quinta-feira, 13 de outubro de 2016

59] CENÁRIO SP - O SILÊNCIO NO CENTRO DA CIDADE

Arquivo pessoal - CCBB/São Paulo
Uma construção meio escura com muito cinza entre o preto do último portão e o sol que iluminava lá fora tornando o ambiente solitário com toques de marrom-café no teto; uma quietude nada usual para o ziguezague frenético da cidade que nunca para, que nunca dorme, que sempre trabalha. Que se parecia com ele àquele tempo. 

Engenheiro de formação, estava a procura fazia semanas de um novo espaço, de preferência um terreno; só que como difícil tornara-se achar um bom terreno vazio no Centro de São Paulo, ele partiu para construções antigas não tombadas que poderiam ser postas no chão ou, quem sabe, aproveitar e realizar uma boa reforma. 

Lufadas de ar batiam sem piedade no grande portão promovendo o rangido habitual e clichê do filme de terror de A a Z. Lá pelas tantas estas lufadas se tornaram correntes de ar que, então sem piedade - como foi escrito - começaram a uivar pelas frestas  das janelas e das portas intermediárias.
Tudo no centro de São Paulo. 

O dia ensolarado estava com temperatura de verão torrando as cabeças, embebedando as partes de todos fazendo a roupa grudar nos recônditos e também dos descobertos lugares.

Mas não naquela construção. 
E foi lá que ele pôde deitar-se sobre o mármore italiano, recostado à parede desenhada com motivos brasileiros, como terra, água e pássaros. De fora, ele conseguia (não porque esforço fizesse, apenas porque ele ouvia bem) escutar alguns barulhos ininteligíveis... 

Algo como um ronco longe de uma moto deslizando pelo asfalto quase derretido. 
Visitava o local porque seu cliente estava à procura de uma construção de no máximo cinco andares para poder instalar um clube noturno que, pelo intenção, fugiria aos moldes tradicionais dos brasileiros tradicionalista.

Àquela, por hora, não era sua preocupação. Apenas deitou-se e seguiu assim por um bom tempo. Pensava, ao olhar pelo local quase escuro, que bem que poderia ficar por ali e morar ali. Silêncio, escuridão quase completa, o friozinho de verão gostoso; o chão gelado deu-lhe um prazer primário, de absoluto conforto.

Dormiu devagarinho lutando contra o sono apenas para que este o vencesse; e venceu. Fazia isto sempre para demonstrar para ele mesmo que o sono sempre era mais forte que sua vontade de se quedar acordado. Sem ideia de quanto tempo fora da vigília, alguém ao lado apareceu, postando-se ao lado dele; e mais, deitou-se ao lado dele sem qualquer incomodo. Vagarosamente,sem causar alarde. 

---- Também por aqui. Não se assuste. eu estou aqui há mais tempo que você. 

---- Sem susto. Quero saber quem e você. Posso ou é segredo.

---- Pode, mas perguntaria para quê. Nunca me perguntaram... Bem, talvez porque você seja o primeiro a vir aqui desde a construção. Ajudei a fazer este prédio. Era o engenheiro assistente do engenheiro responsável. Faz tempo, viu? 

---- Quem? Quando?

---- O que? Que conversa de destemperados. Em 1932, julho, em plena Revolução Conti... Constuti...

---- Revolução Constitucionalista.

---- Lutei nela. Perdemos, verdade. Mas lutamos o bom combate.

---- Meu avô...

---- Eu sei. Sou eu o seu avô. 

Imediatamente ele fica sentado e toca no seu interlocutor: sem temperatura, ou seja, estava igual a do espaço que estavam.

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