sexta-feira, 8 de abril de 2016

47] CENÁRIO SP - O CHÃO PERMEÁVEL

Arquivo pessoal
Ele tem que escrever, todo dia, todo santo dia, sem pular um sequer, sempre treinando, sempre agregando, nunca esmorecendo para que ele consiga o que ele sabe ser a única "coisa" que faz bem, faz bastante e faz com gosto.

Tudo é permeável em sua escrita porque de impermeabilizações já bastam as ruas de São Paulo e o seu coração tão perene, coitado, que mal consegue sobreviver a cada temporal/seca que volta e meia assolam a grande metrópole alfa do Brasil, a grande metrópole do hemisfério sul, a maior urbe de falantes do camoniano último idioma latino.

Então ele se deixa que sinapses perpassem e cheguem às pontas dos dedos para escrever/digitar, até que sinta câimbras e não aguente mais... Para estralar as falanges e continuar.
Permeável às ideias novas, permeável às cenas paulistanas.
Outro dia mesmo, apaixonado pela rapidez do metrô ar-condicionado do metrô (porque o era dia de sol quente inclemente), pelo barulho, tirou um sábado quase na hora do almoço e ficou passeando pela linha Vermelha (Barra Funda/Itaquera); pôs-se a observar as cenas comezinhas (?), corriqueiras, comuns que acontecem no grande trem que parece ter cavocado a terra e vai... Vai por debaixo.

De posse de seu bloco de anotações por tópicos, com o telefone no bolso da camisa, ele escreveu o que pôde e quase o que não pôde sobre os tipos variados dos habitantes de São Paulo: skatistas com a bermuda caindo, trabalhadores com sua mochila pesada; mulheres com seus filhos a tiracolo, duas moderninhas voltando de alguma balada ("Só pode ser isto, ainda mais que elas estão com a cara de quem ainda não viu cama..."); famílias inteiras que pareciam transportar quase tudo pelo trem subterrâneo; um ou outro todo engravatado; idosos com dificuldades de se equilibrarem nos repuxos e avanços surpreendentes impostos pelos comandos da máquina...

Voltou com muito material.
Escrever! Havia se imposto tal tarefa. Mesmo sem ideia, mesmo sem vontade, mesmo com preguiça... Ele deveria escrever sempre, todo dia, horas e horas. Julga que é desta forma que se forma um escritor para a perpetuação pelos tempos.
Uma obrigação?
Um dever?
Um ganha-pão?

Ele se permitia que fosse tudo isto, que tudo fosse permeável, sem amarras, sem policiamento, sem patrulha (dele mesmo, que poderia ser a pior).
Finalmente, após mais de 3 horas entre indas e vindas da Leste para a Oeste, rumou para sua casa com uma chuva épica, daquelas de um março tardio. O chão, percebeu, permeabilizado que é, quase se afogava em razão da precipitação dos mm³ que desabavam do do azul céu cinza que cobria São Paulo.

"O chão não absorve; eu preciso ser um escritor permeável e escrever mesmo debaixo de raios idílicos e trovões ribombantes", pensou andando sem pressa até sua casa...

Nenhum comentário: