quarta-feira, 2 de maio de 2012

37 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - O PASSEIO

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Deitado desta vez na grande cama cada vez maior com o passar do anos, observa pela janela a garoa fina, fina, dando um cara estereotipada a cidade de São Paulo. Imerso em pensamentos sonolentos montando os dias que se seguirão depois que ele despertar; acomodado em meio a travesseiros com o conselheiro-mor do castelo deitado em uma das pontas já em seu 5º sono felino. "Também, dormem mais da metade do dia esses gatos. E os primos grandões também". 
Grosso e pesado edredon  o aquecia do longo inverno que virá, como tantos outros vieram (torce para que seja bem igual aos anteriores, sem surpresas; não é do tipo que gosta de surpresas).
As pessoas nas ruas, o frio, a sopa quente, gripes, resfriados, muita roupa.
O Rex, e para variar, deitara-se no chão sob o tapete felpudo. Seu primeiro inverno, na verdade sua primeira onda de frio que veio, para variar, da Argentina, do Atlântico Sul, da Antártida ou alguns destes lugares frios e distantes.

Somente uma fresta da janela aberta. A porta escancarada para melhor dominar todo o resto do castelo enquanto estivesse dormindo. Para ele, dentro de casa não há trancas.
Sobrancelhas franzidas e um leve tremor no queixo em um instante seguinte. Mas não é o frio.  Preocupações que antes não lhe ocorriam deram por aparecer questionando sua mente a atormentando sua consciência. Desprovido das respostas, fechou os olhos.
(onde foi parar o "cara sonolento" de minutos atrás?)
Outras coisas povoam sua mente; mas o leve estresses se desanuviou porque o conforto proporcionado por sua cidadela intransponível o fez relaxar em seguida.
Parece-se como quando ele fica a balançar os pés, receita antiga para embalar seu sono que dura minutos e o sono vem.
Felino muda de posição e esparrama-se mais. O príncipe ressona somente como os filhotes ressonam.
Tudo em seu mais calmo silêncio. O vento agora começou a soprar e então, a chuva de outono - abrindo o inverno com antecipação? - cai pesadamente, em pé, pelo que pôde observar antes de dormir.
Pronto, agora já foi.

"Consegue 'sentir o cheiro' ao respirar a umidade no ar e o bafo quente de sua boca faz fumaça naquele início de manhã. De qual manhã ele não tem a mínima noção. Deve ser porque percebe pela posição do pálido e relutante sol que há uma significativa inclinação em sua sombra.
Barulhos quase nenhum, talvez ainda os bichos estejam escondidos em suas tocas dormindo demorando-se mais a levantar e enfrentar o frio.
Chão molhado, como das outras vezes, e os pés brancos com dedos delgados esparramados não sentem frio. Sim, o chão está gelado e muito.
'O que faço eu neste lugar frio e úmido, descalço? Devo ser louco mesmo por andar deste jeito sem calçar botas. Porque estou fazendo isto agora? Este caminho é idêntico ao de antes, mas porque então eu não sei para onde esto indo?'
Perguntas, perguntas... Melhor seguir o caminho e não se preocupar com questões que não podem ser respondidas agora sendo que há muito esperam resposta.
Longe, quase inaudível, o canto de pássaros avisando sua chegada. Ele, meio desajeitado, faz barulho em caminhar e mesmo distante das aves, eles o percebem e soltam seu canto de alerta

A trilha segue sinuosa, com altos e baixo, com a vegetação espessa: muitas árvores de tamanhos variados de folhas verdes, de troncos grossos e retorcidos, outros finos e apontando para o céu. Folhas secas marrons  Flores somente algumas. Galhos partidos derrubados por alguma tempestade, ou por velhice cobrem-se de cogumelos de cores contrastantes com a cor dominante. Pelas suas contas está andando sem se cansar já tem mais de uns 30 minutos. 
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O sol resiliente que é como astro-rei está virando o jogo. Vem a parte reta do caminho e logo ali o seu castelo de pedra.
'Perto daqui foi onde os romanos mais ao norte chegaram deste país enevoado e gélido. E devem ter sofrido muito com este clima bem diferente de onde vieram e do costume de se vestir. Não deve ter sido fácil para se carregarem com tanta roupa, carregarem as armas e a obrigação de vencer jutos e pictos. Mas mesmo assim fizeram por mais de 400 anos, os melhores que foram. É o que eu sempre digo: os maiorais'.
E o castelo, com o fosso transbordando e sem sinal daqueles roedores bigodudos da peste, e que fora construído alguns séculos mais tarde, queda-se cada vez mais um refúgio onde ele pode descansar destas caminhadas que frequentes que se tornaram fizeram que ele se acostumasse com o frio nos pés. Um ineditismo porque é a parte que ele mais sente frio. Mas não aqui, não naquele caminho.
E repetidas vezes construía-se assim tudo isto: de repente ele estava no meio desta mata fria e úmida, caminhando descalço seguindo por um caminho onde não encontra ninguém.Um fato é que hoje está mais frio e demorou mais para chegar ao castelo.
Rangendo como uma velha porta alta que é, na sala a grande e assustador fato novo: lá estão o veterinário que cuidou do Rex e o balconista da padaria que ele toma sua média toda manhã.
'E porque vocês estão aqui?'
Sem resposta e sem sentido as visitas estarem ali"

Pela manhã que se segue a chuva cai forte e a ouve logo que abre os olhos. O despertador da TV nem precisou acordá-lo e ele se levanta para ir ao banheiro. Antes, cobre o Rex com uma cobertor. Felino nem sequer se mexe todo enrodilhado no edredon que está.
--- Vou tomar café em casa hoje. E ainda bem que a vacina do meu príncipe pode ser aplicada em outro consultório. Assim que vai ser, pelo menos é o que pretendo.

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