quarta-feira, 19 de outubro de 2011

054 - NÃO AGORA AINDA

O outro cão, maior e mais robusto conseguiu rolar pelo chão de saibro da arena, muito pó levantado pingado com grossas gotas de vermelho. O pit bull não se intimidou e mordeu com vigor o ombro do seu oponente. Mas um felino é... Um felino, e ágil contorceu-se e cravou os dentes na cabeça do cão. Mais uma morte.
Duílio decidira vencer o horror e desceu alguns degraus e aproximou-se ainda mais da contenda para estabelecer o que estava sentindo porque ele nem imaginava. Chegar mais perto quiçá pudesse esclarecer aquele misto de terror e magnetismo. Esqueceu-se por um instante do amigo posto à frente dele no círculo. A onça enfurecida espumava e corria desesperada em círculos, tentando escalar a parede protetora.
O gladiador estralou um chicote. Uma grande rede na outra mão. 
Simão continuava no mesmo lugar e parado com o "senta-e-levanta" que o acometera. Uma vez vira matarem um boi na fazenda de seu tio quando tinha 8 anos (recordava como se fosse hoje; o bicho lutou muito e teve que ser furado por duas vezes no pescoço para morrer). Fora para comemorar o nascimento de seu primo. Todos se fartaram.
Na arena da Grande São Paulo a fartura de matança transcorria. 
"O Duílio debruçado sob o muro da arena? O que ele está fazendo lá?"
Possuída por extrema raiva e temor, o felino avança e pula sob o homem. A rede é lançada com precisão O animal caiu ao chão esperneando e rosnando.
Não acabara ainda para a onça. Imobilizada à força e aplicada nela um dardo tranquilizante o bicho arrefeceu e desmaiou.
Não sabiam que ela voltaria depois para um grande final.
Tudo branco em volta. Tudo empoeirado pelo chão. O ar cheirava a terra e antes que cheirasse a sangue, os dois cachorros foram recolhidos por aquela porta invisível.
Do outro lado da arena, o que se via diferia do outro.
"Cacete. A porta não é onde pensei que fosse. Ou... Espera... É outra porta! Aquela é por onde soltaram a onça, a outra por onde os dois cães apareceram. Pelo menos aqui eu posso fumar. Quanto tempo vai demorar para que se reinicie logo? Querio ir embora mas não vão deixar a gente ir sem que tudo isto acabe de uma vez. Agora ainda não pé a hora".
Pronto. Desta vez o que apareceu foi diferente. Sim, continuaria a luta. Primeiro, outro homem sai com a mesma indumentária. Armado está com uma lança que parece um arpão na mão esquerda, um escudo na direita e no tornozelo amarrada uma faca era vista. O capacete de bronze e a blusa e shorts de fios de aço inspirado nos romanos; as peças outras eram todas da cor da pele. A um palmo de seus pés calçados por sandálias ele joga um saco e o abre.
O teto até que baixo fora projetado para o que se sucederia agora.
Mais um cigarro e quantos fossem necessários Duílio fumaria.
Abutres, cinco, soltos pela portinhola acima do nível dos olhos.
Simão ainda olhando para arena ouve o bater das asas das grandes aves. Embaixo o corpo de um dos cachorros mortos é desembrulhado ao chão.
O senhor daquilo tudo ali fez um pronunciamento
"--- Estranho? Abutre não é bom de briga? Ainda tem mais. Então vejam isto agora. Esqueci de avisar nossos convidados que todos lutadores estão sem comer há 2 dias. A fome faz varrer qualquer instinto de cautela". Uma voz segura com o deboche perceptível.
Eles voam pouco e um por fim descem com aquele jeito de pular que parece alguém com os braços amarrados de ombros largos. Crocitam ferozmente. 
"Estão fazendo o trabalho deles... Não é? Para isto que servem, limpar o terreno". 
Para Duílio aquela cena foi um pausa depois da luta havida antes.
A carcaça começa a ser destroçada. Por outra porta, outra onça, uma fêmea e seu filhote, são empurrados à arena. Do outro lado, uma anta das bem fortes ao sair assustada correndo tromba com a carçaca fazendo as aves levantarem voo. Por pouco tempo; do butim pantagruélico os vulturinos não deixam sobrar nem ossos.
Simão modificara-se: suava como em um dia de verão. Podia sentir o suror escorrer pelos suvacos cabeludos marcando a camiseta; no couro cabeludo, atrás das orelhas. O bigode suar e pronto... Empapara-se ele todo: mexera-se e notou o suor que escorria pelo rego e pelas virilhas. O jeans ficou grudado.
Embaixo viu Duílio nervoso, fumando e estralando os dedos. 
Simão tentou fazer um sinal para ele. 
Que nada, seu amigo absorto debruçado só fumava.

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