domingo, 26 de fevereiro de 2017

VIAGEM CCCXXII - TUDO BEM ARRUMADO PELA SOLIDÃO

Na "capital da solidão (?)" ele é o único habitante e "está muito bem assim", repete feito mantra hindu. Os milhões que habitam São Paulo são descabidos ali no endereço. Simples, concordam?

E mesmo assim emenda sempre em seguida quando se depara com a casa vazia, a cama impecavelmente arrumada todas as manhãs, com a solteira xícara de café (para levantar defunto, é claro), com o silêncio enternecedor diário e com a chuva que se queda nesta estação pela cidade - ainda que não seja as famosas águas de março fechando o verão.

Tudo em seu respectivo lugar, de forma que o que for procurado seja achado com rapidez: sapatos, gravatas, meias, cuecas, camisas e as vestimentas em geral.

Na estante, livros sobre o comportamento humano, estudos mil, desde a sexualidade às variações psíquicas dos grandes mestres; desde a história de Roma aos modernos arrazoados de como está a humanidade nestes tempos de refugiados aos milhões. Há também aqueles tratados que versam sobre o fanatismo religioso, sobre a intolerância, ou seja, "tudo tão característico do homem, não é?", murmura para as paredes.

Arrumados impecavelmente por assunto, e dentro deste, por ordem alfabética de sobrenome - claro, para poder ter tudo sobre controle (o controle físico, pois há determinados livros que el precisa ler duas, até três vezes - aconteceu com Dante de infindáveis versos).

Quem frequenta seu lugar (e quem frequenta?!), ao adentrar na soturna sala de tom monocromático com pequenas variações sobre este, percebe que ali mora um homem avesso ao contacto social, seja de qualquer ser humano. Independente do sexo, da profissão, da beleza, do $, quem frequenta é porque algo acontece que foge ao seu controle hermético: um problema irresolvível pelas suas próprias mãos. Podem ser o cara da internet, um encanador, e, evidente que sim, sua secretária faxineira que limpa o apartamento de dois quartos. 

Incluindo alguns aparelhos para ele se exercitar que comprara na Santa Ifigênia meses atrás: o ambiente da academia o punha enfastiado e se caracteriza pelo fato que ele nada podia fazer. Alterna em casa leituras do trabalho, leituras diversas e exercícios de grande variação.

Irrepreensivelmente, praticamente ninguém ali frequenta caso não seja de absoluta necessidade. 

O porquê? Alguns desavisados de inadvertidas reações talvez demorem muito em entender, ou ainda mais, nem desejem fazê-lo. Ele quer assim, ele mantém assim para que desarrumações fiquem bem longe de sua vida.

"A solidão traz uma arrumação que eu controlo, uma arrumação na qual eu me viro bem, sem interferências externas de gente para balançar meu entendimento, nem para bagunçar aqui dentro, nem meu sexo nem minha cabeça".

Tudo bem "arrumadinho" pela solidão.

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