quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

63] CENÁRIO SP - COMO MATAR O CHEFE PELA MANHÃ

Arquivo pessoal - Av. São Luís/São Paulo

Olhando pela fresta da janela, ele vê o sol incidir no poste do outro lado da calçada causando uma sombra esguia, elegante, sobre o chão com o mapa do estado de São Paulo. Ainda com o copo de café fumegante nas mãos, ajeita um pouco a cueca esgarçada lembrando-o que o banho será daqui a pouco.

Sim, hoje ele cometerá o fato que sempre quis cometer, mas que até agora não havido tido culhões para tanto; daí a lembrança ao pôr a mão nas partes envoltas perla cueca branca.

Nem tão alto, o sobrado de três andares possibilita uma boa visão da rua, agora já em franco movimento; o sol ainda faz sobra elegantes sobre os objetos cênicos de rua - elementos construídos pelo bicho homem; até mesmo as romãzeiras plantadas em sua calçada foram plantadas pela prefeitura em algum ano ímpar distante. Bem, isto é OK, porque fazem sombra e são mesmo bonitas a qualquer vista. 

Apressa-se de maneira contumaz porque em sua cabeça uma ideia fixa fervilha. Liga o chuveiro, opção "sem opção" e a água gelada em seu corpo no verão paulistano que começa hoje, logra refrescar o suor adquirido pela noite, em uma companhia já escanteada antes mesmo da tal história da nesga aberta pelo vidro da janela do quarto.

Lava-se com cuidado. Sabonete simples, xampu simples, mesmo que os cabelos já tenham iniciado a famosa queda genética lá pelos seus 30 e tantos; pés, os vãos dos dedos (há pouco tão agraciados por uma língua generosa e nervosa), pernas, joelhos, abdômen, sovacos e todo o resto.

Pingando ainda, pelo chão do quarto, seca-se com a felpuda, porém úmida toalha usada pela companhia logo antes, e começa o processo de se vestir. Passando rapidamente pela o armário os olhos, escolhe um terno preto, quase fosco, uma camisa azul-claro e a gravata preta, obviamente. Um figurino elegante compondo com os sapatos pretos engraxados à exaustão. A barba ficou por fazer mesmo... É o tom de desalinho para o que irá fazer e que é necessário.

Metrô e mais três estações chega ao seu antigo trabalho, claro, na Paulista. Agora são 8h15 e a via já está começando a se movimentar como convém à principal avenida da cidade de São Paulo: gente chegando, saindo, comendo, correndo, andando, vendendo, comprando e todos os "ndos" possíveis. Sempre quando vem para cá, vindo ali de perto da Vila Mariana, se encanta. Não tem jeito!

Ainda portando o crachá, dirige-se ao departamento pessoal para assinar a demissão que, sendo com justa causa, causar-lhe-á problemas financeiros. Pensando bem, causará porra nenhuma. Tudo assinado, com a assistente social tentando - e é visível tal tentativa - ser simpática e estimuladora de "melhores dias que por certo virão" (as aspas se devem á fala da própria, ele mesmo tem dúvidas).

Pronto. Agora ele irá fazer o que está proposto em sua cabeça, depois que, dia atrás, descobriu um desvio de verba pública por parte de seu superior. As provas estavam em um HD externo, guardado em um local bem seguro. Fora demitido por justa causa, porque sem mais nem menos, seu chefe - o diretor superintendente - logrou adulterar seu dois últimos exames toxicológicos, realizados trimestralmente. Consta no estatuto que dois destes seguidos de um "sim" para o uso de álcool e/ou outra substância, o empregado pode ser demitido por justa causa. Vale dizer que ele havia parado de beber desde quando fora admitido, ou seja, cinco anos passados.

Mas, pelo poder que o tal chefe tinha, emaranhando-se em uma teia de cupinchas, puxa-sacos, paus-mandados e afins, os exames foram adulterados. E ele somente tomou conhecimento quando o chamaram no RH para lhe perguntarem do segundo exame. E como se percebe... Já era tarde.

Entra na sala ainda vazia. O diretor, como de costume, está, decerto, se atracando com a diretora de RH nas escadas frias e escuras do último andar. Ao sentar-se sobre mesa, pernas ao léu, percebe que engordara um pouquinho pelo aperto que o calça lhe fez na cintura para baixo. A espera não dura mais do que cinco minutos.

Apenas um tiro é disparado pelo andar totalmente vazio: o silenciador que comprara na Santa Ifigênia funcionou muito bem. O tal canalha cai no chão de carpete marrom esvaindo-se em sangue. Ele, em uma calma suprema, vestindo luvas, sai da sala, desce pela escada andares abaixo.

Tudo feito. Ele ganha a rua, ou melhor, a avenida mais paulista e brasileira de todas, e vai andando até a estação de metrô. 
---- Bem, um café antes é uma ótima ideia.

Nenhum comentário: