sábado, 23 de novembro de 2013

VIAGEM CLIV - RECADO

Reprodução [endereço abaixo]
As curvas do outro corpo na cama quadrada - de viúvo - fazem o espaço ficar um exagero depois que se foi bem cedo, o dia mal havia começado.
("Viúvo? Nunca casei, nem enterrei ninguém", ele pensa)
Pela cama quente com cheiro misturado, ele aninha-se para preservar o calor que tanto procurara e que agora o resgatara daquela vidinha excêntrica de urtigão cosmopolita. Pode permanecer no quadrado enrolado em suor e vestindo tão-somente seus próprios pelos. São as curvas, as proeminências pares e ímpares que o desnudam pela noite - ele permite tal desfrute. E se faz fácil e permissivo.

Passados alguns minutos, o relógio toca despertando-o do torpor da noite que já avança pela manhã. Levanta-se e diz bom dia, faz uma pequena oração em prol deles e dos bichos. Chamado da mãe natureza longo e preguiçoso.
Saiu cedo sua companhia de meses - diariamente - deixando um recado no ímã da geladeira branca, tinindo de nova; o bilhete poderia ser velho e repetitivo, rascunhado, com palavras já ditas à exaustão sem o exaustivo enfado que costuma acontecer quando as pessoas amam.... Ou melhor, quando as pessoas se amam. 
("Porque amar sozinho nem amar é! Agonia é!")
Mas escritas com um calor que nem combinava com o frost-free antártico que se fazia presente abrindo-se a tal. Porque o dia será de calor em São Paulo, marcando uns 30°C e tantos; mais quente mesmo só café já preparado na térmica que, aberta, fumega produzindo o cheiro mais tesão do mundo.

"O mais tesão? Não exagera! Tem o cheiro da cama que é mais tesão. O cheiro do travesseiro molhado de suor que é mais tesão". E ri sem medo. Forte, retinto e amargando suas papilas, ele se lembra-se que quase está atrasado para o trabalho. Banha-se, barbeia-se, veste-se. E ama tanto que já sente saudade. Calma! Não é saudade daquelas que sufocam feita uma prensa esmagando o peito. Que nada!
Só aquela saudade de chegar logo 19h para poder abraçar, ser abraçado, beijar, ser beijado. Poder falar e ouvir com especial interesse tudo o que sai daquela boca.

No caminho de meia hora já na volta manifestações gases lacrimogênios, policiais, mascarados, corre-corre, balas de efeito moral e trânsito desviado. Pela janela vê tudo passar diante como um câmera observa atento, sem envolvimento, os acontecimentos que andam movimentando as ruas dos desvairados da Pauliceia. 
Atraso. 10 minutos. 30 minutos. Mais de uma hora.
Chegando em casa, saudade apertando, o cheiro que tanto lhe traz tesão, a ereção, o faz se apressar em ir ao quarto que ao passar pela cozinha faz o recado da manhã cair dançando pelo ar ao chão.
Ouve então a voz de balsâmica que nunca esquece, a tessitura que derrete o restante do mundo. O som que apaga tudo à volta.
--- Vem aqui, vem, deitar comigo!
E ele vai. Sempre ele vai.

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