quarta-feira, 30 de junho de 2010

008 - NAS MANHÃS, BEM CEDO

Então ele acordava bem cedo nas manhãs geladas e garoentas de inverno só para ppoder fazer o café e sentir o aroma se espraiando pela casa. Contemplava também pela janela do apartamento no 8º andar o corre-corre logo cedo dos paulistanos que iam ou chegavam em apressandos andares de quem ainda não chegou lá. A xícara fumegava e quase o queima o lábio. Da janela da área de serviço, com a xícara em punho, via também o prédio vizinho; uma construção bem robusta com a marca de um arquiteto famoso no mundo inteiro com 30 andares e sacadas amplas e envidraçadas. O privilégio, ou melhor dizendo a visão estratégica que tinha da sala e dos quartos do edifício possibilitara em ocasiões nem tão raras assim ver cenas particulares de um cotidiano que até "ontem" ele detinha e menosprezava.
Sempre às 6h10, o casal de meia idade que morava no apto com uma sacada cheia de folhagem - bem vindo à selva - acordava e a esposa regava com generosa paciência todos os vasos e se ele não se enganava e se pudesse ler lábios decifraria o que tanto ela os mexia. Podia ser que estivesse falando com o marido que nunca regava nada porque além de mexer a boca gesticulava o  braço esquerdo parecendo clichê de comédia italiana dos anos 1970. Ao lado, em cima, moravam duas mulheres que promoviam jantares todas as sextas para um grupo seleto de amigas: apenas mulheres, faixa etária a mesma, loiras, morenas e uma negra. Pareciam ter saído de um desfile do SPFW de tão magras silhuetas trajando vestes conceituais coloridas como um campo de primavera.
Já o cara ao lado do casal da folhagem morava sozinho, ou parecia morar. Sozinho e ligado horas em frente ao computador. "Que vida social um cara assim pode ter". Intuiu que deveria trabalhar em casa como web designer. Devia ter no máximo uns 30 anos, da cor branca tom paulistano, e o uso dos óculos, modernos é verdade, escondia alguma incorreção visual. O apto deste era o mais bagunçado que ele já espreitara, o que condizia com o seu logo que virava as coastas e se deparava com a pilha de roupa suja para lavar e etc etc etc...
No meio deste devaneio xereta houve um dia que Simão ligou antes das 7h. Bêbado que estava acabara de sair de um "clube noturno" perguntando para ele absolutamente nada. 
---Tô ligando porque você é meu melhor amigo e também porque tô indo embora e queria falar. Eu sei que você já deve estar em pé faz tempo. Parece até que tô sentindo o cheiro de café.
--- Quer passar aqui? Faço outro para você.
--- Nossa, nem... Estou com uma cara bem feia, tipo monstro do pântano tá ligado?
--- Ok, você que sabe. Se mudar de ideia, seu maluco, me ligue.
Mais uma manhã de tentativas de arrumação emabalda pelo treino do vizinho debaixo tocando o violino clássicos de Villa Lobos. Supôs que fosse. A garoa, naquela manhã, intensificou-se e ele aninhado na cama dormiu sonhando com a cara de monstro de Simão.

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