terça-feira, 21 de abril de 2015

25] CENÁRIO SP - ENCONTRO NO METRÔ

Reprodução [endereço abaixo]
Apressadamente ele sai de casa quase atrasado. Quase porque nunca se atrasara para dia nenhum de trabalho e não seria agora, o primeiro dia em uma grande empresa do ramo da fabricação de computadores. 

Abolira a gravata - assim o recomendaram que deveria ser - mas o sapato preto lustrado à exaustão e a calça de terno vincada com ferro a vapor demonstra sua inequívoca preocupação com a indumentária pelo simples fato de que trabalhará junto à diretoria da grande corporação brasileiro-americana.

A estação do metrô da Vila Mariana distancia nem mesmo 200 metros de seu apartamento e para chegar à estação Praça da Árvore não se quedará mais do que 10 minutos. Agora são 8h05, entra às 9h. Bem alimentado como convém, esperto na vida como fornece a caneca de café amargo, ele entra na fila para comprar a passagem: ainda não adquirira o bilhete único. "Farei o cadastro on line e dentro de três dias retiro aqui perto da Santa Cruz".

Depois de 10 minutos ele está dentro da estação, vindo da rua Domingos de Morais.
A fila um tanto longa anda devagar, com duas senhoras juntas a comprar, uma mãe e dois filhos pequenos, quatro estudantes do ensino fundamental; e então um homem mais ou menos em sua faixa etária - uns cinco anos mais moço -, todas elas em diferentes graus estão demorando para realizar o simples ato de comprar por R$ 3,50 o tal bilhete.

Porém o cara da sua frente procura, procura e procura por moedas em seus bolsos e nada. Tremendo e visivelmente alterado, deixa cair carteira, óculos escuros e o anel que, ao contrário de usar no dedo (não é óbvio isto?"), o segura na mão esquerda; quer dizer, segurou porque agora ele se ajoelha para vistoriar onde pode ter caído.

--- É de meu avô. Cara, me desculpe, mas tenho que achar.
Disse ele virando para trás, onde se encontra o personagem do início.
--- Está debaixo daquele vão da cabine, pode olhar. Eu vi quando caiu.
--- Nossa! Nem sei o que dizer. Muito obrigado e estende a mão para cumprimentá-lo.
8h35h e ele ainda está na fila.
Procura, procura e o cara do anel nada de achar os 50 centavos para inteirar a compra. 
--- Posso pagar com cartão? Não? Nem de débito? Compro 10 passagens...
Vestindo um jeans surrado escuro, caindo ali pelas tabelas da bunda, sapato de cano alto e uma camiseta que sim, pode ser considerada justa sem exagero, tudo azul, ele se desespera; o cabelo rapado bem rente parecia ser quase loiro.

Quem se desespera?
Os dois, ora; um porque não tem dinheiro, outro porque já são 8h30 e ainda nem mesmo embarcou rumo ao seu primeiro grande dia. 
--- Olha, eu tenho cinquenta centavos. 
--- Pressa né?
--- Sim, estou com muita. Senão me atraso para o primeiro dia.
--- Parabéns. Estou de férias, penúltimo dia e ontem, quer dizer, hoje ainda não foi dormir.
Compraram a passagem e lado a lado, no entanto, sem dirigirem a palavra um ao outro, caminham rumo ao trem. Na escada rolante, o noctívago quase leve um capote da mesma e se não fosse o trabalhador, ele poderia ter se machucado. 
--- Machucou?
--- Quase né? Ainda bem que me segurou. Ralada no cotovelo, mas nada tão foda.
--- Sobe a calça cara. Está com metade do rego de fora.
--- Ops... E eu saí com cueca, mas agora estou sem...
Riem pela primeira vez.

Chegam à plataforma e por motivos "inconscientes" sentam-se juntos no único par livre de poltronas azuis escuras. Ele olha no relógio do telefone que marca 8h40 passando estação Santa Cruz.
--- Eu vou descer no Jabaquara. Você?
--- Nesta próxima. E acabamos de chegar.
O trem quase parando na Praça da Árvore.
--- Qual seu telefone? Quero te pagar?
Ele olha com certa incredulidade o outro perguntando sobre pagar e telefone.
--- Não precisa. 
--- Claro que sim. Fala que eu ligo em seguida para você.

Por fim, ele acaba passando o número. Mas não crê que o outro vá ligar para ele por causa de nem um real. Desencana, esquece totalmente, afinal, a depender da operadora, a ligação pode sair mais cara que a própria dívida.
Chega às 8h50 e faz o cadastro eletrônico na recepção do prédio de 25 andares.
A manhã passa corrida. E ao sair para o almoço, recebe uma ligação de um número que não está cadastrado.
--- Oi, tudo bem? Ligando para passar o meu número. 
Surpreende-se. Findando a ligação, ele murmura:
--- Os 50 centavos mais caros que já vi. 
E ri, agora sozinho, lembrando da cena na escada rolante.

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