domingo, 30 de junho de 2013

VIAGEM CXXVI - IRA, O DIA E A HORA

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 Àquele dia, um dia, (qualquer?), porém não era um dia qualquer. Foi um dia em que ele recebeu tantos nãos desaforados e só fez agravar-se quando não obteve respostas às perguntas. 
E porque, justamente, àquele dia, ele foi tomado pela ira que o transformou em ira de carne e osso? Então, era a ira, ora ele, ora a ira de novo. Que carreava sua carne e seus ossos para lugares que ele nunca havia posto os pés e que, em uma desenvoltura surpreendente, saía-se muito bem, sabedor de onde pisava. Para isto, não se conteve diante de nenhum obstáculo, não se deteve diante de nenhum grupo antes tido como resguardado. 

Em casa, antes da era da ira dominar o dia. 
A câmera montada na garagem continuou filmando a parede nua, por horas e horas até quando ele voltasse - pelo menos era sua intenção ao sair de casa àquele dia.
Um jeans remendado, tênis de alpinista, camiseta, camisa e casaco pretos porque pelo frio a cidade de São Paulo quedava-se envolvida.
Saiu, no seminovo sedã de velho, cheirando a produto químico e não mais a chocolate (não àquele dia), com tudo balanceado, tanque cheio, sem dar setas ao virar, parando em fila dupla e tudo o que ele não havia feito até o dia da ira. 

E fez muito, fez como nunca havia feito usando métodos de sofrimento e de dor, imputando culpa a todos sem o menor critério. Estava esganado por justiça - a dele -, em fazer dela seu instrumento de melhora do mundo, porque a outra que diziam existir ele estava farto de algo que nunca acontecera. E qdo fartou-se de esperar a esta justiça, rompeu com as crenças de indiscriminadamente, culpou a todos e a tudo. "Porque todos devem, todos têm culpa e se pensam que vão escapar sem pagar um 'centavo', equivocam-se sobremaneira. Como se $ pagasse o que fazem".
Ele arfava, e chega a espumar de ira pelos cantos da boca, o coração acelerado. Braços de Hércules, pernas com vigor para suportar os pequenos e eventuais contragolpes.
Ira que o protegia.

Judiou, esfolou, quebrou ossos, arrancou unhas e dedos, castrou homens, apavorou grávidas até abortarem e por fim deixou sangrar à morte todos que conseguira encontrar. Sangrando conscientes, é claro, para que a dor fosse ainda maior.
A ira levou seu dia tão rápido quem nem parecia ter começado ainda.
Voltou para casa àquele dia de ira cansado, prostrado, quase vencido pela tarefa que parecia não ter fim. Guardou o carro na garagem, comeu o último pedaço de chocolate ao leite, doce, mas tão doce que o fez quase engasgar. Trocou a bateria da câmera. Reclinou o banco e ali mesmo dormiu o seu sono de cansaço de ira, daquele dia em que ele esteve melhor como nunca.

http://www.clarion-journal.com/clarion_journal_of_spirit/2011/08/some-thoughts-on-the-wrath-of-man-by-fr-michael-gillis.html

quarta-feira, 26 de junho de 2013

83 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - MAIS VELHO, MAIS FRIO

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Acorda minutos antes do despertador e espreguiçando-se ouve o barulho da chuva de inverno que não para há pelo menos uns quatro dias. O barulho dos "pneus na água das ruas, são 2 estradas nuas". Sorri ao recordar-se da música tocada exaustivamente no violão nas poucas vezes que participara de roda de amigos quando ainda não chegado aos 20.

Pés nus no chão gelado e o arrepio indefectível por todos os pelos do corpo, chegando à nuca. A casa acorda junto, como de costume, com seus habitantes demandando carinho, atenção, comida e tudo o que podem e devem. Ele: banheiro, longo desague , mão na parede, rosto lavado e cozinha. Um café preto para bem esquentar o dia e se animar para logo mais sair de casa, rumar para o trabalho nesta longa quarta-feira de reuniões, planilhas e atendimentos aos novos escritores selecionados.

