terça-feira, 24 de julho de 2012

43 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - VITÓRIA SOBRE O TEMPO

Reprodução, romanos rumo à Escócia
Coleciona vitórias no trabalho esta semana, notando que ainda é terça-feira, mas um contrato milionário adoçado por uma reunião em um bom restaurante com a conta paga por ele com direito a café de grãos que vão para o mercado italiano, fizeram sucumbir as últimas exigências dos novos donos do mundo, os chineses (ou, como ele mesmo pensa, "eles acham que são"). Por quase 3 horas ficaram esparramados na poltronas com o intérprete de Macau, chinês que fala um português de sotaque lisboeta com a indefectível entonação oriental no fim das palavras. Fato é que ele é versado no português falado aqui no Brasil porque viaja realizando suas funções regularmente para cá. Ganha muito dinheiro com isto: para quem tem oito irmãos que viviam encarapitados nas favelas é uma vitória.

"Porque eles querem dominar o mundo? Mas eles querem mesmo? Ou é só para mostrar aos norte-americanos que não apenas os Estados Unidos que dão cartas aos quatro cantos do redondo planeta? Percebo que os irmãos do norte - é de se matar de rir - andam meio acabrunhados, meio tristes e desanimados. Enquanto do outro lado, os comunistas chineses andam todos faceiros é lépidos, comprando minerais na África, financiando empresas no Peru, no Equador e invandindo o mercado do Brasil".

Às 15h30 saem do restaurante de comida brasileira. Feliz pelo contrato, feliz porque vai tirar a tarde de folga. Claro, uma passada antes pelo escritório todo azul e cinza para dirimir dúvidas de seu secretário particular - que não deve tomar mais do que 20 minutos de seu precioso tempo no total, que vitória! - e rua. 
Quase 1 h depois toma a calçada para si e sai, ainda engravato com o novo terno comprado de corte mais seco, andando a esmo; bem diferente do que fizeram os romanos quando da conquista da Gália e logo após, quando invadiram e conquistaram boa parte da Britânia. Ergueram duas muralhas, como ele erguera uma em seu castelo invencível habitado por três seres, e ficaram por séculos. Tudo muito bem calculado e feito. Contratempo houve, como há agora para ele neste tempos caóticos de misturar os pensamentos.

As ruas estão cheias e as padarias e cafeterias também neste fim de tarde de julho. 
Andando na região, passa em frente da padaria que costuma quase todo dia parar e tomar a média de sempre. Ao entrar sabe que não vai encontrar o cara de sorriso metálico sempre escancarado para ele, porque fora daqui para outro emprego, o tal do concurso que passou; porém, entra e o procura como fazia até pouco tempo atrás.
Nada, mas já esparava pelo nada.
Com o tempo livre ainda pelo fim de tarde no inverno mais frios dos últimos anos, seus pés dentro dos sapatos pretos estão frios; nem as duas meias resoveram isto durante o dia.
O banco de sempre, na esquina de sempre do balcão; um café preto coado em pano e... A surpresa do dia na forma de um toque no ombro ("as ideias não correspondem aos fatos...")

--- Oi, tudo bem?
Vira-se e vê o concursado sentando ao seu lado.
--- Você por aqui? O que anda fazendo? Achei que já estivesse no novo trabalho... Trampo como diz você. No Fórum do centro que você vai trabalhar, estou certo? Que surpresa!
--- Perguntas e mais perguntas. É o que mais as pessoas têm feito a mim. Vamos lá explicar: foi uma vitória eu ter passado, ainda mais eu, que vim lá do Grajaú, criado pelo meu irmão mais velho, escola pública, segundo grau feito mais tarde, pouco tempo para estudar as apostilas, muito trampo aqui na padaria. Hoje eu sou freguês e acho que tenho razão. Sim, no Fórum João Mendes, na Sé.
Riem juntos.
--- Consegui vencer as adversidades eu acho. Né?
--- Claro que venceu. Derrubou aquele muro que cercava você e que o impedia de ir mais adiante, que o impedia de ir além. Parabéns. Que vitória!
--- Agora estou pensando em me mudar. claro, daqui uns seis meses mais ou menos. Quero morar mais perto do trabalho, aqui na região central. Vai ser melhor para mim e para o meu irmão: minha cunhada não vai muito com a minha cara não... 

Diante deste início animado e surpreendente, entabulam uma conversa que deve durar um tempo razoável, até que a noite os avise que é hora de ir para casa. O metálico rapaz mora longe, no bairro da zona sul e demora mais 1h30 para chegar lá. Enquanto ela não cai vencendo o dia, ambos se permitem permanecer como velhos amigos que há muito não se encontram.
Hoje a vitória dele foi desprender-se do tempo e pensar que quanto mais demorar para adentrar no castelo e erguer as muralhas, maior será a vitória conquistada.

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