sexta-feira, 20 de setembro de 2013

96 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - GIRANDO FEITO BATUTA

Reprodução [endereço abaixo]
Pela porta do Teatro Municipal (ou Theatro, como ainda está grafado - igual à escrita antes da reforma ortográfica de 1943), ele pode ouvir o som de ensaio de uma orquestra, como uma banda dos anos 50. 

Ao acaso, acaba de passar pela calçada em frente. Uma música mística animada, metálica a entrar em seus ouvidos. Fim de tarde, começo da noite nos estertores do inverno de São Paulo e acordes pelo ar.

A orquestra que parece ensaiar para um grande baile, de gala "que talvez nem exista mais como antes: homens de smoking, mulheres de longos vestidos e penteados estranhos", pensa. 
Ele para e tenta distinguir qual música estão tocando, mas nada: apenas se lembra de tê-la ouvido quando criança, na casa dos pais, no aparelho de som 3 em 1. A bolacha fazia parte da coleção deles; ambos eram fãs destas músicas instrumentais feitas para dançar.

"Era um CCE, o mais moderno possível para a época. Acho que foi no começo dos anos 80. Todo preto e cinza, avançado e com um som que era pureza total. Vinha com cassete também! Pelo menos para mim era de última geração, para a época era...".

Afrouxa a gravata, entra em um boteco e toma um café no copo, daqueles de pinga, adoçado previamente; ainda assim preferível aos expressos - uma febre na cidade. No bolso interno, o telefone mudo, sem novas mensagens.

Paga pelo consumiu, atravessa a rua e dá uma espiada na porta do imponente teatro da cidade, o mais antigo. Observa sem conseguir detalhar quem está regendo. O que consegue enxergar é um maestro meio calvo, cabelos brancos, mangas arregaçadas gesticulando pelo ar com sua batuta freneticamente.
Chega uma mensagem. Volta-se de costas à entrada para melhor ler.

"Estou bem perto de vc. Quer me conhecer? Vamos orquestrar este encontro já e desamarrar este nó antigo? O que acha? Perdi vc de vista logo que atravessou o prédio da Prefeitura. Onde está? Eu aq na pça do Patriarca, ao lado da igreja. Vamos?"

Sim, a ansiedade tomou conta dele como há muito não acontecia. A sanidade cedeu espaço a ela. Fica nervoso com o recado. Mais ainda, porque ele tem a certeza que é um homem. E uma pessoa do sexo masculino apaixonada por ele trazer-lhe-ia, se fosse mesmo, um constrangimento interno grande. Ficará sem saber o que fazer. 

De imediato sente o suor escorrer pelos sovacos, nas costas e peito. Rodopia para e para cá feito a batuta que acabara de ver: não pelo ar, mas sim pelas ruas. Girando e suando.
Escorrendo...

Enquanto isto a orquestra para por segundos. Retumbantemente, como em uma apoteose, retoma em seguida tocando um clássico do cinema, de uma época que nem sequer seus pais estavam casados. O maestro está lá, girando, os instrumentos tocados soltando notas pelo centro da grande cidade.

http://blogs.ft.com/tech-blog/2011/07/13/

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