terça-feira, 12 de junho de 2012

MAIS UM FRAGMENTO DE CONTO

Trecho de outro conto, "Ingrediente Humano". É uma história com um final que poderia ser caracterizado com triste, porém não é. Firmeza no sentimento que antecede o fim da história: o sentimento de lealdade a um grande amor é a marca registrada. Repito: sem uma saudade de dor, mas sim de "exaltação sutil".
Quem ler, agradeço o tempo.

"No apartamento que morava havia nem dois meses objetos fora de lugar e caixas ainda por se desfazer emprestavam um ar de bagunça em início de arrumação. Mas o quarto devidamente arrumado parecia um oásis ao se andar pelos cômodos. Consistia em uma daquelas construções modernas de praticidade exemplar e de tamanhos pequenos. Quando o encontrou decidiu na mesma tarde comprar para estancar sua saga de ficar comprando e vendendo apartamento.

O banheiro, grande pela metragem, impecavelmente limpo, parecia ter isolamento acústico; nem mesmo o quarto, virado para os fundos com a vista da serra da Cantareira ao longe, abrigava tanta quietude. Tirava cochilos no chão gelado do banheiro nas tardes que passava em casa em dias causticantes de verão. No chão duro mesmo... De até 1 hora; acordava com as costas frias proporcionando grande satisfação. O sol batia no azulejo cor de areia de textura diferenciada formando um brilho ‘esmaecido’. Limpo, muito limpo.
A cama, de tamanho ‘família’, abrigou um corpo cansado. Seu cérebro, mesmo depois de apagar tudo, cerrar a porta e a janela, permaneceu desperto rememorando a cena com o pequeno gato horas atrás. Concluiu que a fragilidade é do tamanho de todos. Ninguém é maior. Ouvia o tique taque do relógio logo ao lado no criado-mudo. Noite tépida que se apresentava... E foi de horas em claro em uma miríade de pensamentos. “Porque não o peguei em minhas mãos e o trouxe para casa? Poderia ouvi-lo ronronar e dormir feito um bichinho cansado”. No meio da noite acordou permanecendo de olhos abertos no escuro ouvindo carros ao longe. 

Imaginou ter uma grande chácara para abrigar gatos e cães perdidos na rua ou abandonados e imaginou ter dinheiro o suficiente para bancar a manutenção. O trabalho daqui a algumas horas, com reunião de pauta mais extensa para o telejornal de fim de ano, o tomaria por completo; sem pensar na programação para 2008 com alterações na grade que afetaria o horário do programa Personalidade. No Natal e Ano Novo ainda não tinha pensado o que faria e cogitou em ir à praia. Desistiu em seguida porque se recordou das horas parado na rodovia dos Imigrantes no ano retrasado. Dia da faxineira: não podia esquecer de deixar recado para passar suas camisas brancas e camisetas e não as calças jeans. Sentiu sede e bebeu na garrafa posta no criado-mudo, como costume adquirido. O estômago cheio de líquido fez barulho. Deitou-se na cama quente e logo dormiu.

Reunião pela manhã, logo cedo, não contou com a presença pontual de todos os convocados. O mais atrasado deles, sobrinho – no caso, provável herdeiro – predileto do dono da emissora, chegou 20 minutos depois. Figura estranha, Otaviano sempre o via assim. Usava ternos de corte mais moderno e sapatos engraxados à exaustão. O que causava estranheza se resumia ao fato de ele pouco se importar com o cargo que tinha: abaixo de Otaviano com contacto direto com as equipes de reportagem no Interior e Litoral o que causava desconfortos quase diários. O rapaz se perdia na hora de determinar quem ia fazer o que aonde, quando; e quando questionado sobre os erros reiterados... Evasivo, já havia sido pego fumando um baseado na escada lateral do fundo da TV Paulista. Mês passado, no mesmo local, o viram fodendo com a secretária de seu tio. A balzaquiana, casada, implorou para que ela não fosse entregue ao leão. 

Literalmente, o parente foi catado de calças arriadas com o rabo branco à mostra para quem ali estava escondido vendo. Dor de cabeça cada vez que alguém o informa e traz acontecimentos desta natureza a ele. Cabia a Otaviano dar o primeiro esporro. Neste dia Felipe ouviu um sermão de volume e intenso. Não resolvido se assim fosse, passar adiante para que o superior quebrasse a cabeça. O rapaz propalava a sinceridade – real – como qualidade.

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