sexta-feira, 27 de abril de 2012

TRECHO DE MAIS UM CONTO

Trecho de outro conto - O Acerto de Três - escrito por este aqui. Um dos últimos e trata do encontro entre três homens com diferentes posicionamentos, ideias, conceitos acerca da vida e dos outros e de diferentes ascendências: neto de gregos, neto de italianos e filho de irlandeses.Também se medem, ao longo da história, uns aos outros com diálogos eivados de preconceito (tão comum a nós todos). A parte final tentei fazer um diálogo como os escritores para teatro fazem.

O ACERTO DE TRÊS
Reprodução, Hércules luta com o leão de Nemei
A decoração de Natal já fazia espocar nos edifícios comerciais em inúmeros pontos da cidade. Como de costume, a avenida Paulista – englobando desde o metrô Paraíso até a Consolação descendo pelos Jardins – tomou ares de metrópole americana com neve artificial, Papais Noéis de baciada, renas, sinos e todo o conjunto. 
Stavros se lembra de seu avô falando desta época quando era criança em sua cidade no interior da Grécia. Da janela do quarto, ele conseguia ver o monte Olimpo longe, longe que mais parecia um montezinho de terra tão-somente. Das oliveiras e do frio de dezembro. Do amor de sua juventude. Das comidas. Ele contava, em narrativa, todo Natal como fora seu desembarque no porto de Santos no dia 23 de dezembro fugido da invasão do louco Mussolini ao seu país na II Guerra, em 1940, quando aos 22 anos; e de como se maravilhou pela imensidão da “Terra Brasilis”. Ironias à parte, a vida lhe presenteou com o casamento de 49 anos com uma italiana. As histórias tão bem contadas transmitiam uma sensação aberta de saudade por um tempo que não voltava mais. 

O velho Gerassymo um loquaz senhor de idade atraía a atenção dos netos ao seu redor para contar as epopéias gregas da Antigüidade traçando linhas que se encontravam na mitologia grega dos deuses, semideuses e mortais. Stavros o primeiro neto homem quedava-se absorto pela voz do avô que até se esquecia de comer os doces; mas que quando lembrados que estavam na mesa, logo ali, para serem devorados enchia as mãos e corria para continuar ouvir as histórias dos heróis titanicamente defendidos pelo narrador. Quando vivia sua infância com direito a molecagens próprias da idade, Stavros ficava imaginando antes de dormir como seria sua vida se o seu avô fosse um Deus que habitava no Olimpo e disfarçado aparecesse aqui no Brasil. Em seus devaneios de deleite, desejava determinar qual poder seu avô teria e que parte da natureza comandaria; ou qual elemento natural seria o comandante: o fogo, ele julgava que quem o subjugasse conferiria um poder digno de respeito e temor. Ou então, poder voar e disparar raios, nadar sem precisar respirar à tona, manejar armas letais.

Rep, painel lat. de sarcófago representando os 12 trabalhos

Quando pequeno, apreciava a força de Hércules e cria serem reais os bichos com quem o semideus lutava: o javali de Erimanto, as éguas (que comiam carne humana) do Jardim dos pomos de ouro, o leão de Neméia.
Cresceu e os desejos de adolescência consistiam mais próximo de qualquer humano adulto. Questões correlatas à psique começaram a fazer parte dos poderes que desejaria possuir. Controlar o pensamento permeou sua devoção à mitologia greco-romana (nesta fase, passou a considerar e apreciar os deuses romanos, vertidos em outros nomes pelo Império Romano) quando jovem; ser forte, porém não se despregara de seus ‘anseios’ mitológicos de preponderância. 
Continuou crescendo. Adulto, sem apagar seu fascínio pela mitologia helênica, começou a ler sobre os costumes da vida do dia a dia dos gregos e do amálgama formado depois pela invasão de Roma às terras balcânicas tornando colônia as antes independentes Ática, Trácia, Macedônia e adjacências. Os itálicos consumaram a invasão não antes de serem “invadidos” pelo conhecimento dos tementes a Zeus. Júpiter para os novos senhores das terras montanhosas e das inúmeras ilhas. Bem que Adriano, um imperador nascido na Hispânia, tentou levar um modo de vida com maior influência política e modus operandi gregos; até barba deixou crescer o que não era comum no Império Romano, entretanto, trivialmente popular entre os caras, pobres ou ricos, da antiga “Hellade”. 

Marmanjo e barbado como Adriano (mas sem o respectivo Antínoo), Stavros ‘psicotizava’ as relações humanas que viessem estabelecer quem quer que fosse com ele; e mediante sua experiência (segundo o próprio) e sua vivência (também), achava e acabava por inferir juízo de valor e opiniões. As tais certezas – mentiras ou verdades – proferidas amiúde traçavam uma personalidade forte, mas nem sempre eficaz nas relações pessoais e profissionais. Ela auxiliava a melhorar o desempenho e a minorar a sensação de que Stavros possuía que o mundo anda para frente; ele com mais vagar. Não, em termos de seu trabalho, dedicava atenção sem medo que tomasse, em uma eventualidade, horas as mais que as devidas programadas. 
Perguntado como sabia tanto opinar e avaliar situações e atitudes de outras pessoas, ele respondia com o clichê “a vida me ensinou. Junto o que vejo, ouço e sinto. Simples. Eu sei. E outra, as pessoas – como diz a música – são ‘parecidas quando sentem dor’. Ninguém é muito diferente não”. Restringia-se a não comentar se nada fosse lhe perguntado ou dirigido a palavra. Aprendera que manter as cordas vocais estáticas possibilita menos escaramuças durante as horas de convivência necessária com outros humanos.

Confrontara-se no último mês com duas demissões em cargos ocupados por dois funcionários que lhe eram de absoluta confiança. Um deles voltou para o interior, em uma cidadezinha quase na ponta do estado, nas “barrancas do Paranapanema, único grande rio que não é poluído”. De contragosto tivera que voltar. Já o outro, faltou duas semanas seguidas e comunicou o afastamento por telefone tão-somente. O que significava que haveria de entrevistar gente para o cargo. O ‘desaparecido’ exercia função de secretário dominando o trabalho diário com um pé nas costas. E para substituir, pensou em contratar uma secretária para mudar os ares do estabelecimento, o que foi feito.       

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