segunda-feira, 7 de agosto de 2017

VIAGEM CCCXXVIII - A DIFÍCIL DIGNIDADE DE SABER ESPERAR

Arq. pessoal - Pacaembu/São Paulo
Um silêncio antes da semana se iniciar, cedo, como convém aos que... Trabalham em procurar um novo emprego em épocas de crise. Murmura que "eu não criei esta crise, não desonerei empresários de imposto, nem roubei em empresa estatal... Só pago taxas e impostos que são tantos".

Deitado, esperando o telefone tocar, vindo do lado de baixo do Brasil: seu par, que, pelo novo emprego, ministrava curso em TI para novas lojas do complexo de linha branca vendida pela empresa. E sendo bem pago chefiando um departamento todo...

6h05 ainda nada.

Dispôs-se a pensar sobre gostos. E contragostos. Mantendo, entretanto, o vislumbre de otimismo que ainda tomava conta dele nestes tempos de crise perpetrada pelos poderosos políticos e empresários; decidira que não entraria em colapso depressivo por estar desempregado, como acontecera em todas as oportunidades.

Dignidade, para ele, se relacionava em intercurso carnal com estar trabalhando/pagandocontas/saldo; e ser digno de ganhar um salário razoável. Ganância? Lacuna deixada em branco. Ambição? Um pouco, tão somente. 

"Sou mesmo um pequeno-burguês. No lugar em sonhar ganhar um salário de R$ 30 mil talvez por mês... Mas não! Qualquer R$ 5 mil já ia me fazer feliz. Acho que falta um tiquinho de ganância, uma voraz ganância. Só que não sou assim".

6h15, ainda na espera.

"Gosto de $ de um tanto que eu não me perca em contas no fim do mês; se tiver uma sobra eu acho é bem bom
E gosto de tantas coisas. Podia fazer uma lista... Das grandes

Dignidade é olhar no mesmo nível dos olhos dos outros
Altivez é isto: nem menos, nem mais que ninguém neste mundo
Trabalho justo e pago devidamente por esta justiça

Ansiedade desgosto muito: fico aqui, deitado, me tocando, lembrando-me de você e nada do celular tocar me fazendo esperar
Manhã na cama sozinho? Nem preciso dizer

Café preto com você? Pode ser em qualquer hora: eu gosto
Ouvir você gritando da cozinha 'açúcar hoje ou adoçante' com sua voz tonitroante a reverberar pelo apartamento? 
Ah, eu gosto! Só para te responder: adivinha?

Saudade de você. Saudade do meu último emprego. Saudade de ligar pra você na sexta à noite e ir àquele rodízio que tanto gosta só para lhe ver comer com satisfação... Beber uns dois ou três chopes juntos... Carne, muita carne. E eu vegetais juntos, muitos vegetais...

Ah, que pequeno-burguês mais paulista da periferia eu sou , não é? Deveria sonhar para alcançar grandes lucros, ser mais agressivo, pensar mais em como me dar bem.
Mas isto não é dignidade. É vilania pura em altas doses...".

6h33
Telefone, enfim, tocou. Era você me dizendo bom dia e que logo mais à noite estaríamos juntos. Com um convite para passarmos juntos à noite toda, só nós. Agora vou levantar e inciar meu dia de matar a tristeza do desemprego".

Dignidade ele tinha, sempre tivera. Talvez, com clareza, faltasse um pouco mais de ambição agressiva - assertiva, para usar algo mais palatável - para nunca mais cair nesta situação de ter que contar com ajuda de $ vindo do seu amor, da cumplicidade que mantinham e do cuidarem de si. 

Dignidade era mesmo se manter com seu próprio sustento, força, seu pés; saber esperar dignamente sem o apelo do canto de sereia em se perder nas tentativas. O amor está em outro patamar. 

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