quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

VIAGEM XXXV - BICO CALADO


Reprodução
sugiro ler e ouvir a música "Passaredo"
http://letras.terra.com.br/chico-buarque/80825/
[chico buarque e francis hime] 

Ruídos da cidade sempre preenchem seus ouvidos, seja de dia, ou mesmo à noite, em qualquer hora;
há algumas variações entre as horas de escuro e o claro. 

Os esconderijos são os mesmos, 
as pessoas é que mudam neste corre-corre danado que é a vida dos milhões.
Dele também, porque se esconder não é fato consumado. Porque?
Porque não adianta de nada. Ele sempre os vê. 

Alguns tentam se esconder porque sabem o porvir, são os quase espertos
outros nem tentam e mais ainda, outros tentam mas não imaginam a dimensão do todo. Nenhum critério, que ele toda vez altera. 
Não, nada estabelecido nete jogo de esconde-esconde.

O que ele faz e apenas adequar hora, sol, geografia e força do outro. E isto muda à revelia: sem critério.
Lembra-se que na infância tornara-se mestre exímio na brincadeira de sumir dos olhos e ouvidos dos outros.

Mesmo que por horas o jogo houvesse terminado, ele ali permanecia em seu esconderijo, rindo, matutando por dentro e esperando implorarem para aparecer.

Hoje, ele sabe que o espelho lá de trás de se esconder veio a ser o que ele é hoje: ninguém "desaparece" dele. 
Não vinga; porque de vingança ele está eivado pelos acontecimentos perpetrados pelos seu convivas de planeta Terra.

No semi-novo sedã de velho, limpo sem critério algum, ele pesseia pela cidade de São Paulo.
Rodeando o parque da Aclimação, ele nota o cheiro do mato na quente noite de verão. Estica-se todo:
põe o pescoço para fora e sente o aroma puro, fresco inundando às narinas.

Estaciona e espreita. O cheiro invade toda sua pele, de uma sinestesia que não alcançara até hoje.
Sentiu-se aliviado porque, ali no parque, 
a necessidade de arrumar as coisas dos homens é nula.

Simples não é? A presença destes não se faz - não vinga aqui - à noite alta.
Vertido em criança por instantes pelo cheiro enternecedor... Da natureza. 
Os pássaros, grandes, pequenos, os medianos, tão subrepticiamente sobrevivem desde seus ancestrais, os répteis. 
Tão imitados e tão renegados em seus direitos de bater asas e ver tudo de cima (longe da parafernália humana).
Reprodução

Dédalo soube em tempos mitológicos disto tudo.
Em voz alta, clara, e grave desde o tempo das brincadeiras de esconde-esconde. 

"O homem vem aí".
Engata a primeira e deixa a natureza da zona Sul para ir povoar 
os lugares que seus semelhantes habitam. 
Ninguém se esconde das armadilhas que ele possui, por ar, por terra.

"Xô, homem, vai, anda.
Xô homem, se apressa. Não olhe para trás.
Corre, foge. 
Te esconde, porque eu bem te vejo.
E se prepara. Hoje a armadilha é minha".
No rádio, Chico canta 'bico calado, muito cuidado, que o homem vem aí'.

"Se eles soubessem que eu sou 'o homem que vem aí'".

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