domingo, 16 de outubro de 2011

19 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - DEITADO

Na chuva persistente respingando ao lado de seu rosto ele os via quase sem piscar os olhos com o pescoço virado sentindo perto de onde seu corpo nu colava ao fino carpete cinza o vento frio que o reconfortou fazendo dele menos amargo. 
Virado assim e com a boca repleta pelo gosto do café ele pensava e pensava. Ainda não dormira, nem quereria àquela hora, porque quedava-se assim nestes dias de chuva, neste horário que precede o lusco-fusco. Pensamentos vão correndo por sua mente, os pêlos das coxas eriçados do vendo leve que soprava.
Ele viu tudo. Sempre via tudo. O castelo, o acampamento legionário ainda mais antigo. E o cheiro de mar, mesmo estando quilômetros dele, ardia em suas narinas.
Felino veio e se enroscou em seu ombro balançando aquela cauda felpuda toda laranja com pequenos tufos de marrom. Espalhando os pêlos pelo ar.
Chovia em São Paulo. Ele dentro do aprtamento, ainda com a xícara na mão estava para sucumbir. Cochilou ainda ouvindo uma sirene longe e um trovão que "1, 2, 3, 4, 5... 1, 2, 3, 4..."
E olhava do chão o céu cinzento que despertava nele esta vontade de perguntar, de saber; entender um tantinho de tudo isto. Como um convite que chega sem que se saiba da procedência.
Fecharam as pálpebras.
--- Não agora. Espera mais um pouco só.
Murmurou. Felino moveu seus grandes olhos a ele e também murmurou um miado e acabou por se deitar ao seu lado.
Tudo desta vida ele vira. Ou pensava que vira. Verdade que vira muito e atravessava horas a ficar andando por dentro de sua mente na busca de uma pergunta que ele desejava muito saber. Porque a resposta, durante vida toda de seus 40 anos, ensinou.
Agora o teto.
No mesmo ponto.
--- Talvez eu devesse ter chorado não naquela década. Deveria ter sido antes bem antes.
Felino desta vez nem esboçou reação. Sabia que seu companheiro falava sozinho e nem sempre era com ele que o dono falava (apesar que... O gato respondia mesmo quando sabia que não era para ele; talvez para lhe dar mais atenção?).
Ainda não dormira; àquele momento vasculhava as perguntas que poderiam ter sido feitas lá trás. Sobre ele mesmo e das coisas da vida que se sucederam. Vindas dele, outras à revelia.
Sentiu frio nos pés mesmo com os meiões brancos tão-somente. 
Levantou-se. Felino também. Pegou-o no colo desta vez.
O corredor com um mapa envidraçado na parede tomava a altura toda. Parou ali. Era um velho mapa de uma (antiga) Europa e que datava de muito tempo. Séculos. Adquirira em sua última viagem à Escócia.
Pôs o gato na cama e deitou-se. Durou nesta consciência por poucos minutos e tudo novamente se seguiu.
"---Porque o fosso deveria ser mais raso neste castelo? Não deveria. Por mim, escavaria sem dó o chão dele para aumentar a profundidade. 'Fundura' como eu dizia quando menino.
Viu a nadar dezenas de ratazanas. Não quis mais vê-las. Entrou pelo castelo escocês respirando o ar úmido e daquela vez quis se perder dentro dele".

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