Termômetro marcando 9°C, às 7h10 na capital paulista. A previsão mantém a água caindo do céu por todo o dia, umidade relativa do ar acima dos 80%, com tendência de queda na temperatura, cuja previsão mínima caía abaixo dos dez graus. Informação obtida no sítio acessado quase todo dia antes de sair do castelo indestrutível. 

--- Bom para vocês dois né? Estamos abaixo dos 10!
Miado e latido como respostas, todos contentes porque sabem quando o dono fala com eles.
--- Vão ficar por aqui, no quente, sem frio, sem umidade, comendo, brincando. E dormindo claro!

Quase arrumado depois da gravata, faltando apenas as meias e o sapato, resolve vestir logo dois pares para se proteger do frio de São Paulo na parte do seu corpo que mais sofre com o tempo no meio do ano: um de lã e o outro por cima, de cor preta, combinando com o pisante social. Passando das 8h, o dia permanece meio escuro. O cachecol se faz necessário.
Dirigindo-se ao conselheiro real, que está em cima da cômoda do quarto, fitando com admiração inerente aos gatos, ele conversa (o outro entretido está com a nova bola  de brinquedo).

--- Felino, acho que estou sentindo mais frio a cada inverno que chega em minha vida. Os ambientalistas dizem que cada vez mais planeta segue numa progressão de aquecimento. Será? Eu acho que não. Sinto mais frio. Antes, não era assim: me dava bem no ano todo no sentido de me quedar tranquilo num frio de 5°C ou num calor de 35°C. Hoje, fico com o verão que torra o trópico de Capricórnio, sem dúvida! Quanto mais velho, mais frio? É isto, meu gatão rajado de laranja?

Um afago carinhoso finaliza a sua manhã no castelo que é só dele. No elevador com o ventilador ligado no máximo neste frio todo, não sai de sua cabeça a frase que ele mesmo dissera e que, sim, é verdadeira como o dia que vem depois da noite. "Quanto mais velho, mais sinto frio".

http://www.northjersey.com/news/Tips_to_stay_warm_in_the_cold.html

domingo, 23 de junho de 2013

O FETICHE PELO AUTOMÓVEL/PROTESTOS POR MOBILIDADE URBANA

Sem citar em minúcias, porque seria necessário ter um estudo aprofundado e meticuloso de um dos maiores pensadores que nossa espécie de primata homo sapiens sapiens produziu, o velho Karl Marx, que muito acertadamente nos introduziu um novo pensamento sobre as relações entre homens e coisas/mercadorias (sugiro a leitura de "O Fetiche da Mercadoria", de autoria do alemão citado, como parte de sua extensa obra), quero apenas fazer algumas considerações com a apresentação de números referentes ao fetiche quase sexual que os brasileiros desenvolveram por veículos automotores. 

Quando falo brasileiros, englobo todos nós, inclusive nosso modelo de desenvolvimento calcado na indústria automobilística iniciado pelo governo JK com a implantação das fábricas no ABC paulista. Então, desde lá e até agora, todos os governos de direita, de centro, de esquerda e de seja qual matiz for, nada fizeram, ou fizeram pouco para romper tal paradigma desenvolvimentista, porque mesmo que tenhamos a produção de um biocombustível menos poluente e renovável, como o álcool anidro obtido pelos extensos canaviais em São Paulo e Nordeste, todo o transporte destes veículos é feito por caminhões movidos a... Diesel, subproduto do petróleo, que não é renovável e ainda mais poluente. E o tal paradigma não foi quebrado no sentido de não privilegiar o transporte coletivo.

O que estou tentando dizer é que o transporte individual no Brasil é ainda vetor de "desenvolvimento", paga muitos impostos e emprega muita gente, além de conseguir avanços tecnológicos - que claro, são discutíveis sob um ponto de vista menos individualista. Mas este vetor, creio eu, está se desgastando. 

