quinta-feira, 9 de outubro de 2014

01] CENÁRIO SP - VELHARIAS

Velharias, coberto de velharias, estava a casa assobradada (um palacete, como diria Adoniran) em uma rua nada movimentada da frenética metrópole-alfa, São Paulo. Ele vivia amarfanhado por antigos amores e meio à bagunça das velharias. Vez por outra, espiava, pela veneziana da sala a rua deserta quase sempre. Meias pretas, cueca e camiseta... 

Talvez um gorro na cabeça onde as entradas já se faziam notar ainda que tímidas; e claro uma boa dose de cafeína - agora sua droga preferida. Porque sentia mais frio hoje todo agasalhado do que antes ao andar de peito nu. E meias, afinal na Terra da Garoa, velhos devem se cobrir por completo.

Nem poderia/deveria ser diferente: com mais de 60 anos, beirando os 70, viveu intensamente até a juventude tardia um passado fincado na tríade que acometia 11 entre 10: sdrr - e não foi pouco não! Quando conseguiu juntar $ e ir para Woodstock, em 1969, e para Iacanga - Festival de Águas Claras - em meados da década dos 70, fritou em todas as apresentações e fez sexo em uma época que não havia Aids e que bastava a penicilina para tratar sífilis e afins...

Hoje não. É só café mesmo - e dos fortes!
"Não tenho nada com isto nem vem falar", só para citar a música que tem ouvido quase à exaustão pelos longos corredores do grande sobrado - que sim, é no Bexiga, colado à Praça 14 Bis. Perto do Carnaval o pedaço ali ferve de samba e negros e negras e brancos e gringos tentando assemelharem-se minimamente que seja com o gingado dos brasileiros.
Mas ele não tem nada com isto - e logicamente que ele nem se daria ao trabalho de explicar para quem quer que fosse.


Pela sacada do andar de cima, ele toma um bourbon americano, de milho, seu preferido, e percebe a vida passar pela manhã de hoje toda distorcida, fantasiosa, vendo todas as pessoas nuas que passam pela rua de pouco movimento; lembra-se das orgias que participou nos festivais e nos becos das bocas do lixo que existiam na São Paulo anos e anos atrás. Tira sua cueca e fica nu sentado em uma confortável cadeira. Mais uma dose e é claro que ele é assim: vontade de sair pelado pela rua, ereto com vigor.

"Se pelo menos eu tivesse uns 40 anos menos, ou 30 anos... Talvez 20 já ajudassem nesta coisa toda. Eu deveria ter feito antes". As pessoas continuam passando peladas e agora acenam para ele descer e se mostrar. A garrafa continua sendo consumida até ele resolver se deitar no chão limpíssimo da sacada. Dorme do jeito que estava antes.

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