sexta-feira, 31 de maio de 2013

VIAGEM CXXII - NEGRO, GAY, MULHER, ÍNDIA, DEFICIENTE, POBRE, GORDO

Escondidos. Transferidos. E vilipendiados.
Estavam todos ali:
o negro,
o gay,
a mulher,
a índia,
o gordo,
o deficiente,
o pobre,
o desempregado.

Na grande e imensa sala vazia preenchida apenas por eles, todos quietos quedavam-se. Não se conheciam e nem sabiam porque lá foram trancafiados por alguém que desconheciam.
Mais de uma hora e todos em pé rodando de lá para cá sem conversarem, sem se tocarem, sem nada. Introspectivos em seus mundos, tão-somente. 
Um barulho na fechadura. Destrancados, agora.
Um grande homem, bem vestido e com os bolsos pesados de tanto dinheiro que vertia deles, apareceu e começou a lhes falar em tom categórico e ao mesmo tempo debochado.

--- Vamos ver... Pela minha lista, agora é a vez do negro.
Apareceram mais três homens da sociedade que manda, que juntos com o que falou, levaram o homem negro para fora. Lá ele executou um serviço que os seres da sociedade não mais queriam fazer e que era moldado ao negro fazer, unicamente ele: pois deveria servir aos outros, como um escravo moderno, em uma grande empresa para ser explorado na África. Ele caiu várias vezes de cansado e por isto apanhou feio.
Na volta, quando o devolveram, o grande homem disse:
--- Para isto que você serve, para trabalhar feito burro de carga. Nada mais.

Em outra hora, nova chamada
--- Vamos ver... Agora é o gay.
Tudo igual: ele mais 3 levaram o rapaz para fora do imenso salão. Fora deste, colocaram-no para trabalhar em uma profissão que, segundo a sociedade vigente, é a única que lhe cabe: vestiram-no de maneira um tanto feminina e o colocaram assim em um estabelecimento para pentear, maquiar e tudo mais. Ele apanhou durante, porque não sabia fazer.
Na volta, quando o devolveram, o grande homem disse:
--- Para isto você serve, ser 'mulherzinha', assim já mostramos nosso asco só na palavra. Mais um motivo para ter apanhado como apanhou.

Assim a coisa estava indo.
Em outra chamada, tudo igual.
--- A mulher ali. Venha loira.
E ela foi feita de doméstica sem descanso e ainda teve que servir aos patrões com seu corpo. Cansada moralmente, tentou fugir e foi espancada.
Na volta, quando a devolveram, ele disse:
--- Para isto você serve: para nos servir.

Tudo igual e foi a vez da índia, com o grande homem dizendo:
--- Venha, seu bugre!
Contaminaram-na com o vírus da gripe e tiraram toda sua terra. Ela chorava e ardia em febre a levaram para ver toda a devastação causada em reservas ancestrais; e na volta:
--- Para isto você serve, para sofrer e longe de nós.

Assim foi se sucedendo: 
-para o gordo, como em um pecado capital às avessas permitido, abriram sua boca e o fizeram comer de tudo, sem parar, porque se parasse, lhe davam no lombo. No fim, disseram "como você gasta mais, como você ocupa mais espaço. Atrapalha". E lhe deram comida estragada, podre.

-para o deficiente coube subir em uma calçada íngreme, cheia de buracos com tempo cronometrado para provar que estão sempre atrasados, que demoram e, portanto, não servem para fazer dinheiro.

- para o pobre, "pobre coitado, ou melhor, pobre diabo" falaram. "Você fede, é feio e usa roupas rotas. Vai apanhar agora, mas se dê por satisfeito de não lhe queimarmos vivo". E o colocaram para dormir ao relento em uma noite de inverno.

- para o desempregado sobrou nada. "Temos que sustentar você, pagamos coisas por você e ainda por cima, é vagabundo". Este foi o mais espancado, porque foi tido como peso morto pela grande sociedade.

Quando todos voltaram, um por vez, reuniram-se e tentaram se ajudar fazendo que fosse possível para minorar um pouco a dor física, a dor moral e os ferimentos causados. Combinaram, em poucas palavras que da próxima vez que a porta rangesse - sinal do prenúncio do homem que a abria - começariam a gritar feito loucos e em bloco correriam para fora. Era uma tentativa, a única que lhes deu conforto.

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