segunda-feira, 22 de outubro de 2012

VIAGEM LXXXII - COM A CARA NO CHÃO

Reprodução [sítio abaixo]
Acordou assim, com a cara no chão, sentindo o vento gelado uivando pela fresta da porta, depois da festa em seu apartamento. Ele não conseguiu nem manusear a chave na fechadura caindo por ali mesmo, quase pela manhã de sábado. Neste instante, a manhã já estava iniciada e com chuva forte.
E porque estava de fora, se porta adentro é tudo seu?
Ele não tem a menor ideia. Estava do lado de fora, sem mais nem menos.
Rosto amassado e decerto marcado, pés descalços, vestido com o jeans desabotoado e camiseta amarfanhada pelo chão; as botas logo ali, no segundo olhar... Ele mesmo parecia um pano de chão de bar de estrada. Ainda sem forças, passou a mão no bolso traseiro e achou a carteira, que parecia intacta; e o que incomodava no 5º bolso? Sim, as chaves.

Quando abriu os olhos definitivamente, em uma perspectiva que ele jamais pensara em ter - pelo menos daquele jeito -, viu o que o estrago corporal martelava feio em sua cabeça: uma ressaca braba, com as luzes internas do andar que só ele morava ardendo em seus globos oculares.
(prédio recém-inaugurado, perto do nova estação do metrô, e ainda não totalmente ocupado; tinha 18 andares, o dele o 11º, com três por andar, com sacada, dois quartos, lavanderia, armários etc)
Não conseguiu precisar que horas poderiam ser, nem mesmo se levantar. O esforço para verificar a carteira sugou suas forças. Manteve-se intacto e até que gostou de ficar assim, o movimento de antes soou um sino dentro da cabeça.
Ouvia barulhos no andar de baixo, mas no dele... Nada, ninguém da manutenção se movia dentro dos apartamentos, porta alguma se abriu, nem o elevador por ali parou. Barulho mesmo só abaixo...

O chão - quadriculado milimetricamente em quadrados pequenos em dois tons de cinza que quase se misturavam estavam cobertos de pó de alguns dias - parecia ainda mais gelado do que o costume. Costume esse era de quando saía descalço para receber algum amigo no corredor de entrada e só. Enquanto olhava o que podia fazer, vislumbrou o chão de Congonhas. Mas agora, na posição que se encontrava, seu corpo doía de gelado. Bem, podia ser da bebedeira de algumas horas, ou podia ser de alguma briga que se envolvera, o que não era costume. Brigaria porque? Nunca foi disto. Fato é que lhe parecia ter tomado uma surra, apanhado e batido.
Ficou matutando as horas de recepção em seu apartamento, tentando recordar-se quem veio convidado, quem veio de bico e quem trouxe amigo do amigo do amigo... A lista inicial elaborada comportava 20 pessoas de seu mais íntimo círculo: os amigos de sempre - incluídos dois primos -, o casal vizinho de cima e três colegas do trabalho. Todos estes conhecidos. O que tornou-se difícil àquela hora, buscar os rostos desconhecidos. Daquele número, no auge da festa, tinham umas 40 pessoas, talvez 50.
Minutos de intensa concentração e nada... Veio um alento nesta coisa toda: a faxineira devia chegar às 10h, lembrou-se. 
"Ainda bem porque ela vai ajudar me levantar e deitar na cama. Aqui está frio e duro como... Como... Chão".

As portas do elevador se abrem e ele vê os pés de sua salvadora. Mais um esforço e logrou se virar para que ela o pegasse pelos braços. Finalmente, entrou cambaleante em sua casa que cheirava a sarro e fumaça que poderiam ser de qualquer qualidade, e de bebida fermentada grudada pelo chão.

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