segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

42] CENÁRIO SP - O IRRECONHECÍVEL NA RUA DO SUMIDOURO

Arquivo pessoal
Viram-no na rua do Sumidouro. Ele olhava com atenção redobrada cada metro do caminho para chegar mais rápido. Havia uma plantação de chá ali no primeiro quarteirão da dita rua, em um quintal de uma casa "do interior": mas não era chá de sumiço e sim de boldo, amargo como fel, ruim como remédio. Ele fora visto por ali perto. O sumiço ficou por conta de... Outrem. 

Caminhava a passos largos e apressados, em busca de pegar o último metrô para que não sumisse dos olhos de quem ama. Deveria chegar a tempo porque seu amor logo mais sumiria mapa adentro, embarcando em uma longa viagem para a Romênia; e ficaria fora por 12 meses. Porque este país, quase  sumido no mapa-múndi e dentro do caldeirão dos Bálcãs?

Estudaria as plantas dos castelos da Transilvânia em uma tentativa - aparente - de o governo não desfalecer perante os historiadores nacionais e sumir com todas as velhas construções erguidas desde... Desde... Bem, desde mais de mil anos. Havia muitos deles e o trabalho seria de fazer suar por todo o corpo, mesmo que no gelado inverno.

Certeza ele tinha mesmo do caminho que estava percorrendo. Apenas esta. As outras de cumplicidade, afeto, preocupação haviam sumido por parte da outra parte. Ele lutava para que esta metade não sumisse. Queria ser em par novamente, como havia sido por longos anos. 

Só que indo pela rua do Sumidouro sentiu-se tão só, tão desaparecido de si mesmo que mal se reconheceu ao tirar uma selfie para mostrar que estava a caminho, perto, bastava pegar o metrô e desembarcar na Estação Paulista - coisa de nem 10 minutos. Desaparecido e não percebido enquanto tal: um homem que amava, que se dedicava e tudo mais. Preocupou-se com o que estava fazendo.

Transtornado? Não. Triste? Não exatamente. 
Irreconhecível? Talvez.
Tirou mesmo assim e por alguns instantes, sem parar de quase correr, observou-se ali na foto digital de "X" pixels. Não era ele, era um outro que ele definitivamente não reconheceu.

Ofegava ao chegar na estação e ainda pensava no que falaria para que o sentido da ida até lá não viajasse para o distante país latino no leste europeu. 
"O que eu posso falar? Não vá? Este direito eu não tenho, mas é a minha vontade. Vontade aliás de sumir daqui, desaparecer, desmaterializar-me e atingir outro mundo, outro lugar, outra dimensão".

O metrô esteve pontual e 7 minutos depois desembarcava perto de seu destino e já na portaria soube que quem ali morava já partira. Ontem.
---- Viajou ontem. Saiu de às 16h daqui. 
Instantes de vontade de sumir.
---- Deixou nada, não senhor. Bilhete? Também não.

Deu meia volta e fez o caminho de retorno: Rua do Sumidouro. Ali embrenhou-se em sua casa e deitou-se na cama. Sentiu-se aliviado de alguma maneira. Afinal, não precisou pedir por algo que tinha possibilidade nula de acontecer. Desaparecera, então ao perceber tal fato, o não reconhecimento ao olhar de novo na foto. 
---- Sumir de mim mesmo? Ideia estúpida!

Outra foto e reconheceu-se um pouco mais. Ou melhor, era um quase outro: melhor e com parecenças a serem (re)descobertas. Irreconhecível mesmo era aquele que saiu feito cavalo desembestado atrás de algo que a outra metade já nem reconhecia. Dormiu tranquilo e satisfeito. 

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