quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

67 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - TUDO RETALHADO

Reprodução [sítio abaixo]
"Tudo retalhado, recortado, picado como fazem as crianças em alguma aula do jardim da infância. Tudo em muitos pedaços que tornar-se-ia impossível juntar e montar como um quebra-cabeças que se pendura em paredes vazias. Armaduras, utensílios domésticos, armas, manuscritos, roupas, ramos de árvores. Até os cogumelos crescidos pelo chão de matéria morta. Tudo retalhado sem pudor algum. Ele tenta entender qual a razão. Vê logo na frente, estátuas perfeitas de homens também retalhadas, em pedacinhos de mármore branco: dedos, braços, orelhas, joelhos... Tudo pelo chão espalhado em uma pequena área próxima ao seu castelo invencível. Onde estão seus protetores e adoradores, aqueles que o seguem sem discutir?

Pelo vento que vinha do sul, arrepiam-se os pelos de todo o corpo quase desnudo. Neste caminho que nunca passara, nem sabia porque teve que passar por ali hoje, um dia de sol estrilante - coisa rara por estes arrebaldes do extremo do império - que a tudo incandescia e emprestava um pouco de calor.
Em volta, tudo retalhado. Caminhou para chegar em outro local, para achar de volta sozinho o caminho de volta - onde estão seus dois soldados imediatos? - e acabou deparando-se com a tal cena que nunca vira. Quem fez tal façanha teve tempo e o fez com precisão que deveria ser invejada por qualquer um que quisesse aniquilar um inimigo. Está tudo assim: um bom serviço, perfeito, sem que haja algum vivente que possa discordar.  Sim, aqui não se trata de beleza, tampouco de estética. Trata-se de impressionar-se para observar e aprender. 

Mesmo com o sol, o vento insiste em vir gelado e forte, apagando de quando em vez o calor do sol, o que faz que ele saia do estado letárgico e decida caminhar, sair dali sem olhar para trás. A imagem permance na mente com ele caminhando de volta à sua fortaleza. 
Pelos retalhos vistos, ele subjuga todo o resto de seus pensamentos. Apenas a vida toda picotada dele e de seus auxiliares soldados protetores tem lugar em seu raciocínio. Sabe pouco da sua vida e da vida deles... Quase nada. Apenas as histórias que contam que envolvem alegrias poucas, tristezas mais que poucas e desavenças usuais. 

'Pelo menos eu posso ser um muro de lamentações para ambos. Acho que alivia quando eles me têm como um bom interlocutor que sabe ouvir até o fim, fazer perguntas pertinentes, além de dar conforto com um conselho que, creio, ajuda-os. Sei mais de um que do outro. O mais baixo recruta também é o mais falante, o mais novo e o mais precisado que se faça entender e ouvir. Ele anda muito introspectivo. O outro, de patente logo acima, é quieto e tem uma precisão absoluta quando deseja algo, sem meias palavras. Ainda é pouco, devo dar mais atenção a eles. Tão diferentes e tão iguais em me proteger e me venerar. E eu? Sei lidar, respeitar toda esta veneração sem me tornar um imbecil semi-deus'.

Por um caminho mais longo em um meandro dele, depois de longa caminhada, o castelo é visto. A sensação de alívio se traduz em felicidade e correria para chegar mais rápido, mesmo estando ofegante e com os pés machucados pelos retalhos. Mais ainda quando vê seus sentinelas à porta do castelo gritarem por ele a mesma frase
--- Onde estava?
O mais jovem diz com a voz alterada.
--- Procuramos por todo castelo, do calabouço mais profundo à mais alta torre. Mergulhamos no fosso para ver se tinha caído e vimos as imensas ratazanas nadando e comendo restos. Preciso de sua atenção. Aconteceu uma coisa horrível comigo e minha família... Com minha mulher, não sei o que fazer! Onde estava? Parece que minha vida está toda retalhada em mil pedaços pelo chão.
E o abraça efusivamente como se fora a última vez que o visse. O outro, observando e mais contido, põe a mão no ombro de seu superior hierárquico e se satisfaz. Para ele, apenas o toque e tê-lo nos olhos já são motivos de tranquilidade.

http://sdoeden.areavoices.com/2011/08/

Um comentário:

Anônimo disse...

Caminante no hay camino...