segunda-feira, 14 de junho de 2010

CONTO X

TRÊS HISTÓRIAS: ROMA, GRÉCIA E IRLANDA
Mais um trecho de um conto que escrevi. É o último pronto. Versa sobre o relacionamento de três pessoas descendentes de italianos, gregos e irlandeses. Exponho aqui vários ranços e preconceitos que permeiam o pensamento humano, com uma clara dominância para os que estão bastante presentes em nossa sociedade: homofobia, preconceito por origem geográfica e de nível educacional.
Espero que leiam. Aguardo comentários, sejam bons ou maus. O personagem principal é o brasileiro-grego "Stavros", se bem Marco Antônio (italiano) e Kevin (irlandês) são co-protagonistas.
Valeu pela atenção.
Chama-se: "Relação a 3" (nada sexual).
"E falando em período helenístico, já neste verão do Velho Continente ele vai à Grécia passar 40 dias na passeando pelo país. Tudo reservado e ainda ansiado por causa de querer viver um sol tórrido em terras civilizadas. História, praia, estatuária, música eletrônica, mitos, um tanto da psicanálise e de Zeus estão lá. Olimpo, Santorini, o Colosso de Rodes debaixo do mar, o Egeu, o Jônico, o calor do verão; ver a Creta Minóica de leste a oeste e seus palácios; as plantações de oliveiras na Tessália; destrinchar Atenas: a Acrópole, Parthenon, os teatros e muitos... Muitos homens. Subir ao norte de carro até chegar a Salônica. Ares, nervosinho de tudo. Conhecer Esparta (um fetiche), Corinto; as ilhas de Delos, Tassos, Lemnos, Quíos, Samos; todos os “dedos” do Peloponeso. Ver as escavações da Civilização Micênica. Colunas dóricas. Certo que 40 dias não serão suficientes para se ver tudo, ou melhor, tudo que ele deseja; quem sabe no próximo verão grego, ele não tira férias por três meses? Estuda grego, o moderno, já faz meio ano e aprendendo fácil está. FPS número 100 na praia. Estudioso dos filósofos e dos esportes da Antigüidade o conhecimento sobre o pedaço final da península balcânica avançava dias seguido de dia. Mastigando gelo. E os grandes naufrágios acordados por Netuno, o rei daqueles tempos dos mares. Haveria de pesquisar um vaza-barris. E na próxima semana freqüentará uma academia de luta greco-romana (que está extraindo-lhe o regato tranqüilo do sono). Dono de quatro décadas e alguns – vários – anos, deverá o ser o “decano” na escola que oferece lutas diversas ali na avenida Ipiranga, perto do metrô República.
De uns tempos para cá ele tornou-se confidente de alguns clientes e funcionários agenciados. Amigos? Os tem em conta dos dedos da mão... Mais pela consideração do passado e de um presente meio instável que acaba por fazê-lo desencanar e não pensar nele – no passado. E vivia bem assim, sem muita interferência pessoal, executando o que bem lhe aprouvesse durante os dias. Os rapazes agenciados o tinham mesmo com um ‘mentor’ paciente que ouve a tudo e com um razoável nível de compreensão. Alguns, com o passar dos meses, quedavam-se mais próximos, chegando inclusive a fazerem programas de diversão pela cidade: cinema, passear em shoppings, comprar roupas novas...
Ouvir aquiescendo de pronto às histórias contadas tornou-se a chave para ele melhor entender quem participasse de sua vida; fosse diante da mesa da sala do escritório, no prédio cujo qual fora eleito o síndico (perfil, o do estereótipo bem aplicado a ele) e reeleito uma vez ou em ocasiões sociais; por vezes no passear/viajar sozinho que realizava. Possui desenvoltura absoluta para relacionamentos epidérmicos diversos porque a exterioridade, além do fundamental ouvido, é receptiva aos que se aproximam. Um professor querido, contudo implacável na correção (não exatamente no carácter do próprio) e acima de tudo, justo: já escutara ao depauperamento que “você parece um professor que eu tive na escola”. Ele ria desbragadamente porque remetia a palavra ginásio que havia quedado lá trás na memória e que, por conseguinte, denotava a idade... Dele.
Histórias de tantas histórias que são contadas e acontecem exatamente à risca de como contadas e que são contadas e acontecidas por estes que as relatam. Tem altercação. A cada minuto vicejam e pululam em todos os cantos redondos deste planeta. E mesmo em outras dimensões. Semelhanças de fatos, lugares, pessoas, cores, cheiros, músicas existem e são reais. Há não apenas as exceções há muito mais que estas. Há o que cada um tem em si próprio e vamos reiterar que isto é idiossincrático para cacete. Algumas são interessantes chegando à página três e soníferas adiante. Stavros remói nos dígitos do computador as bóias de verdade que nem sempre pautavam pelo ineditismo: um critério ajustado para ele é que novidade trazia interesse, entretanto não enchia o pote. Devia conjugar maneira de se portar também porque se era tão-somente ouvidos no momento do colóquio de perdas e danos relatados... Em mercador transformar-se-ia caso percebesse intenção de ludibriar por parte do interlocutor. Às verdadeiras somariam uma compaixão tenaz. E o oceano tomado por Netuno encontrava-se imerso em grandes mentiras, daí então as bóias para ele não afundar.
Ao ligar o rádio ouve ‘estresse faz aborrecer, amor rejuvenescer’ E ri sem fazer rogo. Ele se escracha em rir. Sorrindo ao abrir a janela do apartamento trapezoidal que era assim que ele o via. E falando em via, Stavros em vias de largar tudo – o seu negócio – e sair andando sem ao menos olhar para trás. E morar andando, sensação persecutória recorrente. E o trapézio se justificava porque a sanca (de que ‘língua’ veio?) insinuava a figura geométrica ginasial: três diferentes trapézios, palavra que não escreve desde que... Não recorda. São as décadas abrigando o istmo de vaga memória.
E se largasse tudo mesmo? Dinheiro guardado ele tem – uma pequena fortuna – que permitiria passar um tempo sem preocupações de trabalho. Vontade ele tinha e de sobra. O que pensava para se contrapor se cabia na questão que na prática aos 50 anos, sair e largar tudo sem ao menos olhar para trás beirava o ridículo, para não mencionar a tamanha estupidez se cometesse tal ato. Esta vontade o perseguia porque seu trabalho, nestes tempos, ensejava pouca ou quase nenhuma satisfação. Como proprietário, havia as obrigações sociais, digamos assim: funcionários que dependiam da agência, os encargos trabalhistas todos pagos religiosamente. Improvável que largasse tudo para se mandar por aí. Procurava resignar-se, então, de forma que não afetasse sua vontade de viver fora do horário de expediente. Sabia em seu íntimo que aquele havia se tornado o último negócio de sua vida, porque os dias apresentavam escassez tão-somente: batalhara muito para ser dono de si próprio, portanto, recomeçar demandaria tempo que ele se julgava ser devedor. 

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