sexta-feira, 24 de outubro de 2014

04] CENÁRIO SP - MARGINAL

À margem de tudo, ou de quase tudo - nem rico nem pobre, nem intelectual nem ignorante nem branco nem negro nem católico nem ateu... Solitário na maior parte do tempo. Pelo tráfego intenso da Marginal Pinheiros em direção a um local afastado, ele, um motorista de táxi, quase na casa dos 40, divorciado, dirige sob o sol das 13h (ou seja, às 12h no horário de "inverno") para encontrar o ânimo em sua vida.

Desgastado por anos de profissão, com uma costela trincada na altura do rim esquerdo, ele ainda tem força para dirigir pela São Paulo desvairada - a mais de todas - e disposição para pegar o tal caminho e encontrar em meio à miríade de construções, gente, carros e quilômetros aquele bloco habitacional, aquele apartamento minúsculo, o ser que lhe proporciona alentos diários mesmo separados por grande distância.

De repente o trânsito para, temperatura de 26°C, rádio ligado em uma estação de música orquestrada com mistura eletrônica (sim, existe! Podem sintonizar no dial, lá no final), vidros abertos. À direita: um jipe importado, vidros escuros que a motorista nem aparece (depois conseguiu ver que se trata de uma mulher dirigindo), modelo 2014, com muitos acessórios e decerto o ar condicionado ligado no último; à esquerda: outro importado, mas de passeio, modelo alemão, cor prata, vidros fechados, com chofer na frente e o passageiro atrás. O carro do motorista de táxi é do ano 2008, verde escuro, quase um modelo popular.

À margem da nova ascensão social. À margem de um antigo amor. Apenas este que ainda não se tornou sem fôlego, desembestado, só um amor que ele está seguindo com toda a sua vontade; o presente embaixo do banco, envolto em um pano grosso para não deixar passar (muito) calor - caixa de chocolate. "Disse-me que é chocólatra depois que parou de fumar cigarro... Acho que vou acertar".

Ele? Nem pensar em comer um sequer que seja: perdera mais de 40 quilos com o regime especial e muito caminhada de quilômetros e quilômetros pelo Parque do Ibirapuera - seu favorito -, sem um só dia faltar. À margem de tanto amor depois de se amargar comendo doces e mais doces recluso, alguém o resgatou. 

O trânsito começa a fluir, pelo menos sua faixa, e ele acelera: pelo retrovisor o carro do bacana é assaltado por dois motoqueiros em cima de uma moto nova, modelo 2015; o garupa desce, quebra o vidro com o cabo do revólver e dá um tiro para cima. A pasta, a carteira e o lap top se vão comendo ar pelas rabeiras da marginal, voando a toda velocidade.
"Estes estão à margem de quê? Do consumo é que não; parece que eu sou mais marginal que todos eles: sozinho, carro velho, quase solteiro... Será que o marginal pela marginal Pinheiros sou eu?".

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