela e tinha mesmo simpatia pelos que se ferravam com frequência, por aqueles que nunca conseguiam: os desenhos animados serviram para ter este, digamos, senso de justiça fantasioso um tanto improvável diante de uma realidade provável, nua, crudelíssima.

Sempre torceu pelo Tom contra o Jerry

sempre torceu pelo coiote contra o papa-léguas...

Cresceu contra todas as opiniões que insistiam em dizer que ele estaria mesmo fadado a não vingar, tampouco não chegaria aos 20 anos. Ele já duplicou tal medida.

sempre torceu pelo mais fraco contra o mais forte

pelo sol em dias de chuva

pela chuva em dias secos

pelos comuns contra belos e belas

pelos clientes contra os bancos

pela felicidade em meio ao oceano de tristeza

pela língua portuguesa contra os estrangeirismos supérfluos

pelo urbanidade contra o "barquinho que vai, o barquinho que vem..."

pela ventania em meio a calmaria

pelo touro contra o toureiro

pela natureza contra o sofrimento feito pelos humanos

pelos negros contra o racismo

pelas mulheres contra o machismo

pelos gays contra a homofobia

pelos poucos honestos contra os muitos desonestos

pelos humildes contra os arrogantes

pela inteira verdade contra as migalhas de mentira

Sempre do lado que tinha menos possibilidades prováveis de vencer, de vingar, de sobreviver.

a favor dos terminais diante do câncer que corrói e consome o corpo

a favor do corpo contra apenas o umbigo

a favor da pequena paz diante do poder imenso da guerra

A favor dele contra aqueles que sempre estão contra.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

48] CENÁRIO SP - BRASILIDADE/COSMOPOLITISMO

Arquivo pessoal - imediações do metrô Paraíso

Tanto se falou, tanto se escreveu e ainda tanto se faz isto. Mas ainda é pouco, ele diria que "é quase nada porque São Paulo merece mais porque é mais, porque é tudo isto e porque é brasileira e internacional, cosmopolita e interiorana, moderna e caipira, grande e pequena; e é alfa e beta e ômega".

Quando se propunha a escrever sobre a cidade de nascimento, ele nunca sabia quais direções tomar para que o que fosse escrito contemplasse a magnitude e os microcosmos paulistanos nas digitadas linhas.

Números da economia? As porcentagens de PIB, os reais da renda per capita, os serviços que só se encontram por aqui? Os carros, a densidade de negócios/eventos?

As gentes diversificadas? E toda a miríade dos milhões que compõem uma das maiores manchas urbanas deste pequeno planeta. Para ele, morar aqui pressupõe a singularidade que só mesmo a pluralidade de São Paulo alimenta. "Como escrever sobre eles?", se indagava pensativo como sempre.

Humor? Blague? Zoação? Sobre a facilidade que os que aqui se encarapitam e que pregam o auto-deboche para poder serem melhores no dia a dia é uma das razões que em São Paulo a vida não anda "no barquinho que vai e que vem, sob o azul do céu". Não. "Quem ri de si se ama mais, quem ri de si invoca com mais assertividade a resolução dos problemas", ele declarava.

Então, ele se esforça sobremaneira e, às vezes, se embatuca tentando escrever aquele algo que nunca fora escrito, que nunca fora lido. Mas o que poderia ser?

"Sempre tive para mim que a modernidade de São Paulo é tão aos olhos saltada que aqui até  o que não se encaixa neste ponto tem lugar. Tradicionalismo dos povos, italianos, japoneses, bolivianos e coreanos, só para citar alguns, se mistura com os novos movimentos que aqui chegam vindos do 'Norte Maravilha' e se mistura com os criados aqui mesmo, sobre este solo de Piratininga".

A mais brasileira de todas as cidades do país-continente debruçado no Atlântico de penetração intensa e sem medo pelo continente sul-americano. Você pode vir de São Miguel do Gostoso, de Varre-e-Sai, de Pau dos Ferros, Braço do Trombudo, Entrepelado e tantos outros que, com certeza, encontrará algo, algum sentido/lembrança que o fará sentir-se um pouco em casa.

A mais internacional de todas as cidades brasileiras neste esparrame que São Paulo fez ultrapassando a Serra do Mar e deitando-se no Planalto Paulista. Africanos pela São João, alemães no Brooklin, italianos na Mooca, judeus no Bom Retiro, sírios-libaneses no Centro, coreanos na Aclimação.

