terça-feira, 18 de junho de 2013

VIAGEM CXXV - CONCENTRAÇÃO

Reprodução [sítio abaixo]
"Hoje eu vou descer lá ao Centro e ver a bagunça toda! Vai ser bom para eu escolher porque terei tantas opções, das mais alegres às mais carrancudas, que vai ser mesmo um desenlace total, um desenlace para lá de produtivo. Da outra vez, semana passada, eu acabei faltando e perdi a chance de melhorar a cidade eliminado alguns... Alguns de todos os lados do confronto. Chego lá em minutos".

(ainda pensando pelo trajeto que o levaria até o ponto escolhido. )

"Assim mesmo, sem comiseração com quem quer que seja, que esteja lá participando. Verdade que tenho uma torcida pelo pessoal que protesta: eles são mais fáceis de pegar, principalmente as meninas. Os barbados são mais esquivos, mas eu também pego. Têm os fardados, os repórteres...  Vai ser 'jogar rede no rio que tem muito peixe'". 

Nas concentrações que sempre aconteciam - quando ele existiu, quando ele executava seu trabalho -, grandes aglomerações se formavam permitindo que ele comesse pelas beiradas, como um prato de mingau quente. As bordas, desatentas do resto e vice-versa traçavam um excelente caminho para que ele realizasse, com muito esmero e afinco, todo o seu trabalho de melhorar a cidade, o estado, o país e o planeta. Nas extremidades, as tais bordas/beiradas, havia sempre um manifestante, ou um policial, ou um trabalhador da imprensa, ou - o que era muito ruim, um desavisado "passeando" como se a caminho do maravilhoso mundo de Alice estivesse. 

Estes, vocês podem ter certeza: tornavam-se os mais fáceis de serem capturados (os policiais, de outro lado, os mais difíceis, mas possíveis, evidente que sim). E ele acrescentava aqueles que permaneciam o tempo todo do protesto para agir como infiltrado que fosse, quebrando, arrumando briga, fazendo o jogo daqueles os quais a concentração se manifestava contra. Estes, vocês podem ter a certeza: tornavam-se os mais prazerosos de serem capturados.

Em seu seminovo sedã de velho, vertendo chocolate todo ele, o executor do trabalho mais miserável (para muitos) e gostoso (para ele) passeava pelas grandes avenidas procurando um lugar para estacionar perto de alguma estação do metrô, descer e assim, observar a movimentação que antecedia a saída às ruas das milhares de pessoas. Àquele horário tudo podia se complicar: fim do dia, uma garoa fina, segunda-feira. E o frio que veio arremetendo sobre São Paulo. E complicou, porém não para ele.

Pelos lados da rua da Consolação, em seu início, logo depois da Praça Roosevelt houve um tumulto entre manifestantes e policiais fortemente paramentados para uma batalha urbana; os primeiros somavam uns 15 mil e o segundo grupo, cerca de mil. Posicionado, como de costume, de maneira privilegiada, ele quedou-se inerte observando a tudo perscrutando todo e qualquer movimentação alheia a seu controle que chegasse perto de sua zona de conforto pessoal.

Viu manifestante apanhar, ser preso e jogado na viatura; viu também alguns PMs quase linchados, pessoas que nem participavam também viu sendo afetadas e mais: viu como uma insatisfação popular por conta de alguns "míseros" centavos pode desencadear tamanha revolta quase sem controle em pleno centro da maior cidade do país. 

"Isto aqui é uma verdadeira maravilha do paraíso para mim, para meu trabalho, que eu faço sem ganhar dinheiro algum por isto. Faço, como eu já depus em frente da câmera, porque eu fui talhado para realizar. Tanto que, na minha conta, todos possuem o mesmo valor para livrar o mundo de deles. O que muda é o tesão em pegar X ou Y, pela dificuldade, pelo temor... E algumas outras variáveis

Aproximando-se do fim, segundo próprias previsões, logrou êxito - sem surpresa no fato - pegando um manifestante com uma bandeira daqueles partidos que ele nem sabe o que significa sigla porque o tal começara a atear fogo em carro da PM, perto de uma banca de jornal; pegou também duas policiais femininas que brutalizaram contra um casal que pacificamente se manifestava, pisando no pescoço do rapaz enquanto a namorada implorava para que parassem. No primeiro ateou fogo usando a garrafa cheia de gasolina que o infeliz trazia; já com o par catado logo depois, ele cortou a garganta de ambas.

Voltou realizado - não de contentamento, porque é mais uma noite de serviço tão-somente e isto não merece comemorações especiais - cantando baixinho no carro com apenas o vidro do motorista aberto, cigarro indefectível e um sorriso de esgar no canto esquerdo.


http://www.hurriyetdailynews.com/nationwide-gezi-park-protests-in-turkey-see-police-intervention-overnight.aspx?pageID=238&nID=48529&NewsCatID=341
 

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