terça-feira, 16 de novembro de 2010

029 - MILHARES DE JANELAS

Na manhã fria fora de época, Duílio observava o mar de prédio à frente, com as milhares dejanelas postas lado a lado, uma em cima da outra, parecendo um sem fim delas. Algumas janelas discretas, raramente abertas, outras sempre fechadas com luz alguma a penetrar, outras ainda escancaradas - indiscretas - sendo possível que se acompanhasse o que dela podia ver. Grandes salas com suas TV de plasma "de modelo de passarela", sofás rechonchudos, almofadas pelo chão e um lulu-da-pomerânia a passear pelos metros quadrados... Um casal?
Espreitanto com a xícara de café gigante às mãos, fumegando como um cachimbo, ele vê só um cara meio corpulento, de shorts, a vagar agora com o cachorro no braço, nada de casal.
Pula de prédio, agora é um pouco mais simples com um dezena de apartamento. Este tem sempre movimento. E aquela de cima, na ponta esquerda, quando chove - como acontecia naquele momento - se preocupa em tirar o canário-da-terra das agruras do céu. É uma mulher, com seus quase 70 anos, viúva, sempre de robe e algo espetado no cabelo; sozinha, pelo que ele pôde perceber. Abaixo da infinidade sequencial de 'buracos' com gente dentro, havia uma janela no 6º andar com um adesivo de "aluga-se" há mais de um ano, sempre escuro, hoje havia luz e gente se movimentando dentro. Achou que fosse o corretor e um cliente porque não arrancaram o "aluga-se" de onde ficava. Mais um espaço vazio.
Ele, que ao contrário do melhor amigo Simão, se julgava diferente de muita gente, ou pelo menos, diferenciado, longe de ser um lugar-comum (ele mesmo dizia que não era isto... mesmo que a expressãonão servisse com exatidão para 'classificar' pessoas), sentia-se, para o bem e para o mal, à margem das categorias inventadas pela supremacia dos supremos; Duílio quase chorou ao constatar que a sua solidão é bem semelhante aos de outros habitantes dos milhões que vivem aqui. Condoeu-se dele. 
Sonhos já se foram, ideais da juventude exposta caíram e hoje, além do primeiro amigo Simão - sempre muito prático e pragmático - o que sobrou foi o olhar pelas janelas, tão iguais a dele que se alguém resolvesse observar como ele fazia naquela manhã fria e chuvosa, depreenderia que ele é parecido ao seu observador.
Virou-se e viu tudo aquilo que possuía frio, longe, solitário.. dele mesmo. Em um átimo, pensou em voar pela janela para sentir o ar bater em seu corpo. Olhou para fora. Mais uma vez para dentro e continuou a ver a si sozinho por um longo tempo no passado. No presente e... No futuro? O que seria?
Teve certo que pessoas a quem pudesse amar não foram feitas para ele. Tão igual às centenas de janelas, Duílio chorou baixo, sem alarde; virou-se à própria solidão do seu quarto. Deitou e dormiu ainda sentindo o gosto do café amargo e forte.

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