sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VIAGEM XCIII - PAPEL DE EXTRATO

Em um grande banco, todo estatal com a febre inerente dos estatizantes cabides de emprego, ele, em rara vez que se predipôs a pegar uma fila, destacou a senha, foi até a fileira de cadeiras unidas e, em um descuido, derrubou o cesto de lixo para papel. Catou todos e ficou a observar tudo. Virando os olhos para baixo, viu esquecido um, todo amassado que parecia um destes de extrato bancário (claro, estava em um banco), pegou-o para jogar no lixo. Sem saber o porquê, desamassou descobrindo um saldo gordo, mais de R$ 30 mil; o que causara perplexidade, porém, foi uma longa escrita em todo o corpo estreito da tira com tinta de banco, no verso com esferográfica azul. Letra de mão legível e "caída" à direita (parecia de homem). No começo escrito assim, com estrofes (talvez fossem isto) enumeradas tendo início pelo 5:

 5
"O que você fez de sua vida?
Demorando para responder...
Responda.
Você perdeu tempo, não é?
Pelo visto foi.
Agora tome e chore e morra".

6
"Você está se repetindo, não vai dar.
Existe mudança fazendo assim?
Viu que tudo agora é  perda de tempo?
E o seu tempo está se findando.
Quem mandou? Você quis.
Agora, tome e chore e morra

7
"Esqueceu ou não estava nem aí?
Ah, está dizendo que não sabia.
A-hã, não sabia? Mentira, sempre foi inteligente.
Todo os anos se foram em um piscar, não é?
Está velho sim para recomeçar!
Agora tome e chore e morra"

Pôs-se a pensar absorto onde estariam os números 1, 2, 3 e 4 daquelas estrofes porque queria ler todas elas. Se é que eram mesmo uma poesia.... E poderia haver mais, 6, 7, 8 e até haver um caderno de poesias com Oswald¹ escreveu... Mas para saber o que foi feito deste ser que a escreveu, o que fazer? 
"Uma poesia dentro de um banco. Que combinação nada usual!".

¹ Oswald de Andrade, escritor modernista paulista da Geração de 1922

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