Vide agora o levante popular ocorrido no Brasil do Oiapoque ao Chuí que teve como gatilho, como centelha, o aumento das passagens do transporte público nas duas maiores cidades do Brasil: São Paulo e Rio de Janeiro; juntas, concentram cerca de 17% do PIB do país. Em uma análise rápida, tal movimento de protestos pode ser relacionado à falta de mobilidade urbana adequada nas metrópoles, grandes e médias cidades Brasil afora. E uma das razões desta inadequação é que os investimentos públicos e privados deixam a desejar na área do transporte de massa, como trens e metrôs. 

De fato, ainda se dão incentivos fiscais, desoneram-se cargas tributárias na implantação de novas fábricas de automóveis e na venda destes, respectivamente. Isto ocorre com trens e metrô? Não.
Os gargalos, os congestionamentos e a poluição só farão aumentar se a médio prazo não for elaborado um novo plano de mobilidade urbana com a implantação deste na cidades com, ao menos, 100 mil habitantes, que somam 288 em todo o Brasil e ~55% de todos os habitantes. 
São as grandes urbes que mais sofrem e são as que tiveram as maiores manifestações pela derrubada do aumento da tarifa de... Ônibus, meio de transporte coletivo.

Para finalizar, apresento alguns números  (valores da frota¹ em milhões obtidos no sítio do DENATRAN, para abril de 2013; o cálculo feito por mim tem por base as estimativas populacionais do IBGE para agosto de 2012. Mesmo havendo um hiato de alguns meses entre as fontes, o fato não é relevante para que os números "melhorem", ou "piorem"):



  frota
hab/veíc
São Paulo
5,884
1,93
Rio de Jan.
2,093
3,05
B.Horizonte
1,310
1,83
Brasília
1,268
2,09
Curitiba
1,201
1,48
Goiânia
0,715
1,86
Campinas
0,672
1,63
Porto Alegre
0,667
2,12
Salvador
0,643
4,21
Fortaleza
0,625
3,99

Para não ficar enfadonho esta postagem com vários números, citei apenas os dez municípios que possuem a maior frota de veículos automotores. Os da segunda coluna se aproximam - ou mesmo já são iguais - dos números de cidades americanas, europeias e japonesas. Mas e os números dos investimentos em transporte coletivo, reitero, são os mesmos das cidades de outros países?

Ressalto que querer possuir um automóvel, por mais fetichista que seja, é legitimamente correto por parte de todos nós; apenas ressalvo que termos mais transporte de massa, com melhor qualidade e quantidade, deveria ser um fetiche "marxista" ainda maior.  

¹ - os números da frota englobam automóveis, caminhões, caminhonetes, camionetas, micro-ônibus, ônibus e utilitários, segundo critérios do DENATRAN)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

82 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - RAÍZES DE UM HOMEM

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Pensando depois da saída do trabalho na conversa com Maximiano acontecida dias atrás, deu-se conta que raízes crescidas durante a infância/adolescência devem mesmo ser difíceis de serem superadas, ou ainda que seja, refletidas sob novo prisma. Para ele, muitas pessoas parecem se acostumar com elas e seguem sem mudança. O ex(?) metálico amigo segue à risca velhos conceitos, pelo o que ele apurou depois da conversa, mesmo que ache errado...

"Porque a vida muda, os acontecimentos se sucedem, fazemos reviravoltas... Tudo isto pode acarretar novas formas de enxergar a realidade, até mesmo de não negá-la.. Mas, há raízes tão bem dispostas sob a terra de nossa formação que extirpá-las deve requerer o esforço do forte Hércules em seus 12 trabalhos. Trago aqui em mim mudanças feitas suavemente, de maneira tão leve que percebi apenas depois de um tempo. Também tiveram algumas que foram mais bruscas, de supetão, sem aviso prévio causando mais instantes de incompreensão e dor... É, deve ser assim para todos".

Pegando o metrô, porque decidira andar mais de transporte público para não perder - provavelmente - tempo no trânsito, recebe uma ligação de Licínio, minutos antes de embarcar no trem, já passado da catraca. Nem há tanta a costumeira multidão porque ele saíra da editora 30 minutos depois do horário de costume.

