segunda-feira, 17 de julho de 2017

VIAGEM CCCXXIV - A CIVILIZAÇÃO CORRE, MAS OLHA PARA TRÁS

Arq. pessoal - Teatro Municipal São Paulo
Displicentemente os pés desnudos balançavam por cima da janela do carro, aproveitando a leve brisa do verão paulistano, mais quente que o dos ano anteriores. Nas mãos um cigarro daqueles que se fuma escondido (será?), soltando longas baforadas densas e espalhando assim o cheiro a metros de distância. 

Sem preocupação de nada, sentido-se bem é tranquilo, ali ficou por todo o tempo apenas vendo o movimento de pessoas perto e, ocasionalmente, mexendo no celular.

Em um dado momento, estralou alguns dedos apenas movendo para baixo. Pôde-se ouvir o barulho, verdade. Sem camisa, que estava envolta na cabeça - decerto para a proteção após a corrida pelo parque, todo o nada que o tal fazia continuou a ser feito. 

E um que observava com atenção, achou que aquilo caracteriza um abuso, uma ousadia para com todos. Mentira: era uma ousadia para ele, porque fazer tudo isto de dia, postar-se assim dentro do carro, quase desnudo, os pés perdidos pelo ar... E a calça social dobrada até o joelho? Ora, tal cena tornar-se-ia inadmissível em qualquer lugar "civilizado desta cidade. Deste país!", pensou o ser coberto de inveja pela despreocupação do cara reclinado no banco dianteiro de seu carro.

Munido de sua civilidade e bons costumes regrados pela sua educação, foi lá... Ou melhor resolveu chegar mais perto, ficar por ali, fazer algum barulho, olhar feio, emfim algo que pudesse espantar o "dolce far niente" instalado em uma das saída do parque que dava para uma rua sem saída.

Eram quase 17h. Foi empedernido certo de sua vitória contra o mal-estar da civilização (julgava ser um freudiano; e o era, mas bem às avessas) encarnado por o homem que ainda balançava os grandes pés ao léu. Chegando lá foi surpreendido pelo tal ser, convidando-o a dividirem o cigarrinho artesanal com a pergunta feita em seguida:

---- Estava te olhando mesmo. Até achei que demorou para chegar aqui, ficou rodeando, olhando, encarando. Achei também, você interessante e quase fui falar com você. Mas estou com uma preguiça. A fim de fumar?

E sorriu exibindo um sorriso que o mundo deveria parar um pouco para ver, para contemplar.
O "civilizado ser" prestes a explodir pela ousadia estapeando sua cara, quedou-se estático por alguns segundos; em seguida estendeu a mão para quase pegar o cigarro. Quase.

Fora desarmado, virou as costas e "civilizadamente" amedrontado até o último pelo eriçado de seu corpo pela naturalidade do cara do carro, fugiu mesmo. Correu, mas olhou para trás duas vezes.

Para o que ficou tudo continuou do jeito que estava: calmaria, baforadas, balanços...

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