sábado, 2 de fevereiro de 2013

64 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - COMEMORAÇÃO

Reprodução [sítio abaixo]
E o dia chega. Sexta-feira, em fevereiro, o mês mais curto que derrete, antes do carnaval, completa 46 anos.
Abrindo os olhos vendo o teto e um pedaço do travesseiro em cima de sua cara, 'surge' na hora o aniversário para se lembrar. Ocorre há décadas. Ainda em silêncio pelo castelo invencível, usualmente antes da hora de levantar, ele espreguiça e permanece na cama; o dia começa a entrar pela janela fechada vencendo a escuridão das horas da madrugada. Dá para ouvur o barulho da chuva na sacada que vem lá da sala (não há porta fechada dentro do castelo, basta a da frente e a da cozinha - "dois buracos ao mundo").

"Sempre acho que nasci na época errada, desde quando eu estava no ginásio; faz tempaço. E quando este dia diferente chega, este pensamento é mais concreto. Tenho até mesmo o desejo de ter vivido numa outra época. Hum... Em duas épocas, mas sem esta de ter vivido outras vidas passadas. Apenas queria ter vivido àquele tempo. Podem ser separadas por alguns séculos, aí eu posso escolher".

Fecha os olhos alguns minutos montando uma HQ para confortar-se sobre viver em outra data sobrevivendo nesta de hoje - do seu aniversário: no século II, quando Roma dominava tudo de mais importante no Ocidente sob Trajano ou sob Antonino, ou ainda lá pelo ano entre 1100 e 1200, na Escócia. Dez minutos depois pula da cama com uma câimbra na perna esquerda acordando o conselheiro-mor e o príncipe herdeiro; a caminhada matinal rotineira pelo apartamento tem sua vez. Com tempo, ele prepara o café, alimenta seus companheiros e decide sair com o Rex antes de ir trabalhar. Uma caminhada fazendo o quadrado (que é um trapézio regular, na verdade) pela quarteirão para que ele possa aliviar-se e aguentar até mais tarde, logo à noite. Resolveu o problema canino fisiológico.
Barba feita, desodorante sem cheiro. Tudo pronto e tudo passado e impecável em sua roupa, com ternos - claramente - escuros de todo dia, sapatos pretos com cadarço e solado de couro, "como precisa ser", segundo ele. Carinhos em ambos, um último gole de água gelada em cima da boca amarga de café quente, porta trancada nas fechaduras, elevador e o bom dia ao zelador. A rua: agora, ele terá que se haver com o mundo neste dia de aniversário insuportavelmente inadiável desde uns 10 anos para cá.

Pela hora do almoço seu estômago ronca bem alto adiantando que não esperará por muito tempo toda aquele trabalho infindável. ele então para tudo e mais cedo que o usual, sai para comer. O telefone toca, Maximiano do outro lado.
--- Parabéns! É hoje seu dia né?
--- É sim! Obrigado pela lembrança.
--- Anotei uma vez que a foi à padaria no meu telefone. Faz tempo! E como você está? O que vai fazer logo mais? Comemorar em grande estilo? 
--- Que nada. Saindo daqui do trampo, vou para casa. Cansadão para cacete.
--- Vai nada - e ri sabendo que o convencerá. Vou passar aí lá pelas 19h. Convidando para um chopp, uma cerveja. Tem jeito...? Por que não aceito não como resposta.
--- Liga um pouco antes então porque não sei que horas o trabalho vai terminar hoje, ok? Tenho uma reunião no fim da tarde.
--- Para de inventar! E ri mais uma vez. Eu te ligo, mas vou ligar daí debaixo do prédio imponente onde você ganha seu pão! Eu tenho uma novidade para falar. 
--- Ok, se eu atrasar muito, aviso você.

No meio da tarde, concentrado não mais na reunião, até porque ele fora desmarcada pelo chefe supremo do último andar, ele tem pouca certeza se quer mesmo estender a noite no dia do seu aniversário, como se parecesse uma comemoração, uma celebração.

"Posso ligar e dizer que a reunião está longa com um clima tenso e que precisamos resolver todo o problema ainda hoje. Que mentira! Acho bem pouco provável eu fazer isto, não gosto de mentir. Aprendi com o passado de mentiras que me contavam e que, por instinto de sobrevivência torto, entrei no jogo desta roda. Também tem que ele vai vir aqui e pode não acreditar em um sequer fonema que eu lhe fale... Mas me agrada por um lado ir e tomar algo, já por outro sei que vou sentir saudade do meu castelo invencível, inexpugnável, intransponível e secular. Espera! Na verdade, é bem estranho este Maximiano querer me ver hoje, sendo que temos nos encontrado direto. Porque? Ele parece bem no trabalho, então dinheiro não vai me pedir. Recém-casado, portanto não deve ter tantos problemas 'irresolvíveis' pendentes. Pelo que eu sei e o que consta, porque ele mesmo faz questão de falar sempre, é que o casal se ama. Qual será a novidade que ele vai me apresentar? Bem, já que estou livre e são quase 18h, vou terminar de passar a agenda da semana que vem com o secretário falante, fechar tudo e zerar o expediente".

Às 18h55, o metálico Maximiano liga avisando que está no saguão da recepção esperando-o para irem comemorar o dia dele. Descendo pelos elevadores, Ápio Licínio liga cumprimentando-o também, causando ainda mais estupor e sensação de surpresa. 

"Nossa! O veterinário do Rex e do Felino me ligar? Que coisa mais inusitada!  Nunca podia imaginar isto. Nem me lembro de ter passado a data de aniversário para ele... Hum... Lembrei, foi na própria clínica quando fizemos toda a papelada dos bichos e com dados pessoais meus.Foi quando levei o Rex para o retorno. A recepcionista me disse que é uma gentileza e 'nem precisa falar o ano, só dia e mês', sorrindo. Para quem não gosta de surpresas, nada fora da ordem, o dia está bem cheio".

No saguão ainda lotado de gente indo embora, seguranças com ternos que parecem de ontem, secretárias falando ao telefone e faxineiras iniciando o turno da noite, Maximiano o recebe com um sorriso expressivo e lhe dá um grande abraço apertado com palavras de "muita paz e saúde, porque você merece, você é um cara muito gente boa".

--- Fala aí! Qual é a novidade?
--- Ah, você nem imagina. Vamos lá na padaria e eu te conto. Hoje a despesa é por minha conta. Sem choro e sem vela, doutor das letras! Quero só ver sua cara quando eu contar!

O amigo põe a mão em seu ombro desavisadamente e caminham juntos naquela quase noite de horário de verão com céu prenunciando chuva. Deve ser uma daquelas que inundam a cidade de São Paulo.

http://www.123rf.com/photo_15486808_two-happy-friends-celebrating-a-joy.html

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