--- Oi. 
--- Oi, tudo bem?
--- Ocupado? Pode falar?
--- Estou entrando no metrô, mas pode falar. Já saí do trabalho.
--- Ok. Tudo bem sim. Você?
--- Também, cansado, mas tranquilo.
--- São dois cansados. E dois tranquilos também!
Seu interlocutor ri do outro lado.

--- Estou te ligando para convidar oficialmente para a inauguração da clínica, junto com a loja.
--- Legal! Agradeço mesmo o convite.
--- Vai ser uma festa no quintal e estou pedindo para que os clientes venham acompanhados dos donos.
Agora é ele que ri

--- Os clientes? Acompanhados pelos donos! Só você mesmo!
--- E não é? Traga o Rex! O Felino não acho prudente trazer. Gatos são mais temperamentais em novos espaços. Mas se quiser fazer uma tentativa. 
--- Não, não. Meu Laranja favorito é mesmo arredio em lugares que não conhece. Se fosse na clínica antiga, até poderia ser. Levo mesmo o estabanado príncipe herdeiro
--- Príncipe herdeiro?
Percebe que nunca falara do Rex referindo-se a ele desta forma. "Agora já foi", pensa de imediato.

--- Levo o cão, mas deixo o conselheiro real em casa, dormindo, que é o que ele mais gosta de fazer. E só não faz mais porque o Rex vive enchendo o saco dele.
--- Conselheiro... Príncipe... Um dia você me conta sobre isto. Sábado agora, às 14h. Marquei cedo por conta de estar frio, tempo meio chuvoso. Assim, todo mundo fica livre para o sábado à noite. Até eu!
--- Estaremos lá, 90%. 
--- Hum, espero que chegue a 100%. Espero você e o príncipe. Abraços.

Mais esta ainda, deduz logo que embarca. 
"É, não são somente as raízes postados em terra minha no passado que são difíceis de flexionar... Estas eu até consigo. Mas e aquelas que adquiri não faz tanto tempo assim? Aquelas que me protegem em meu grande castelo inalcançável? Preciso pensar".

As portas do vagão se fecham e mais 2 estações ele estará em casa, junto dos seus, protegido de todo o resto do mundo para dormir assim que abrir as fechaduras.

http://www.barnonegroup.com/2010_09_01_archive.html

terça-feira, 18 de junho de 2013

VIAGEM CXXV - CONCENTRAÇÃO

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"Hoje eu vou descer lá ao Centro e ver a bagunça toda! Vai ser bom para eu escolher porque terei tantas opções, das mais alegres às mais carrancudas, que vai ser mesmo um desenlace total, um desenlace para lá de produtivo. Da outra vez, semana passada, eu acabei faltando e perdi a chance de melhorar a cidade eliminado alguns... Alguns de todos os lados do confronto. Chego lá em minutos".

(ainda pensando pelo trajeto que o levaria até o ponto escolhido. )

"Assim mesmo, sem comiseração com quem quer que seja, que esteja lá participando. Verdade que tenho uma torcida pelo pessoal que protesta: eles são mais fáceis de pegar, principalmente as meninas. Os barbados são mais esquivos, mas eu também pego. Têm os fardados, os repórteres...  Vai ser 'jogar rede no rio que tem muito peixe'". 

Nas concentrações que sempre aconteciam - quando ele existiu, quando ele executava seu trabalho -, grandes aglomerações se formavam permitindo que ele comesse pelas beiradas, como um prato de mingau quente. As bordas, desatentas do resto e vice-versa traçavam um excelente caminho para que ele realizasse, com muito esmero e afinco, todo o seu trabalho de melhorar a cidade, o estado, o país e o planeta. Nas extremidades, as tais bordas/beiradas, havia sempre um manifestante, ou um policial, ou um trabalhador da imprensa, ou - o que era muito ruim, um desavisado "passeando" como se a caminho do maravilhoso mundo de Alice estivesse. 

Estes, vocês podem ter certeza: tornavam-se os mais fáceis de serem capturados (os policiais, de outro lado, os mais difíceis, mas possíveis, evidente que sim). E ele acrescentava aqueles que permaneciam o tempo todo do protesto para agir como infiltrado que fosse, quebrando, arrumando briga, fazendo o jogo daqueles os quais a concentração se manifestava contra. Estes, vocês podem ter a certeza: tornavam-se os mais prazerosos de serem capturados.

