quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

VIAGEM CII - ANÔNIMO CONTA COMO MATOU

Reprodução [sítio abaixo]
Paulistano de nascimento, nunca pensara em morar em outra cidade do Brasil que não fosse São Paulo. Por aqui, havia liberdade para ele realizar o que lhe era interessante e tudo o que a cidade própria carecia; e ele se dispusera a ajudar. Milhões e milhões que fazem de qualquer um deles um anônimo, mesmo àqueles que desejam sair do anonimato com investidas no meio artísticos, social, dos grandes empreendimentos e do mundo do crime. Nem pior, nem melhor do que outras cidades Brasil afora ou mundo afora. 

Ele mesmo prezava, preservava e desfrutava do anonimato que só São Paulo podia lhe dar em meio ao mar bravio de gente que aqui nasceu e aportou; pessoas vieram de todos os lugares, misturando-se e criando tipos diferenciados. Dele podia-se dizer de um tipo comum: moreno claro, altura boa, corpo normal tendendo a ficar parrudo, entradas fortes e francas no cabelo castanho de alguns fios grisalhos, barba cerrada como arame, olhos castanhos, "il naso veramente italiano", modo de se vestir usual, dirigindo um carro comuníssimo; tudo isto com cara de quem se parecia com um vizinho ou parente que fosse. Qualquer um de nós podia tê-lo perto.

Mesmo com a nova investida na câmera de fabricação chinesa em uma investidura "meia-boca" no mundo dos vídeos e gravações, ele não se deixava sobrepujar pela natural tentação de se tornar famoso, custo que fosse. Preferia continuar tudo como sempre fora. Mas que encantado ficara pelo novo aparelho saltava aos olhos; nem desmontava mais todo o circo armado na garagem úmida do velho sobrado comprado por esforço próprio: ele só trocava de dvd e fazia um vídeo atrás do outro.

"Estou devendo contar como comecei meu trabalho extra nas horas vagas... Sim, eu sei! Fiquei de contar várias vezes já e sempre dou uma desculpa? Ah, nem é assim vai. Como? Não quero contar? Claro que quero e as desculpas eu dei mesmo porque só queroa criar mais curiosidade e além do que, da primeira vez, a luz acabou, recorda? Chovia feito balde por toda a região metropolitana. Não entendi, repete! Hã? Para, eu vou contar sim! Só rindo mesmo... Eu to aqui, sentado no banquinho alto, em frente à parede nua azul-clara, do lado do meu semi-novo sedã de velho com a boca sentindo o gosto do tablete de chocolate que acabei de comer. Olha, ainda tenho chocolate nos dentes. Hahaha. Cigarro queimando aqui no cinzeiro, copo de conhaque na estante. Ok! Não vou mais demorar, calma! Você quer desde quando eu percebi que teria que fazer alguma coisa? Porque isto aconteceu, esta sacada, na minha adolescência. Acho que eu tinha uns 15 anos. Não? Ah, quer saber como aconteceu da primeira vez sem o porquê do passado? Está bom, acho que fica meio desconexo, porém, se assim deseja...

Mais uma grande tempestade se aproximava com rapidez e a luz começou a falhar por todo o quarteirão. Sem sentir-se intimidado, manteve-se firme em contar o início de seu ótimo trabalho de quase todo dia. Como um ator de teatro que atua em uma peça, que com bom público sempre está em cartaz, ele não se distraiu e apenas atormentado como que era (e todos somos) postou a voz e deu início ao espetáculo.

"Serei o mais breve possivel, ou o melhor que eu conseguir, ok? Um gole antes para molhar a garganta. Pronto. A garrafa onde está? Já vi, fiquem tranquilos. Bem, iniciando. Faz alguns anos já, para ser exato, faz 23 anos que eu me mantenho concentrado naquilo que eu faço.No dia, eu acordei decidido a fazer o que pensava. foi uma atitude merecedora de um prêmio, mas não ligo para prêmios. Tinha recém comprado meu primeiro carro, a álcool, e na madrugada de uma terça-feira, passeei por uns 30 minutos aqui pelo bairro mesmo. De repente, eu estava indo sentido Santos, ali na avenida Ricardo Jafet. Vi um assalto na esquina onde eu parara o carro por causa do farol... Não lembro se já havia farol de três tempos, mas acho que sim. estou falando isto, porque demorou e eu pude ver tudo. O cara, o que seria um mano nos dias de hoje entra em luta corporal com o engravatado. Este, um brasileiro de cor de europeu, revida e muda o jogo e começa a desferia chutes e pontapés no brasileiro cor de brasileiro. Não tive dúvidas. Parei  o carro e a sanha carcomia meu corpo (vale dizer que hoje eu estou mais controlado da sanha. Sim, o prazer só aumenta, mas hoje eu sei que preciso fazer porque eu gosto de fazer. Àquela época eu só gostava). Bem, encostei o carro e fui falar com eles. O executivo mandou eu não me meter e me fuder, e o bandido, já quase se levantando, pedia ajuda. Não tive dúvida: quebrei o pescoço do bacana quando eu fiquei atrás dele: uma gravata no engravatado e ouvi o osso do pescoço se quebrando fácil, fácil... Depois fui pesquisar e acho que quebrei a vértebra C3. Só uma caótica tentativa de se desvencilhar e ele jazeu inerte no chão sem gritos, sem sangue, e então, caiu como uma jaca podre. O outro, assustado, e rápido correu em direção ao meu carro, abriu a porta do passageiro. 'Ah,vai me roubar, seu filho de uma puta?!', eu disse para ele. Quando entrei no carro, ele tentou sair. Ah, não teve jeito, nem titubeei um segundo. Peguei pela garganta, com os dedos afundando nela e apertei até ele começar a ficar roxo, olhos esbugalhados. Acabou, foi assim".

Para não descombinar com os outros dias, à noite, a luz acabou depois de um grande raio caído ali por perto. Satisfeito com o desempenho de hoje em contar como acontecera a primeira vez, ele subiu as escadas e deitou-se sem o banho da noite e pegou no sono tão rápido que nem teve tempo de ouvir o próximo trovão, seguido pelo óbvio raio. 

http://www.getthefive.com/articles/the-in-crowd/small-cities-are-enough-for-many-millennials/

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