quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

VIAGEM CCCXVII - O TIRO NO MEIO DA MADRUGADA


um cafe, lá pelas tantas

andanças pela casa, sem parar, na madrugada

que se arrastava, lenta feito tartaruga cansada na praia

depois de enterrar os ovos

sozinho, depois da tentativa de ser "a 2",

pensava melhor em tudo

pé direito descalço

cigarro na mão esquerda

o esquerdo de meia

a direita queimada na ponta

corpo moído

relógio da cozinha que batia

tic-tac, mais tic-tac

no calor de janeiro

abafado, quente

de repente ouviu trovejadas ao longe

que vinha, ele achou, da Cantareira

"deve chover a cântaros", pensou

apagou as fotos

exclui do face

parou de seguir no instagram

mas nem mesmo isto consertava o corte

coração cortado ao meio

tensão nele que parecia estar sufocado

dado momento abriu a janela da sacada

perfume de dama-da-noite

o vento ventando,

encheu suas narinas

olhou as luzes, milhares

milhões delas

pontos de janela acesos

volta pelo território

nova volta e meia pela casa

desnudo e suado

sem o banho da madrugada

caminhou na sacada

meia suja então

última baforada

fumaça nos olhos

o vento... "Que vento é este"

uivava pelas frestas

assim que entrou, ouviu o tiro

um tiro no meio da madrugada paulistana

vindo da de onde o sol nasce,

vinha da onde sol nasce: Ipiranga, Mooca, algo destas bandas

mas perto, bem perto

parou tudo

respiração, andar, nem beber, nada

e o tiro foi um só

e pronto, lá estava o corpo no asfalto,

sangrando... A chuva chovia àquela hora sem medo,

sem dó

foi só o que conseguiu ouvir antes das águas de janeiro

pelo meio do verão:

um tiro no meio da madrugada

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