Em seu seminovo sedã de velho, vertendo chocolate todo ele, o executor do trabalho mais miserável (para muitos) e gostoso (para ele) passeava pelas grandes avenidas procurando um lugar para estacionar perto de alguma estação do metrô, descer e assim, observar a movimentação que antecedia a saída às ruas das milhares de pessoas. Àquele horário tudo podia se complicar: fim do dia, uma garoa fina, segunda-feira. E o frio que veio arremetendo sobre São Paulo. E complicou, porém não para ele.

Pelos lados da rua da Consolação, em seu início, logo depois da Praça Roosevelt houve um tumulto entre manifestantes e policiais fortemente paramentados para uma batalha urbana; os primeiros somavam uns 15 mil e o segundo grupo, cerca de mil. Posicionado, como de costume, de maneira privilegiada, ele quedou-se inerte observando a tudo perscrutando todo e qualquer movimentação alheia a seu controle que chegasse perto de sua zona de conforto pessoal.

Viu manifestante apanhar, ser preso e jogado na viatura; viu também alguns PMs quase linchados, pessoas que nem participavam também viu sendo afetadas e mais: viu como uma insatisfação popular por conta de alguns "míseros" centavos pode desencadear tamanha revolta quase sem controle em pleno centro da maior cidade do país. 

"Isto aqui é uma verdadeira maravilha do paraíso para mim, para meu trabalho, que eu faço sem ganhar dinheiro algum por isto. Faço, como eu já depus em frente da câmera, porque eu fui talhado para realizar. Tanto que, na minha conta, todos possuem o mesmo valor para livrar o mundo de deles. O que muda é o tesão em pegar X ou Y, pela dificuldade, pelo temor... E algumas outras variáveis

Aproximando-se do fim, segundo próprias previsões, logrou êxito - sem surpresa no fato - pegando um manifestante com uma bandeira daqueles partidos que ele nem sabe o que significa sigla porque o tal começara a atear fogo em carro da PM, perto de uma banca de jornal; pegou também duas policiais femininas que brutalizaram contra um casal que pacificamente se manifestava, pisando no pescoço do rapaz enquanto a namorada implorava para que parassem. No primeiro ateou fogo usando a garrafa cheia de gasolina que o infeliz trazia; já com o par catado logo depois, ele cortou a garganta de ambas.

Voltou realizado - não de contentamento, porque é mais uma noite de serviço tão-somente e isto não merece comemorações especiais - cantando baixinho no carro com apenas o vidro do motorista aberto, cigarro indefectível e um sorriso de esgar no canto esquerdo.


http://www.hurriyetdailynews.com/nationwide-gezi-park-protests-in-turkey-see-police-intervention-overnight.aspx?pageID=238&nID=48529&NewsCatID=341
 

sábado, 15 de junho de 2013

81 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - PARA ENTENDER VOCÊ TEM QUE OUVIR

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Na manhã de sábado, o telefone logo cedo.
--- Oi. Tudo bem?
--- Tudo sim. E você?
--- Tudo bem... Eu acho. A gente pode se falar?
--- Podemos, mas por que você quer falar comigo? 
--- Porque eu acho que a gente deve trocar uma ideia. Na tranquilidade.
--- Sobre? 
--- Eita! Tanta coisa. Mas você sabe sobre o quê, né? Ainda mais um cara estudado como você.
--- Não começa com esta história Maximiano. Isto nem é relevante assim.
--- Tudo bem, na paz. Podemos nos encontrar? Hoje?

"E tem que ser hoje porque mesmo? Não tenho vontade de falar com ele hoje, sabadão de preguiça, de passear com o Rex, de brincar com o Felino, de vasculhar livros...".

--- Alô! Está aí ainda?
--- Seguinte, vou sair com meu príncipe herdeiro lá pelas 15h. A gente pode se encontrar perto da praça, ali em frente ao supermercado 24h. Pode ser? 
--- Sim, pode sim. Marcado então! Até mais!

