domingo, 21 de abril de 2013

73 - ALEATÓRIAS HISTÓRIAS - A SURPRESA

Reprodução [sítio abaixo]
Chega em 30 minutos no restaurante nem vegatariano, tampouco vegano; mas não exatamente uma churrascaria com carnes expostas sanguinolentas para preencher o bucho dos carnívoros humanos: como se fora um butim pantuagruélico; parece. Logo o vê na área destinada à espera por mesa: Maximiano toma um café olhando a janela furtivamente batendo o dedos na mesa. "Será que um rap? Ou um samba? Ou nada disto?".
Barulhento de vozes e tilintar de talheres, pratos e copos porque o local está cheio às tampas, como deve ser um domingo comum em qualquer cidade grande, ainda mais com a febre vegana se espraiando - mesmo que meio capenga.

--- Oi. Tudo bem?
--- Opa! Oi, tudo bem? Estava tão distraído. Nem vi você chegar. 
--- Cheguei agora. Nem demorei né?
--- Bastou um minuto tirar os olhos da porta e você entrou. Eu estava "vigiando".
Ele faz uma cara interrogativa; o metálico rapaz ri.
--- Calma. Brincadeira! Senta aí um pouco. O garçom veio agora disse que tem uma mesa que já vai vagar lá no andar de cima. É até mais tranquilo.

Pelo almoço a conversa flui em amenidades, ambos se levantando para se servirem do bufê disposto na área central do piso térreo. Verduras e legumes frios e quentes, folhas, grãos, fibras e um peixe ao molho de mostarda para quebrar a monotonia vegetal. E claro, arrozes de vários tipos . 
Na hora da sobremesa, vem à tona a conversa, que ainda não transformada em surpresa. Maximiano começa a falar sem papas na língua, como é de seu costume e porque, segundo ele, aprendera assim desde a infância difícil lá no bairro do Grajaú. E não vai ser agora que vai ser diferente.

--- Estou tendo um caso com minha cunhada. Quer dizer, é só sexo.
Ele mantém-se quase impassível com a famosa fluegma inglesa elogiada à mostra. Na conversa anterior
--- Da sua parte e ela está apaixonada?
--- Não, o contrário, quer dizer, não sei. Acho que estou gostando dela, começando a gostar. O sexo é muito bom cara! Ela me atrai muito. Fica andando de camisola pela casa à noite. Meu irmão trabalha de madrugada e só chega às 7 horas... Aí você já viu né?
--- Não vi, mas imagino! Né?
--- Tem mais. Ela está grávida e não é do meu irmão, porque ele fez vasectomia. Acho que é meu o nenê. imagina só: virei reprodutor! Vou ter 2 filhos daqui nove meses!
E ri descaradamente com satisfação.
--- Cara, camisinha nada? Você nunca usa?
--- Tem mais.
--- Nossa, mais? Abriu a caixa de Pandora?

Seu interlocutor faz uma cara de "não entendi o que você disse".
--- Quem é Pandora?
--- Nada, deixa para lá. Qual é a terceira parte da surpresa?
--- Bem, aí é que a coisa toma vulto. Além de eu estar gostando dela, e ela só querer foder comigo, descobri que meu irmão quer se separar dela. Porque a casa é dele e ele vai mandá-la embora.
--- Sim, e daí você vai poder morar com ele. Quer dizer, isto se o filho não for seu...  Eu acho que dá para ficar lá.
--- Com o namorado dele junto?
Mais uma repentina pose de inglês inalterada. Por fora, porque por dentro ele pensa "como um cara pode ter tantas coisas acontecendo com ele, ao mesmo tempo e envolvendo pessoas tão próximas"...
--- Seu irmão é gay? Mas...
--- Cara, é gay. Acredita? Eu nunca pensei isto. Ele nem tem jeito de viado, não desmunheca, não fala mole e pelo que eu soube, porque lá na vila onde eu estou morando a gente sabe da vida de todo mundo, ele é que faz o papel de macho, ligado? Cara, o namorado dele é o filho do vizinho da frente, o moleque tem 22 anos. Meu irmão tem quase 40 anos!

"Será que eu vou ter que gastar meu latim, o pouco que sei dele, e explicar para ele que os conceitos que ele verbalizou são estereótipos e que as pessoas são mais que os estereótipos, que idade não pode ser um condicionante imposto ao amor". Pronto para abrir a boca, o metálico recomeça.

--- Acho que eu poderia mesmo morar lá: eu e ele mas morar junto com eles? Não tem jogo não! Acho que nem só nós dois, agora que eu sei dele.
--- Porque?
--- Porque eu não curto, porque ele é meu irmão e a casa sendo dele, não sou a fim de ficar vendo, ouvindo coisas que não quero. Imagina! Não vou poder nem andar de cueca, sair pelado do banho, nada. E pensar que meu irmão me enganou a vida inteira. Eu fico de cara, meu! Situação está osso!
--- Pensei que você fosse mais descolado. Livre de preconceitos, pelo visto você é tão careta como as pessoas de outra geração. E tem mais...
--- Não é isto...
--- Espera, você falou. Agora é minha vez, ok? Senão não é diálogo, é monólogo. Mas olha, antes de qualquer coisa, duas coisas eu falo para você: primeira - ele é seu irmão e te deu uma força quando você se separou de sua mulher crente, portanto, acho que isto é ingratidão de sua parte; segunda - meu, estou surpreso com seu pensamento tacanho, careta sobre os gays. Não difere em nada dos fanáticos crentes que você tanto critica. Vocês são iguais. E quer saber mais? Não vou falar mais nada não. E quer mais uma coisa ainda: estou indo embora. Almoce sozinho com todo o seu preconceito e ingratidão.
 --- Calma! Não vá embora. Quero explicar!

--- Já está explicado: você é ingrato e preconceituoso. E traidor né? Porque eu acrescento que está gostando de foder com sua cunhada ela sendo casada com seu irmão que te deu abrigo.
--- Mas ele nem gosta dela! 
--- Não interessa, estão casados. Sua postura no negócio todo demonstra bem como você é e como pensa. E como age em prol de seus únicos interesses.
--- Eu não sou assim não!
--- É sim. 
--- Porque ficou puto assim? Bravo para cacete!
--- Não estou bravo. Tanto não estou que nem vou discutir e vou embora. Estou muito surpreso e já me deu preguiça de almoçar aqui em sua companhia.
 
Ele se levanta com calma, passa no caixa e paga seu cartão e sai do local aliviado. A pé, a passos lentos, pensa como o mundo é assim mesmo sem tirar nem pôr nada. Ao chegar em casa, deita-se na cama e dorme pesadamente sem atender as chamadas feita por Maximino: foram várias delas.

http://www.crisismagazine.com/2012/the-francis-we-never-knew-surprising-revelations-about-the-man-from-assisi

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