terça-feira, 13 de agosto de 2013

90 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - A CORRIDA TEM QUE PARAR

Reprodução [endereço abaixo]
Telefone tocando sem parar.
Avisos de mensagens pela rede social.
Secretário avisando de reuniões e compromissos.
O outro telefone também tocando.
Emails chegando; maioria sem resposta.
Planilhas em profusão vindas por download.
Relatórios a serem lidos para pareceres imediatos.

E ele preocupado com tudo isto por todos os instantes deste dia de agosto. Até agora, porque logo antes do almoço uma fome primitiva o avisa que nem mesmo torrada comera pela manhã - bem cedo - hoje. Demorara-se mais no banho divagando sobre como o dia seria produtivo e acabou atrasando-se. 
Faz tudo corrido. Até que o estômago o lembra que é hora de parar e ingerir algo de sólido.

"Bem lembrado, seu apressado exagerado: eu também mereço os 'frugais prazeres da vida'. Estou correndo desde que saí do banho. E que foi 'incompleto'. Mas mereço uma parada. Afinal, venho de onde todos vieram e acho que devo ir para onde a maioria vai. Para onde vai a maioria? Sei lá, porém tenho certo para mim que vou com esta tal". 


Descendo os mais de 30 andares do grande edifício da Editora Paulista para comer algo antes do almoço. Apressado, faz tudo corrido até perceber que o elevador para em vários pontos em sua escalada rumo ao térreo. Olha no relógio, a porta se abre e então, diminui o passo.


--- Vai almoçar já, senhor?
Quem pergunta é o chefe da segurança da editora. De maneira afável, com o sorriso estampado nos lábios e o terno impecável no corte pelo corpo, ele sempre o cumprimenta. O bom humor é a marca de todos os dias nesta relação.

--- Ainda não, mas me deu fome. Quer algo da padaria? 
--- Não,  muito obrigado. Vou almoçar daqui uns 10 minutos, se eu comer agora, corro o risco de perder o apetite. O senhor sabe: tenho que manter a forma. Até para dar o exemplo a todos os subordinados aqui. Mas obrigado mesmo.
--- Ok, tudo bem. E eu corro o sério risco de morrer de fome. Arruma a gravata, ela está torta. Muito torta. Você é a chefia máxima aqui embaixo. Tem que estar de acordo. 
--- Tenho que aprender a dar outro nó. Só sei três.
Ele riem.
--- Sorte sua, eu aprendi só dois. Tenho um link que vi outro dia com todos os tipos de nós, vou te mandar.


Sem pressa, ele estaca logo na saída e vê o movimento da rua, que pulsa, corre e trabalha. Dirige-se à padaria com apenas um telefone. Calmamente senta-se e resoluto, firma-se no banco do balcão e observa o lugar, cheio, apressado, com ruídos vários. 
--- Um café, duas torradas. E uma água mineral, sem gás.
E bebe. E come. Tudo devagar. Respondendo e confrontando seu pensamento de que tudo está atrasado hoje.  Neste momento de delícia de vagar, seu coração se apruma e bate com mais compasso "atendendo" à ordem vinda de cima. "Devagar homem! Calma homem". 

Sente-se com certo tesão até em poder romper o vínculo do atraso imposto por ele mesmo desde cedo e recorda-se das horas de prazer, de delícias, nas quais misturava-se ao calor de seu antigo amor. Nem tão antigo, nem tão recente. Endurece-se e arruma-se porque a calça de social é de tecido fino e um tantinho justa.

Sorri pela lembrança. Nunca corria daquele amor, só corria para aquele amor. E quando juntos estavam, rapidez e calmaria se misturavam. Quem ganhava a corrida era quem se dispunha a não ganhar nada. Só prazer, só amor, só cumplicidade.

Até mesmo a conta veio devagar. E ele nem tem pressa.

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