E ao desligar o telefone, ele se dá conta que acaba de assumir um compromisso, sábado, no passeio com seu cachorro, preguiçoso que está, e ainda mais para ouvir o que ele pensa não ter conserto para o grande furo dado pelo metálico amigo (ou ex-amigo...) àquele dia do almoçado não comido.

Quando se encontram, um aperto de mãos e Maximiano faz um afago na cabeça do Rex, que, todo faceiro responde, pulando no colo dele querendo brincar. Por que ele é assim: festeiro e acolhedor, mas ainda um tanto estabanado. Típico da idade dos adolescentes caninos que julgam que todos os homo sapiens sapiens gostam deles na mesma proporção que eles gostam. Isto é um engano... Crasso!
Passeando e quadrando a praça perto da casa onde ele tem seu castelo indestrutível, a conversa versa, no estágio inicial, sobre superficialidades que beiram quase a futilidade daqueles diálogos de elevador...

Resolve mudar o rumo das fúteis e dispensáveis palavras  e fonemas proferidos.
--- Sabe, mudando completamente, porque estamos aqui? Falando coisas que não nos acrescentam nada.
--- Sim, verdade. Chamei você porque eu não gostei nada do que me falou, que eu sou ingrato. Não gostei porque àquele dia eu estava despreparado para ouvir. Depois eu foquei pensando, pensando, todos estes dias eu fiquei remoendo sobre o que aconteceu na casa do meu irmão, sobre o que você tinha me falado.

--- E? 
--- Tem razão: eu acho que fui meio ingrato mesmo. É que é tão difícil esta fase que estou atravessando na minha vida. A gravidez, depois ela me trai, aí vem a separação. Depois vou morar com meu irmão. Fico sabendo que ele é gay e quer se separar depois de mais de 10 anos de casamento e para terminar, tenho um caso com a ainda mina dele. Cara, aconteceu tudo isto me menos de 1 mês na minha vida. É muita mudança, ligado?
--- Estou ligado sim. É mesmo muita mudança, não tenho dúvida.
--- Difícil é pouco para definir esta fase. Diria muito complicado, porque tem coisa que eu não consigo entender. Mas elas acontecem e pronto! São lances que dependem de outras pessoas também.
--- Acontecem. Algumas atitudes só dependem de você. Outras não, é verdade, referem-se a quem está próximo de você neste momento.

--- Não entendo! Tem coisa que por mais que eu tente, eu não consigo entender. Por exemplo: meu irmão virar gay.
--- Ele não virou. Ele assumiu o que sempre foi.
--- Será? Sei lá, mas eu ser ingrato a ele por não concordar com ele, deve ser por isto que demonstrei ingratidão... No sentido, sei lá, de ele virar gay, assumir um namoro com a filha da vizinha da frente. É demais pra minha cabeça.
--- Você ainda está lá?
--- Sim, mesmo eu mal falando com ele, ele não quer que eu saia porque nem tenho para onde ir. Só saio quando ele recebe o namorado... O macho dele... 
--- É, a ingratidão se instalou aí dentro de você.
--- Mas eu não acho legal, se for isto mesmo. Acho errado eu ser ingrato, mas não consigo mudar de atitude.

Já sentados em um banco conservado depois de tantas manifestações ocorridas por ali em dias anteriores, ele se atenta em ouvir um homem, ainda jovem, discutir sobre posicionamentos, atitudes, ou mais, sobre como ser na vida, como agir com relação às diferenças e assumir que estas o afasta das pessoas que ele tanto ama.
A vida é mesmo assim e complexa.

http://socialprosemedia.com/2013/05/14/your-customers-are-talking/

quarta-feira, 12 de junho de 2013

80 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - 1 CAFÉ, 2 MENTIRAS E A 1/2 VOLTA

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Vasculhando arquivos mortos na gaveta da despensa, ele encontra um papel junto a velhos documentos, velhos bilhetes e velhos restos de coisas que cheiram a mofo, a guardado. "Nossa, quando isto foi escrito? A letra é minha... Mas quando?

