domingo, 28 de outubro de 2012

VIAGEM LXXXIV - "ELE QUERIA SER O CÉRBERO"

Reprodução - Cérbero [sítio abaixo]

E fazer festa abanando o rabo como um cão domesticado e feliz quando chega alguém no portão, tão amável e dissimulado; mas não impassível. Para farejar tudo o que pudesse daqueles corpos e almas, ainda não penadas, porque a penalização mal terá acabado de se desenrolar feito novelo.
Mesmo uma lambida de boa vindas com a saliva grossa e viscosa - uma marca - que não sai mais da pele, ser-lhes-á dada até serem entronizados no grande quarto logo depois da entrada.

Ele queria ser o Cérbero para quando estes que entraram, quiserem sair, transformar-se-iam em pedaços que juntando tudo pela eternidade, a eternidade seria pouco tempo; seriam milhões de pedacinhos rotos.
Fazer como um cão sem dono vasculhando de longe o terreno dos vivos percebendo cada vez mais pelo faro os penetras no mundo dos mortos; aqueles vivos que morreram desta para pior.

Sentir o enxofre desde o início da caminhada subterrânea para que todos saibam que por este veículo de bancos duros e desconfortáveis do vagão que desce rumo àquele reino, o odor os envolva até causar dor de cabeça para todas as horas. O que é um aviso para irem se acostumando com o ácido de todo dia e toda noite sem falhar um minuto 
sequer. Denso, repugnante e pútrido.

Acorrentado como ninguém prometeu em vida, Cérbero possui uma boa zona de conforto com a distância de suas amarras, as quais lhe permitem quase chegar no topo e descer até seus portões; ninguém escapa depois de adentrar no buraco com o sol ainda em nesga a bater logo ali... Na entrada. Mal sabem...
Ele fica ansioso andando para lá e para cá arrastando a pesada corrente de ferro quando ouve o vagão descendo bem longe. Se o barulho de guincho do rolimã se confirma ele para. Fareja o ar, orelhas em pé, boca sem arfar. Atenção ao que vem lá de cima porque não mais sairão: porque não merecem.

Há tempos de muito movimento neste desce-desce que não tem mais fim e há tempos em que o movimento é menor. Nestes, Cérbero sobe quase à superfície e fica ganindo baixinho para que algum lá de fora  e de cima o ouça e se aproxime. Fica assim quanto tempo for preciso, com a precisão do relógio do tempo eterno, e só retorna quando a descida com o convivas se inicia ou quando sente uma puxada na sua corrente feita pelo seu dono que habita onde ele guarda.


Melhores são as vezes nas quais o movimento é intenso e desmedido. Ele trabalha com mais afinco e gosto porque acontecendo desta monta, a possibilidade de tentativas de fuga da ante-sala aumenta, e então, é quando ele realiza sua função de guardião de saída do reino dos mortos: ali não há saída. 
Porque para sair, Cérbero estará lá impedindo e acabando com a vontade de deixar o local para o qual tais que desceram foram destinados sem desatino algum, apenas com certezas.

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