segunda-feira, 26 de março de 2012

34 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - MÉDIA PELA MANHÃ

Reprodução
Noite curta pelas horas dormidas, mas acostumara-se assim desde algum tempo. Sem problemas dormir pouco e seu corpo não pedia sono ao longo do dia. "Deve ser pela quantidade de café que eu tomo!", relembrava para que o próprio corpo "ouvisse" e incorporasse a frase como um vaticínio.
Levantara mais cedo, como de costume. Faz tudo com vagar. Inclusive na troca dos utensílios usados pelos outros dois habitantes do castelo inexpugnável que contruíra em São Paulo. Sua cidadela instransferível e sem nódoa.
Os bichos ficavam todos contentes logo pela manhã: água fresca, caixa de areia trocada, jornal de domingo reposto e a comida farta e desmedida. Toda vez que ele colocava a comida para o Felino, o gato, todo regateiro, lhe fazia carinhos nas canelas cabeludas proporcionando uma emoção única de carinho; um pouco acima do peso, ele deveria iniciar um regine no próximo mês. Já o príncipe, Rex, todo estabanado comia em desespero como se fosse a última de sua vida ou como se fosse a primeira vez que comesse em sua vida. Derrubava muitos grãos de ração para fora imediatamente linguados goela abaixo.

Dirigia-se com um copo de água gelada em mãos ao quarto de estudo para desligar o computador e tirar os livros do acesso dos dentes de Rex. As estantes cobriam três paredes do chão ao teto, com os livros de todos tamanhos protegidos por um vidro fino e transparente. A luz providencial ao lado do pc o ajudava a ler com muita atenção tudo que vislumbrasse em seus estudos e andanças pelas letrinhas miúdas. Ao sair, deixava a luz azul esmaecida do aparelho virtual a noite toda.
Feito isto, ele ia tratar dele. Um bom alongamento enquanto a água do café entrava em ebulição, na cozinha mesmo. 
Fome? Raro ter logo que acordava. Preferia andar os 10 minutos até a editora porque a caminhada quase plana tinha apenas quarteirão - de uma subida íngreme - o que bastava para o estômago avisar que ele estava vivo e faminto.
Nestas vezes, a padaria ao lado do suntuoso prédio construído nos anos 1990 onde trabalhava servia de ponto de parada para pedir no balcão e tomar em pé mesmo (nunca havia uma mesa) um café com leite e pão com manteiga na chapa. Bem tradicional e bem que matava sua fome toda vez.
Ruídos de todos as entonações na padaria de nome português (também muito comum em São Paulo), a "Reino de Algarve", com atendentes se desdobrando para que os clientes esperassem o mínimo possível. Um deles, novato, já o reconhecia e cumprimentava com um sonoro 'bom dia' de um sorriso largo e confiante. Simpatia, seu predicado mais visível. Estes dias passados até trocaram palavras sobre a convivência entre cães/gatos/humanos todos juntos habitanto o mesmo local. 

Saborear a média assim, no canto onde se formava o ângulo de 45° do balcão construído em U, sendo atentido com primazia e sorrisos metálicos de aparelhos, aumentava a fome e a gratidão pela bênção de estar bem servido. O rapaz, nem tão moço e nada velho, tinha um sotaque típico da Mooca, com nível de vocabulário mais abrangente que pudesse supor os "letrados". As questões de futebol, por exemplo, nunca tornaram-se conversas entre os dois (claro, estas conversas eram entrecortadas e meio curtas). 
--- E a semana, promete?
(sua indefectível pergunta às manhãs de segunda-feira)
--- Promete sempre né? Daqui a pouco tenho uma reunião do outro lado da cidade, mas antes do almoço estou de volta. Muito dinheiro para rolar e uma equipe bem treinada. Promete porque eu já sou a promessa que meu presidente procurou durante muito tempo: esperto e bom profissional. E isto traz muito dinheiro para a conta bancária dele.
--- Assim que se fala. Para mim, promete também. Vou prestar um concurso no próximo domingo para investigador de polícia. Sabe, é meu sonho. Preciso ganhar mais e estou estudando para ir bem na prova. Fiquei meio atrapalhado no começo, muitas coisas de português e de conhecimento jurídico que... vou te falar! Fazia tempo que eu não pegava em apostilas para estudar.
--- Você consegue. Concentre-se.

Acabava ganhando quase todo dia que passava lá um dedo de café grátis, devia ser pelo fato de tratar bem o mooquense estudioso. Um aperto de mãos, o "bom trabalho" recíproco, comanda a ser paga. Na fila do caixa, seu silêncio e paciência de Jó e matutava... Matutava. 
Logo mais estaria de novo em seu castelo onde poderia deitar-se onde bem quisesse e sonhar com quem quisesse. Porém renovava-se em poder conversar com alguém que não fosse do trabalho. Lembrou do veterinário do Rex, da vizinha ao lado e do atendente da padaria: o castelo deveria ficar com sempre, intocado. mas ele fora poderia trocar impressões acerca das pessoas e coisas com os outros.
Pronto, a fome fora vencida com a média, tão 'ordinária' aos brasileiros mais comuns.

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