E na Paulista, todos de todos os lugares deste mundo.
Dualidade que não se choca: "pervertem-se" em lascivos emaranhados de pelos e pernas, "pervertem-se" em lambidas em recônditos lugares, de encontros em estações subterrâneas, de amores e amizades improváveis que se convertem em grandes probabilidades.

Internacional, brasileira, paulista e paulistana: São Paulo.

terça-feira, 19 de abril de 2016

VIAGEM CCLXXV - A CARNE DE MOER

Reprodução sem fins lucrativos [endereço abaixo]
É o que somos: a carne de moer, uma, duas, três vezes. 
Muito mais vezes!

Sebo, nervos e gorduras,
somos a carne podre!

a carne infecta de bigatos
a se contorcerem!

a massa ignara,

a bucha de canhão,

os burros de carga,

os soldados da linha de frente,

os feridos deixados para trás,

o peso morto,

os vivos pagadores de contas,

os pagadores de impostos com o couro arrancado,

os que suam, dia após dia e noite após noite,

os que erram tantas vezes na vida,

os que se transtornam.

Somos aqueles nas filas dos hospitais,

esperando um dia, quem sabe, talvez... 

os desempregados, milhões deles,

os empregados sobrevivendo com misérias "doadas",

os que acordam cedo e seguem, seguem pelo dia, seguem sem fim,

os descamisados,

os pés-sujos,

os drogados de álcool e de todas elas,

os inocentes enjaulados,

os deficientes em um mundo que preza a eficiência física,

somos os feios e as feias,

somos os negros relegados e renegados,

os homens e mulheres gays assassinados e desmerecidos,

as mulheres estupradas, as que apanham,

Somos os traídos, somos os enganados!

Somos a carne de moer!

E somos carne de segunda... Quiçá sejamos tratados como de terceira.

terça-feira, 12 de abril de 2016

VIAGEM CCLXXIV - NO TRÁFEGO: A IMPACIÊNCIA

Arquivo pessoal - Teatro Municipal
(mais um destes que chegou em sua caixa postal de algum aluno anônimo; não era o primeiro tampouco seria o último)

"no tráfego infindável à frente, 
tantos carros,

no tráfico pelos corredores sofisticados, 
tanto pó,

($, gasolina, monóxido, pratos e canudos)

e eu preso aqui dentro, 
vidros abertos,

"velejando" longe para tentar estar com você,

vicejando algumas palavras para exprimir,
para expressar, 

para eu não me espremer dentro de mim

e poder falar para você

das minhas verdades, dos meus desejos de voos,
dúbios, 

talvez sem direção,
sem um norte,

somente em para lhe encontrar,

testemunhas aos montes no tráfego,
sentadas,

ar-condicionado no máximo, telefones ligados em alguns

música em outros, notícias...

e eu, só sei de querer saber de suas novidades,

o que vai me noticiar?

a boa rendição?

o orgulho deixado de lado?

olho à frente e a fila começou a andar,

ainda que com vagar, eu me impaciento
em esperar"

MAIORES PIBs/SP

Arquivo pessoal - Viaduto Liberdade
Lista de cidades - municípios - paulistas com PIB superior a R$ 10 bilhões, segundo dados fornecidos pelo IBGE para 2013.
(em bilhões de reais)
1 São Paulo 570,706
2 Osasco 55,516
3 Campinas 51,347
4 Guarulhos 49,393
5 São Bernardo do Campo 47,668
6 Barueri 44,119
7 Jundiaí 36,623
8 São José dos Campos 27,401
9 Sorocaba 26,909
10 Santo André 25,028
11 Ribeirão Preto 23,510
12 Piracicaba 20,274
13 Santos 19,266
14 São Caetano do Sul 15,306
15 Taubaté 14,988
16 Diadema 13,428
17 São José do Rio Preto 13,259
18 Mogi das Cruzes 12,917
19 Paulínia 12,153
20 Louveira 11,599
21 Sumaré 11,327
22 Bauru 10,491
23 Limeira 10,392
24 Indaiatuba 10,304
25 Mauá 10,221

sexta-feira, 8 de abril de 2016

47] CENÁRIO SP - O CHÃO PERMEÁVEL

Arquivo pessoal
Ele tem que escrever, todo dia, todo santo dia, sem pular um sequer, sempre treinando, sempre agregando, nunca esmorecendo para que ele consiga o que ele sabe ser a única "coisa" que faz bem, faz bastante e faz com gosto.

