quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

VIAGEM XCV - DEPOIMENTO

Reprodução [sítio abaixo]
Depois que teve a primeira experiência com a câmera, montada em um tripé, a meia altura, distância de uns 3 metros mais ou menos, gravação com duração de 15 minutos... Ele tomou gosto pela coisa. Via como uma forma de perpetuar por um tempo o que ele realizava - uma decisão intramuros - para que, a posteriori, alguém, talvez, pudesse assistir e tomar conhecimento de tudo. Este tempo de perpetuação poderia ser muito e poderia ser pouco. Não havia descendentes nem ascendentes, cônjuge de qual esatado civil fosse, tampouco parentes próximos, apenas uns primos de X° grau que moravam em algum lugar da Zona Sul, pelos lados do Borba Gato. Nem se lembrara quando os vira pela última vez.

Como choveu intensamente todos os dias aquelas noites de primavera de forno em São Paulo, ele resolvera ficar em casa... na garagem, mais propriamente dizendo, que, então, havia sido transformado em um pequeno estúdio de gravações. Não que qualquer chuva impedisse de sair em seu semi-novo saedã de velho recendendo a chocolate derretido, apenas quis tratar do assunto frente à câmera com mais rigor para que quando revisse, gostasse. E sim, houve o fator "precipitação pluviométrica" exagerada como há muito não se registrara desde Y anos. Quanto à sessão de antes, ele ainda não havia visto, aquele no qual expressara os enjoos, nauseado que permanecera com tanta desdita.

Com uma pequena janela aberta, a garagem bem ao fundo de seu quintal, a chuva podia se fazer ouvir; luzes todas acesar em um banquinho de girar de metal postado colado à parede de fundo azul-claro. Mudara várias vezes o cenário porque a garagem continha estantes repletas de coisas velhas e de coisas novas também: objetos que eram transferidos da casa para lá, ferramentas, malas, peças pequenas de motor, galões de combustível, botijão e um estoque guardade no frigobar cheio de bebida gelada e, evidente, cheio de chocolate. Um pouco de tudo e mais ainda havia por lá no espaço em que caberiam dois carros com certa folga. 

"Esta aparição pode ser um depoimento, a forma de um. Se é assim, vamos lá... O que pensam sobre? Porque aqui e não dentro de casa. Hum, boa pergunta... Guardo somente o semi-novo aqui. E algumas outras coisas... Armas? Será que existem armas por aqui. Não saberia precisar se ferramentas são armas letais. Estão aí, muitas delas empoeiradas sem serventia já há algum tempo. A bicicleta magrela dos anos 90 do jeito que eu a pendurei faz uns anos, ficou, inerte. Porque?"

Parara de se locomover pela grande cidade com a bicicleta depois do susto e do repentino atropelamento que sofreu ali nas imediações da avenida Jabaquara, mesmo ele estando na faixa da direita, com sinalizador e roupa laranja no lusco-fusco de outono. Não adiantou de nada. Um motoqueiro, assaltante - soube depois -, fugindo da polícia o derrubou metros a frente. Teve ferimentos leves pelo tombo que sofreu, mas o susto...

"Dirigir daquela forma é que é uma porra de uma arma. Eu? Eu não... Dirijo com vagar, respeitando todos os limites de velocidade. Disto ninguém pode me acusar! Disto somente, mas também do que poderiam me acusar, eles não sabem de absolutamente nada, um grande vazio deve percorrer a mentes dos imbecis. eu sou grande mesmo. Repito faixas, dou seta toda vez, não fecho ninguém, nunca paro em cima da faixa para pedestre. sou um dos poucos, é fato. então, é mais um motivo para eu corrigir os desavisados. Como corrigir?"

Durante as suas andanças pela São Paulo que ele vira se transformar em uma das cidades-alfa do 3º milênio, ele impunha sua vontade férrea de tentar minorar os efeitos de alguns sobre muitos... E vez por outra, de muitos sobre alguns. Sobrara pouco para ele e arcar com todo o peso do seu trabalho o ajudava a seguir em frente.

"Olha, existem muitas formas de corrigir. Diferenciam-se pelo que os alvos estão tramando... Fazendo. Tramar é mais intrigante, mais intempestivo e são poucos os alvos que se enquadram na categoria. O que posso confessar, aqui, em minha garagem enfumaçada, nesta noite de chuva, é que há forma indolor e rápida, sem explicações. Outras, e destas eu gosto mais, são bem doloridas e um tantinho vagarosas. Exemplo? Ah, ok. A última tarefa eu escolhi um casal e eu fiz eles saberem por segundos o porquê de tanta dor. Que jeito exatemente? Ei, calma! Vou relatar tudo, desde quando amordacei e comecei...".

A energia elétrica foi-se e demorou a madrugada toda para voltar. Ele se recostou confortavelmente no banco deitado do automóvel, cigarro entre os dedos (que os queimara, mas sem acordá-lo de vez) e dormir no escuro da garagem. Tranquilo como o justo que acreditava piamente ser. 

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