"Fumegante. E queimei meu lábio. Você riu porque também se queimou.
Mas não me ama tanto assim.
Mas porque está tão quente?
Acabei de passar um café para me aquecer.
E as mãos também, que de frias que estão, as pontas dos dedos ficam azuladas.
Será a morte? Deve ser ela com seu cajado... À espreita?
Mas você não me ama tanto assim,
parece mentira dizer tudo isto agora que estou indo embora para bem longe.
Por que não me disse antes?
Envolvo a quente caneca com a esperança de me esquentar
para queimar tudo, tudo, as mentiras e as meias verdades

ditas lá pelas tantas horas da madrugada de chuva, de chuva que não cessava,
que eu parecia molhar todo o travesseiro,
e não era goteira.
Parece verdade, mas não você me ama tanto assim.
Liguei meu carro para ir bem longe, sem documento que ateste minha sanidade
talvez pela insana forma de amar que desenvolvemos:
confiança, ternura, avassaladora forma de transitar dentro do seu coração,
é incomum tamanha cumplicidade.
Virando a curva, vejo pessoas passearem pelos pátios postos para que percam
a velha mania de não se olharem por onde andam. 

Podem se esbarrar para, ao menos, haver desculpas?
Parei depois da segunda mentira.
Você não me ama tanto assim?
Ou ama?
Faço ainda a meia-volta para lhe dizer todas as coisas engasgadas gaguejando como conta-gotas
meus sentimentos gritantes.
Você nem de dá tempo e beija-me.
Beija-me de novo.
E de novo. Os braços. O hálito de café. O contentamento.
Esqueço as palavras e sinto seu batimento breve, descompassado, belo.
Fiquei com você.
Àquela hora, eu cri que me ama tanto assim".

Decide que tudo o que fora escrito por ele será digitalizado e devidamente guardado com segurança em pendrive e no computador. "Ter duas cópias é mais seguro".

http://wallpaperswa.com/Foods/Coffee/steam_coffee_mug_1920x1200_wallpaper_18556

segunda-feira, 10 de junho de 2013

VIAGEM CXXIV - VESTES NO ESCURO

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Pelas vestes escuras, ele nem podia ver quem era.
Quem vinha se apressando.
Quem caminhava em sua direção.
Sentiu um leve cheiro de suor.
Vestes de suor, tão-somente?
Pelo grande breu no túnel, que de sem-fim
o prostrara, ergueu a cabeça,
esfregou os olhos e tentou ver quem vinha.

Mas pelo cheiro de suor decifrou ser outro ser
igual a ele; de mesmo tamanho...?
que talvez vagasse por ali com muito mais tempo e
desenvoltura pelo sinuoso traçado debaixo da terra.
Nem sabia como parar ali fora.
Nem o porquê.
Os passos aproximam-se, pisando em galhos secos,
rangendo uma porta aberta que dava não sabe para onde,

nem de onde vinha, para onde fechava.
Bem perto, bem perto. Tão perto que ouvia sua respiração
serena, calma e pausada.
De repente um ar gelado eriçou-lhe os pelos um tanto fartos
das pernas e braços e costas e pelo corpo todo.
Ele levantou-se - não deveria receber ninguém naquele breu sem-fim 
recostado em uma parede trajada de limbo.
Sentia então o hálito quente em meio à temperatura baixa.

Não teve medo, não teve coragem: quedou-se sóbrio.
Permaneceu ali, olhando pelo escuro, aquilo que apenas ouvia
sentia e cheirava.
Pousou a mão pesada em seu ombro nu; isto o fez desatar em choro
e desfalecer no chão coberto de poeira.
Aquele foi embora; ele, derrubado, ficou por ali tentando compreender 
o que se passara. Em vão.
"Um dia, dia destes, desisto disto tudo e faço igual: vou-me para longe".

http://x-amaterasu.deviantart.com/art/Dark-Tunnel-310866795

quarta-feira, 5 de junho de 2013

79 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - O PLANEJAMENTO

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Pelo meio do ano, o planejamento para o próximo deve estar pronto até final de junho, no máximo até meio de julho, para que a editora se preocupe "apenas" com a edição, impressão e distribuição dosa livros. Havendo o tal planejamento, as possibilidades de acontecerem dores de cabeça ao longo de 2014 são muito menores. No deste ano, estão incluídos uma gama maior de livros voltados ao futebol - o Brasil vai sediar a Copa e, portanto, este segmento deve vender como pão quente em padaria. 