Tudo é permeável em sua escrita porque de impermeabilizações já bastam as ruas de São Paulo e o seu coração tão perene, coitado, que mal consegue sobreviver a cada temporal/seca que volta e meia assolam a grande metrópole alfa do Brasil, a grande metrópole do hemisfério sul, a maior urbe de falantes do camoniano último idioma latino.

Então ele se deixa que sinapses perpassem e cheguem às pontas dos dedos para escrever/digitar, até que sinta câimbras e não aguente mais... Para estralar as falanges e continuar.
Permeável às ideias novas, permeável às cenas paulistanas.
Outro dia mesmo, apaixonado pela rapidez do metrô ar-condicionado do metrô (porque o era dia de sol quente inclemente), pelo barulho, tirou um sábado quase na hora do almoço e ficou passeando pela linha Vermelha (Barra Funda/Itaquera); pôs-se a observar as cenas comezinhas (?), corriqueiras, comuns que acontecem no grande trem que parece ter cavocado a terra e vai... Vai por debaixo.

De posse de seu bloco de anotações por tópicos, com o telefone no bolso da camisa, ele escreveu o que pôde e quase o que não pôde sobre os tipos variados dos habitantes de São Paulo: skatistas com a bermuda caindo, trabalhadores com sua mochila pesada; mulheres com seus filhos a tiracolo, duas moderninhas voltando de alguma balada ("Só pode ser isto, ainda mais que elas estão com a cara de quem ainda não viu cama..."); famílias inteiras que pareciam transportar quase tudo pelo trem subterrâneo; um ou outro todo engravatado; idosos com dificuldades de se equilibrarem nos repuxos e avanços surpreendentes impostos pelos comandos da máquina...

Voltou com muito material.
Escrever! Havia se imposto tal tarefa. Mesmo sem ideia, mesmo sem vontade, mesmo com preguiça... Ele deveria escrever sempre, todo dia, horas e horas. Julga que é desta forma que se forma um escritor para a perpetuação pelos tempos.
Uma obrigação?
Um dever?
Um ganha-pão?

Ele se permitia que fosse tudo isto, que tudo fosse permeável, sem amarras, sem policiamento, sem patrulha (dele mesmo, que poderia ser a pior).
Finalmente, após mais de 3 horas entre indas e vindas da Leste para a Oeste, rumou para sua casa com uma chuva épica, daquelas de um março tardio. O chão, percebeu, permeabilizado que é, quase se afogava em razão da precipitação dos mm³ que desabavam do do azul céu cinza que cobria São Paulo.

"O chão não absorve; eu preciso ser um escritor permeável e escrever mesmo debaixo de raios idílicos e trovões ribombantes", pensou andando sem pressa até sua casa...

terça-feira, 5 de abril de 2016

VIAGEM CCLXXIII - LAMBE-LAMBE

Arquivo pessoal
vestimos, eu e você, com vertidos suores, 
de um vapor que exala das mais variadas vertentes dos corpos 
caindo ao chão varrido
você vem, fica e lavra meu corpo
em um labor que nunca tive;

lambemos cada gota

as gotas no chão varrido, 
limpo feito o amor que nos nutre,
(e que nos faz deitar abraçados 
em ganchos de pernas e corpo todo),
que nos ensina cada dia destas nossas existências;

em lambidas extensas 

e os dias se seguem resolutos,
inexoráveis e implacáveis, comendo o futuro
mastigando o tempo, engolindo nossas vidas
de intensa febre e delírios
dominicais e nunca sabáticos; 

eu lambendo meu domínio

variadas manhãs de sábado, visitávamos-nos
alternando nossas casas, 
uma no Paraíso, que de forma paradisíaca falávamos de nós,
outra na Liberdade, que liberávamos os anseios que tínhamos
um pelo outro;

você lambendo seu domínio

os outros já não contavam mais,
vindos de onde viessem tornar-se-iam
apenas figurantes, de fulguras mil,
porque nos bastávamos para explicar,
elucidar, e embrenhar-se na vida visceralmente;

lambidas frêmitas mútuas

em fotos de 'lambe-lambe' que tiramos ontem mesmo
corpos que aparecem,
bocas que se alcançam,
apertos de satisfação 
que nossa mutualidade nutre

pelos cantos, os suores lambidos sem hesitação

viver ao seu lado:
é verdade

não paramos com o exercício do êxito

vastidão de vida: 
é ao seu lado

de deglutição de gozos

voltas e mais voltas:
e sempre me cerco de você

somos lambe-lambes: eu de você, você de mim