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Às sextas, pela noite, costuma chegar mais cedo em casa. Na volta do trabalho ele ainda tem tempo de passar por algumas lojas à rua e ficar observando, como fazia quando caminhava sem preocupações exageradas alguns anos atrás em que o tempo parecia mais distante e o futuro não chegava nunca. Hoje, ele está chegando todo dia pela manhã ao lado de seus companheiros de castelo invencível.
Escurece mais cedo nesta época. E peças de inverno são necessárias para melhor compor uma ano após o outro. Seguindo um atrás do outro os tais anos.
Mas agora não está com vontade. Deseja apenas caminhar e ver o que pode ser observado discretamente.
Recados no telefone, dois deles. Desde à tarde e só agora se lembrou deles.
--- Vamos lá ouvir. Pode ser importante.
---"Aqui é Marco, veterinário do Rex. Lembrando que ele tem que tomar a segunda dose da vacina contra parvovirose. É importante, por isto estou ligando. Sábado o consultório fica aberto até as 15h, estou de plantão. Passa lá e aproveita para tomar um café. obrigado pela atenção. Até amanhã então."
--- Então ele está pensando que eu esqueceria a vacina do príncipe do castelo? Até parece que isto poderia acontecer. Tão certo que eu já tinha pensado em chegar pela manhã bem cedo. Tão certo como 2 e 2 são 4. Que horas ele abre? Um café?
Tem mais um recado.
---"Opa, e aí? Tudo bem cara? Aqui é o João Antônio, da padaria. Tudo bem? Estou te ligando porque amanhã é minha despedida e o pessoal daqui vai fazer uma comemoração. Esqueci de falar hoje de manhã para você. Passa lá para comer um pedaço de bolo. Sei que não trabalha amanhã... Mas, se puder, vai lá cedo. Ah, eu passei no concurso, lembra? fui chamado esta semana por isto hoje é meu último dia. Abraço".
E porque deveria ir a um e depois a outro?
"Para quê?", pergunta-se de maneira incisiva querendo convencer-se em não ir. Esta é sua primeira reação quando acontecem tais convites que ele não espera, muito menos por estes que acabara de ouvir. Aprendera a respeitar o espaço de cada um, mesmo que a recíproca fosse por vezes burlada. "Celular é uma cobrança mesmo! Parece que o mundo precisa do mundo a toda hora", quase diz em voz alta...
Um momento para pensar.
Programara-se de um tempo para cá em rechaçar o primeiro pensamento que lhe viesse a cabeça tão logo visse/ouvisse/acontecesse algo. Para mudar um pouco e não ficar com opiniões para sempre estabelecidas. Ainda mais quando envolviam outros humanos porque estabelecer algo com humanos é osso duro: eles se assemelham a nuvens.
Verdade que o Rex precisa mesmo tomar a vacina; também verdade que é muito provável acordar cedo amanhã e que sair para andar e comprar algo na padaria. Para ir ao veterinário será necessário tirar o carro da garagem da castelo inexpugnável e por isto pode ir motorizado até a padaria. Comer um pedaço de bolo.
Sair com o Rex quando está este tempo mais ameno é bem interessante e agradável e qase esboça um sorriso em querer sair de casa.
Quanta mudança vai acontecer am algumas horas?
Sente-se, ao passar este pensamento pela mente, um tanto estranho e quase um nó em seu estômago; sua boca saliva e um gosto de metal lhe chega à língua. Apressa o passo para chegar mais e mais rápido. Alguns o olham e ele logo acha - "palhaço" - que deve parecer o quasímodo porque a dor aumenta: curva-se para poder suportar.
Metros que não acabam.
Abre a porta com os cadeados e um respiro mais longo... A dor vai embora, como que tirada com a mão de uma vez por alguém sabe lá quem.
Felino vem se enroscar em sua perna enquanto Rex rodeia com o osso de brinquedo, abanando o rabo e ganindo querendo uma fago e brincadeiras.
--- Que bom que aqui em conheço tudo e sei como as coisas se dão, como as coisas andam por este Castelo. Só meu, sem que ninguém o tire de mim. Porque aqui é uma fortaleza sem-fim de onde eu necessito para poder continuar por aqui.
Troca de água e ração nas vasilhas dos dois. A cozinha ainda tem o cheiro de limpeza.
Bebe água sofregamente. Refeito por completo da dor, com o conselheiro-mor o seguindo e Rex latindo sem parar (que demora sempre mais que os outros para se aquietar).
Deitam-se todos no mesmo lugar ao lado da porta que dá à sacada, no carpete cheirando a amaciante. A chuva vem de novo leve e aumentando em uma progressão que embala o seu corpo ao sono.
Comerá quando acordar.
"Vai caminhando por todo o castelo em volta para verificar se existe algum furo por erosão natural ou mesmo por aqueles roedores bigodudos que não se cansam nunca de rondar o castelo de pedra frio e de grande altura.Raspando, roendo e arranhando. Terá que olhar os quatro muros. Sempre descalço quando saí de lá.
Olha com muito cuidado do chão até onde a vista alcança bem na alta parede que cerca a construção intransponível.
Parece ouvir vozes que vem ao longe. Para. É só vento assobiando.
Continua a inspeção com mais afinco não vendo a hora de poder entrar e descansar.
O cheiro de maresia vem dando um brisa em seu nariz. 'Toda vez o cheiro', recorda-se e ele até hoje não conseguiu saber de que direção vem.
Pronto, acabado. Tudo em ordem.Ainda os muros quedam-se fortes e maciços.
O fosse está agitado, águas que se movem. Acaba de entrar e fecha a porta".
O sono corre solto dos três e o vento começa a fustigar seu corpo quase nu (pela mania de deitar-se só de cueca e algumas vezes só de meia causava isto: frio pela madrugada com pêlos eriçados e epiderme fria). Daqui a pouco vai acordar e dirigir-se à cama quente e amontoada de edredons pesados e envolventes; e desarrumados.