Todos os títulos terão versão, além do português, em inglês e também em espanhol. E a grande aposta de vendas do setor que trata da histórias de todas a edições desde 1930, além das 3 línguas, haverá também em alemão, francês e italiano. Tudo de olho nos milhares de turistas que virão ao país trazendo muitos dólares.

Assim têm sido estes dias: de intenso planejamento para entregá-lo à diretoria até o fim do mês. Ele quer se adiantar, por isto não esperará o prazo limite de 15 de julho.
Tudo transcorre como o previsto e até seu secretário melhorou da leve falta de atenção e já começaram a se entender antes mesmo que profira alguma palavra. "Ele está se tornando um bom auxiliar. Parece que já adivinha meus pensamentos profissionais", pensou em dado momento do dia.
Planejamento... No trabalho vai bem, porque ele faz com afinco. "Sou mesmo um Caxias".

No restante de sua vida, ou seja, nas horas que fora está do grande prédio localizado na região central de São Paulo, este tal planejamento está indo bem também; quase não há desvios de rota, o que garante a ele um sono tranquilo, de paz e pesado: mesmo àquele dia que tivera dificuldade em dormir- uma exceção - porque chorava sem parar baixinho, depois ferrou no sono no outro dia.

Mas vai totalmente bem? Há certas arestas que devem (ou que deveriam) ser aparadas, mas que acontecem à revelia de sua bom vontade que tem com os seres humanos. Boa vontade não significa laços próximos de amizade, significa paciência e tolerância aos pouco que se aproximam. Tanto existem arestas no planejamento que a insistência de Maximiano em lhe falar causa desconforto. E, junto a este fato, a atenção dispensada a ele por Licínio, veterinário do Rex e do Felino, é também algo como um aresta que deve ser equacionada. "Por que tanta proximidade destes 2? Bastam os sonhos nos quais eu sou o comandante e eles me obedecem sem questionamentos. na realidade, tudo isto deve dar um trabalho... Trabalho que eu não planejei".
"O caminho pelo qual devo andar, deixar minhas pegadas, é marcado pelo planejamento", ele memoriza tal conexão de pensamento feita pelas sinapses.

Por fim, pensando ao tomar o café depois do almoço, há ainda a conversa inacabada com o metálico homem que ligara inúmeras vezes para ele nestes dias. Surpreendido com o telefonema, mais ainda quando se encontrarem, ele julga.

http://goldenhopefilms.wordpress.com/

segunda-feira, 3 de junho de 2013

VIAGEM CXXIII - IMPLOSÃO E REPARO

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(este escrito foi mais um dos achados que ele encontrou em suas andanças pela cidade de São Paulo quando executava o trabalho sem-fim. Tirou do bolso de um morto, estava impresso em vermelho. Leu, releu e guardou na pasta "aleatórias dos executados" que mantinha na grande garagem; a coleção só fazia aumentar)

Explosões em minas terrestres devastam;
as explosões em mim já não existem.
Implosões em velhas construções põem abaixo;
as implosões em mim são irreversíveis.

Tudo o que corre por veias e artérias
estão ficando cada vez mais rápidas
e dispersas e sem direção.
Deve ser um aviso do que está para vir.

Em guerra você destrói o outro, 
um inimigo de verdade que está à sua frente.
Dentro de você, há uma desconstrução primeiro,
há a destruição depois.

Vêm os feridos, as chagas e o a carnificina
pelas explosões; estes podem ter cura,
mesmo que a cura venha de maneira amputada,
fazendo-os viver diferente do restante.

Quando eu venho com meus ferimentos,
não há doutores, tampouco remédios.
Anestesia não há... Alívio não há.
Reparos somente quando eu fechar os olhos depois da maior implosão.

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