sexta-feira, 6 de novembro de 2009

À CANALHICE O SPRAY

VAIDADE SOBRE A PELE

Ouvia um clássico americano (sim, eles têm coisas incríveis por lá) de Cole Porter na voz de Frank Sinatra, no qual um verso em inglês demonstra: “I’ve got under my skin”. Em uma tradição livre de preconceito e de policiamento poderia assim ser traduzido: eu estou “impregnado” de você. Claro que a mais próxima da realidade em português para a expressão no idioma de Edgar Allan Poe é: Eu te tenho sob a pele. Na canção está explícito o sentimento de total ocupação do corpo por este amor que se entranha sob a pele. Pele. Relegada a um segundo plano por vezes, maltratada pelo excesso de sol, por exemplo.

Pele. O maior tecido humano, medido em centímetros quadrados vários.

Tecido responsável pela comunicação com o mundo exterior o que faz dela o nosso maior órgão sensorial: é a possibilidade de sentir o outro. O toque sobre a pele traz efeitos variados como aquele frêmito a percorrer o corpo quando do toque do seu amor. O esfregar, o roçar de uma sobre a outra... Ah, coisa boa! E é responsável também pela transpiração, fator fundamental para mantermos a temperatura corporal.

Ponhamos a nos imaginar o que seria se arrancassem nosso couro, dos pés à cabeça...

Dor é o que vem primeiro em minhas ligações nervosas. Uma dor excruciante.

Mas não é só dor, daquelas físicas.

Tem a ver com beleza, poder e status. Tudo permeado claro por aquele que “está em casa contando o vil metal”.Porque humanos sentem dor e é inimaginável alguém realizar tal “façanha” com outro semelhante, um da mesma espécie da nossa... Já o que se refere aos animais, fazemos verdadeiras operações de guerra para lhes conseguir o couro, que desafortunadamente, aos olhos dos homo sapiens são dotados de qualidades que abarcam beleza extrema à ‘ergonomia’ (porque a pele dos bichos tem também outras funções). O mimetismo dos camaleões mostra do que o réptil é capaz de fazer.Estética. E por ela, arranca-se o couro de jacarés, arminhos, chinchilas, rãs (os anfíbios são os vertebrados mais ameaçados pela extinção), arminhos, pirarucus, cobras, raposas, leopardos, martas e muitos mais. Sem esquecer as penas usadas em fantasias e em desfiles no Anhembi e no Brasil todo.

Para estes, as avestruzes, estão aqui para deixar mulatas, passistas e destaques mais belos.

Fico me perguntando a razão. Quanto mais eu analiso mas me dou conto que me é incompreensível.Aqui, eu faço um adendo. Esta questão envolve o que o ser humano tem de pior: a vaidade pela estética neste sistema inventado por nós e que é, verdade, de difícil conserto – como sou otimista não quero pensar que estamos todos caminhando mesmo para o abismo. Acho que ainda dá jeito de dar um jeito nas coisas aqui.

Pela beleza e tortos caprichos sabemos que muitas espécies foram extintas apenas para cobrir corpos humanos vivos. Humanos que já haviam chegado aos tempos modernos – o dos tecidos sintéticos – e que, por este motivo, não tem razão embasada na necessidade daquela existida séculos e séculos atrás: de se cobrir para proteção de inimigos naturais e do frio

Vale é a vaidade humana que faz pensar que porque os bichos são lindos e que sendo assim devem nos embelezar já que estão aqui para nos servir como “raça superior” que somos e dominadora de todos.

E os bichos que morram não importando, inclusive, o modo como se faz para escalpelar os nossos companheiros de existência neste pedaço mínimo do sistema Solar. Lembro-me bem de um filme-documentário que vi na TV quando tinha meus 20 anos (é, faz tempo...) cujas cenas mostravam uma matança de bebês focas feita a pauladas em um lugar remoto do Canadá. É isto: separava-se a mãe do filhote e logrado o intento este era assassinado com pancadas na cabeça para não deixar marcas pelo corpo. Reparem que, além da crueldade, há a preocupação – mais uma vez – com a estética... Da matança que nada mais significa que lucro. O dinheiro prevalece.

Em frente à tela eu quedei-me paralisado sem entender porque faziam aquilo com os bebês. Esvaí-me em dó e tive ódio mortal dos caras que batiam neles. Mais tarde fui aprender que estes homens apenas fazem parte de toda uma cadeia produtiva. Eles não matam por eles, matam por outros. Claro que em um sistema capitalista para uma parcela privilegiada alguém tem que fazer o trabalho sujo e com certeza as ricas damas da sociedade, as lindas modelos é que não sujariam as delicadas mãos. Elas querem vestir o produto do morticínio.Evocando aquilo escrito no começo – a música de Cole Porter – soa que o amor que um ser humano nutre por outro em especial (seja lá quem for) pode se traduzir como algo que nos torna mais vivos, mais próximos daquilo Cristo julgou que pudéssemos ser. Ter alguém sob a pele (ou “ser o sangue que corre nas veias”) é de uma imensidão de amor que quase nos afogamos.

Entretanto... Os animais sofrem quando o homem vai lá em seu ambiente, chega, destrói tudo, constrói o que ele quer e mata. Como é possível que a vaidade/status se sobreponham à vida de outros seres que povoam exatamente o mesmíssimo lugar? Mais do que uma sobreposição ela é tornada uma interdição à vida.

Por vaidade? Para mim é de uma mesquinharia suja localizada no limbo da alma humana. Os bichos não vivem para nos servir com exclusividade. E não deveriam/poderiam ser mortos porque são desta cor, têm tais listas, o pelo sedoso, curto, farto ou coisa que o valha...

Outro ponto: ser belo pode custar vida e todo o código genético de uma espécie.

É previsível os homens e as mulheres fazerem isto com os bichos. Sabem por quê? Ora, se nós humanos arrastamos outros humanos pelas ruas no asfalto quente e os deixamos pendurados por um cinto de segurança... Com os bichos prefiro mesmo não relatar atrocidades que vi e ouvi por aí. Não porque me enoje, mas por sensação de extremada impotência pensando no que podemos fazer para parar este comércio podre e carcomido.

Para os bichos assassinados que 'saem' às ruas: spray nos casacos de pele agora.

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