sábado, 7 de janeiro de 2012

28 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - ESPELHO ÀS ESCURAS

Reprodução
Como sabem, o corredor de seu castelo na megaurbe de falantes do camoniano - dos milhões - é extenso com as paredes sem adorno algum, com exceção do grande espelho de 2 metros de altura na parede direita, pegado ao banheiro social, em frente ao quarto de estudo.
Nas vezes - e são muitas estas vezes - ele, diletantemente, limpa o cômodo que tem uma banheira (que ele só faz funcionar nas tardes quentes do verão paulistano), mesmo que sua faxineira de anos o faça uma vez por semana; ele faz mais uma. 
Quanto ao espelho, desafortunadamente, não é muito bem quisto depois das visões infernais que ele tivera ao passar por ele certa madrugada de insônia e que, quando por fim, adormecera, tivera as mais horrendas possíveis: uma matança generalizada pelos corredores do velho castelo escocês manchado por tantos povos e homens que lá estiveram. Ratos roiam os dedcos de soldados moribundos, escarnecendo-os às escâncaras.
Faz meses apenas. Desde então, ao passar por ele, que emoldurado de preto fosco caía muito bem na cidadela inexpugnável, nem desviava os olhos mantendo-os acima ou para os seus pés.
A relação entre o espelho e o sonho quedara-se estranha, verdade seja explicada. Outra noite de chuva de verão e temperatura tépida, ficou a pensar sobre, deitado fazendo carinho de ronronares de Felino. 

"Deve ser porque da última lembrança antes do sono agitado, eu olhei o espelho e me vi. Nem agrado, taampouco desagrado. Ficou embaçado porque cheguei bem perto para poder me ver àquela luz mortiça do computador do quarto de estudo. Claro, e no sonho, entre a correria toda pelo castelo de paredes emboloradas, um espelho que tomava todo um andar e mais o térreo por entre a escada e um mesanino, eu vi cenas por detrás de mim que angustiei-me: os ratos mexendo seu bigodes, suas bocas pingando sangue; gente para lá, gente para cá; tombos pela escada de caracol e eu mais perdido do que qualquer outro, quedei-me paralisado e fito na cena. foi quando eu quis acabar com aquilo tudo e quebrei o espelho, trincando-o de cima a baixo. Cortei minha testa, bati contra ele. O sangue escorrendo pelo meu rosto de barba por fazer... Aí acordei, mas percebi que o gosto do sangue é bem diferente das lágrimas que me pus a chorar".

Ainda hoje é assim. O espelho está lá porque é bonito tão-somente, tem um estilo contemporâneo, combinando bem com o restante da mobília (que é pouca, mas confortável). Motivo bem torpezinho - "Comezinho eu digo" -, sempre adia tal pensamento. Entretando, o tal motivo funciona em determinadas - bem específicas - situações. Se bem que com referência a elas, ele parece andar meio devagar, as manipulações tem feito sentido nenhum.
Instante antes de dormir, antes de iniciar a contagem dos trovões, murmura no ouvido do seu companheiro de armas de castelo; deitado no mesmo lugar de sempre, com a aragem fresca da chuva em seu corpo fazendo-se sentir vestido de cueca apenas.
--- Você não faz ideia como os gostos são distintos. Para falar a real, eu prefiro sem gosto algum se for para escolher entre estes 2.

Um comentário:

GenaResende disse...

Não percebi a parte final, contudo, como diz Vergílio Ferreira in Aparição :"
Quando Alberto se olha no espelho e se (re)conhece como alguém totalmente diferente do que a exterioridade o desenhava e do que ele acreditava, o ato de ver-se, sob um viés jamais imaginado, torna-se fascinante e, ao mesmo tempo, motivo de medo, pois anuncia uma personalidade com a qual ele não estava habituado e na qual ele não se reconhecia até então. Anunciada por uma entidade misteriosa, a mistura em forma de aparição surge, assim, como um questionamento existencialista e, ao mesmo tempo, marxista: quem realmente ele era em relação a si, ao espelho e aos demais?", muitas vezes não nos reconhecemos no espelho, porque nós somos memória, somos acontecimentos. A imagem que temos reflectida, é, muitas vezes, como se pertencente a outra pessoa. Ali no espelho, já estamos mais velhos, mais isto e aquilo, no interior, permanecemos os mesmo. E esse espelho é por outro lado um reflexo da pessoa em si, mas não pessoa intrínseca, daquela que reside na outra em si...assim e na minha visão, podemos ter pavor da imagem, assim como podemos ver o "outro" que habita em nós, aquele que está sempre connosco, mas que não tem idade, o tal do castelo, que tem força e é destemido, diferente do que o espelho reflecte.