domingo, 15 de fevereiro de 2015

VIAGEM CCXXVII - UM E OUTRO, FLUORESCENTES

Reprodução [endereço abaixo]
Instrumentalização certeira, incrivelmente inventiva e expressiva diante daquelas mãos um tanto ásperas e que inefavelmente consertavam todos os problemas mecânicos da vida. 

Este é o "um", morador da zona sul de São Paulo - honesto como poucos, e teimoso como mais poucos ainda.

De quem eram as tais mãos que tornaram-se imprescindíveis naquela altura da sua vida?; vida esta já dobrada pelo cabo (aquela da Boa Esperança - apesar que vez por outra parecer-se-ia mais com o antigo nome - das Tormentas) em algumas décadas.

Vestindo o uniforme, quase justo para a barriga que começava a despontar de forma indefectível, sob uma luz que poder-se-ia chamar de iridescente aos olhos mais atentos, levava a vida incansável que era. Pelas madrugadas no espaçoso do terreno que ocupava, media-se pela luz acesa ou não seus dias de trabalho.

Dia e noite, noite e dia; fins de semana alguns e feriados apenas os não religiosos exercia o ofício (devoto da santa padroeira do Brasil, nos 12 de Outubro rumava a Aparecida para pagar promessa e no ano seguinte para fazer outro pedido... E assim seguia indelével em sua crença.

"Um homem-bomba!?", engasgando com o pão descendo goela abaixo. "O que o outro foi fazer neste lugar de gente que se mata?", murmurou...

O outro, voltando do trabalho, passava na frente do trabalho do um e o via implacável pelas tardes horas a resolver o que quer que fosse. Tal rotina já ganhava alguns anos e o outro, sempre que passava por ali (ou quase porque não queria das na vista do um), pedia o isqueiro para acender o cigarro de maconha que fumava no caminho de volta de horas trabalhadas no aeroporto de Congonhas. 

Um, que vez por outra, tomava um café preto sentado na frente do estabelecimento, pernas ao léu. Também gostava de ver o movimento de gente passar pela sua calçada de mapas do Estado de São Paulo - luz sempre acesa fluorescente, porque ambiente claro e bem iluminado ficava mais seguro.

Via o outro como curioso ("e os gatos sabem muito bem o que acontece quando exageram na curiosidade", pensava) como poucos notando certo tremor nas mãos dele. Do um não! Afinal mãos precisas que poderiam ser de um oftalmologista eram o ganha-pão.

Antes das férias de julho o outro passou por lá a última vez, sem que ambos soubessem desta derradeira, e parou, pediu isqueiro e trocou um boa noite - como sempre fora. Passados alguns dias, o um, vendo o grande telejornal brasileiro vê a notícia de um brasileiro de São Paulo que fora morto quando visitava aquela terra conflagrada no Oriente Médio. 

Embasbaca-se. Ainda no estabelecimento, ele começou a fechar janelas para ir embora. O velho isqueiro no bico do corvo no gás jaz pendurado, agora quase sem serventia. As luzes foram apagadas e a fluorescência dos dias vários anteriores dormiu.

http://chemwiki.ucdavis.edu/Inorganic_Chemistry/Descriptive_Chemistry/p-Block_Elements/Group_18%3A_The_Noble_Gases

Nenhum comentário: