domingo, 26 de maio de 2013

77 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - O TRAVESSEIRO ESTÁ SECO

Reprodução [sítio abaixo]
Luzes apagadas dentro.
Todas as janelas fechadas.
Lua quase cheia.
Luzes amarelas fora.
Fresta aberta da porta da sacada.
Frio agora em São Paulo e o silêncio faz do castelo inatingível o lugar mais tranquilo de toda a cidade, às 3h30, para ele.

Tranquilidade para que faça o que faz, sozinho.
Pelo imenso e bagunçado quarto, deitado sob os edredons, nu, ele chora baixinho no travesseiro, mas não sabe bem o porquê desta tristeza chegada, instalada e permanecida durante o domingo todo. Não, não é porque é domingo, mesmo porque ansioso está pela segunda-feira de muito trabalho fora e dentro do grande prédio localizado quase no centrão da urbe bandeirante. 
Amanhã, dará início a mais um novo projeto na editora com vistas a lançamento dos livros para o final do ano e início de 2014: ficção, não ficção e as biografias - filão que se tornou o segundo mais vendido pela Companhia Paulista de Leitura, onde labora incessantemente há anos. Então, por que chora desde que se deitara?

Nem mesmo a companhia de Felino e de Rex conseguiu alegrá-lo hoje; fato incomum, porque seus dois companheiros tornam seu dia mais alegre quase todo dia. Mas hoje e agora, pela noite, a coisa toda piorara. Se piorará amanhã, sem resposta.
Nariz escorrendo junto com as lágrimas que descem em transversal pelo rosto barbudo 3 dias. Percebe que o travesseiro sob a cabeça está úmido e, então, troca pelo que está no meio das pernas desnudando o ombro causando um calafrio pelo ar gelado de outono.

Ainda chora. De forma contida na escuridão, de porta aberta do quarto. Nem mesmo a luz do computador do quarto vizinho ele deixou acesa, aquela luz azulada mortiça que por vezes ajuda a embalar seu sono; hoje não porém...
O trabalho vai bem. Sua conta bancária vai bem. 
Preocupação com os amigos? Quais amigos?
Preocupação com a família? Qual parte da família? Mantinha contato virtual apenas com seus primos que moram no interior de São Paulo (visitara-os havia dois anos). E eles devem estar bem, segundo último email recebido na sexta passada.

E ainda chora sem parar.
"Nossa! Devo ter deitado há mais de uma hora e estou aqui feito um bebê chorão? Que não para de chorar? Que tristeza é esta que aperta, esmaga, meu peito querendo fazer meu coração sair pela boca? Será infarto? Tenho que parar de chorar! Parece aquele garotinho, naquela noite de 1977, quando vi o que vi... E fui dormir chorando. mas eu tinha 10 anos, hoje quase 50. Algo deve estar fora do lugar...".

Sem acender luz alguma e com cuidado para não acordar o conselheiro real e o príncipe herdeiro, levanta, vai até o armário e pega outro travesseiro, porque ele tem vários.
Pernas juntas, corpo tremendo de frio, mãos que abraçam-no e um cheiro confortável de roupa limpa, agradável ao toque de seu rosto
Passam-se mais uns minutos depois das 5h40 - última vez que verificara a hora - e ele finalmente dorme com os olhos de sensação de choro, cílios molhados. O travesseiro mantém-se seco.
O dia está quase chegando pondo luz no quarto escuro pelas frestas da veneziana.

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