quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

VIAGEM CCCXLIV - UMA DOSE DE QUÊ?

Arquivo pessoal - Bela Vista, SP
Entrar ou não entrar no moderno bar recém aberto perto de sua casa, ali, colado à Praça 14 Bis? Véspera de feriadão, expediente já acabou e um tempo livre para esperar o par. 

Gente descolada, maurícios, patrícias, hispters, artistas engomados, neo-alguma coisa, ou seja, parte da modernidade paulistana concentrada naquele bar que tem dois pisos. Mais o térreo, é claro. Ou, como se diz em Portugal, dois pisos mais o rés-do-chão. 

Rum?
Gim?
Cachaça artesanal?
E a dor de cabeça, amanhã cedo? Deve ser feita lá em Piracicaba, terra do amor que ele tem e que espera para logo mais.

Cerveja?
Chopp?
Vodca?
Vai exalar a bebida russa pelos poros, logo pela manhã... Mesmo que seja uma legítima moscovita para beber no inverno paulistano (que deve ser um outono por lá, ele supõe).

Uísque?
Campari?
Vermute?
Do escocês ele gosta. Até um kilt ele tem; comprado em algum lugar perdido das Terras Altas. 

Caipirinha?
Caipirosca?
Martíni?
Doce, doce demais. Parece que amarra a boca. Será que veio do Caribe?

Champanhe?
Frisante?
Vinho?
Dá muita sede, mesmo sendo um autêntico do Porto.

Entra ou não entra? O chão quadriculado de preto e branco lhe lembra Congonhas, causando até mesmo uma empatia com o lugar. Mas as pessoas.... Em um olhar com mais acuidade lhe desperta uma certa antipatia. Gratuita.

Cigarro na mão; última tragada. Vira-se para jogar a bituca apagada no lixo e vê outro bar, dois imóveis depois do 'modernex' bar. Já gostou de imediato. Antigo, decoração retrô e gente normal, de todas as vertentes. A Babilônia com algum jardim suspenso na sacada do 2º piso. E tem mesmo!

---- Um uísque, do escocês mesmo. Naquele copo pequeno, sem gelo.

Tomou algumas várias doses esperando uma espera disfarçadamente paciente e, quando para ir embora, quem chega? 

---- Trouxe aquele corote de pinga lá de Pira. Aquele que você tomou no vizinho do meu padrinho. Levinha, levinha. Nem dá ressaca nem nada.

Cambaleante, trôpego, fazer o quatro nem pensar, o bafão de uísque, é abraçado e escorado até chegar à entrada do prédio onde mora.

---- Uma dose de quê vai ser?
---- De você mesmo. Quero tudo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

79] CENÁRIO SP - O CÃO, GOTAS QUE ESCORREM E A MENSAGEM

Arquivo pessoal - Piracicaba/SP
Logo pela manha cedo, ele acorda seu tutor, feliz e lépido. Preguicento que só vendo, ele lhe dá uns afagos e tapinhas na cabeça e diz bom dia no quase mais alto apartamento, prédio perto do icônico COPAN. Arfadas e ganidos fazem parte da arte do convencimento. Tem também a cara de cachorro sem dono: sempre funciona.  

"Vamos", ele pensa caninamente, "vamos logo. Quero ver o nosso vizinho, e ele já deve estar na rua, em frente à padaria, comendo e eu ainda aqui... Tenho tanta coisa a cheirar, a ver e claro, preciso muito de um alívio pro chamado da mãe natureza. Vamos! Por que não se levanta?".

Ele se levanta, direto ao banheiro, olha pela frestinha de luz da janela deixada aberta à noite que chove sem parcimônia em São Paulo, a Terra da Garoa. Gotas caem em profusão escorrendo. Os trovões se fazem acompanhar, até mesmo os raios; e então, um deles, de maneira a ensurdecer qualquer vivente, faz a energia cair. Ambos, no espaçoso apartamento, levam um susto  fazendo a respiração para por um instante. Irrompeu ao banheiro após, pois ele também precisa atender àquele chamado citado supra. 

Uma mensagem no celular, logo às 6h50, de um sábado que, segundo a previsão deveria ser de sol pela manhã; a chuva viria à tarde. Imagina que vai chover em volume de verão o dia todo e em sem parar em volume de inverno. A corrida e a caminhada pelo Ibirapuera fora cancelada pelo novo amigo (com alguns benefícios) em razão da água caindo do céu. Sozinhos ou não, eles vão ao parque todo sábado, fazendo frio ou calor. Somente a chuva o faz deter.  

---- Bonitona do pai. Hoje não vai dar pra a gente sair. Nem pro parque, nem pro café. Tá vendo esta mensagem aqui, no celular do pai? Então, por causa da chuva, vamos ficar sem ver nossos amigos. Ele achou melhor não irmos. Ei! Pode parar de fazer esta cara de cachorro sem dono. Vem aqui, vem! Fofa do pai! Que pena, né? Amanhã eu prometo que levo você, viu lindona?

Ele a coloca na área de serviço, já com o gordo jornal em mãos. Ela entende tudo e o segue, como uma boa menina (e arteira) que é.

A chuva segue sem trégua e a energia ainda nada. Tomando o café no banco da cozinha, ele ainda absorto por ter acordado, segue pensando nos benefícios daquela amizade. Descalço, vestindo uma velha cueca tão somente, sorri ao pensar na nova amizade (sem mencionar os seguidos bocejos). A companheira inseparável de quatro parecendo entender a razão daquele sorriso, chega na cozinha observando-o. Que amor mais incomensurável um detinha pelo outro, desde três semanas de vida. Ela fica feliz em vê-lo feliz. Aninha-se no tapete ao lado dele, tão segura, mesmo que a chuva pela Pauliceia apertando sem medo e sem dó. 

Mais uma mensagem, ele vendo a chuva cair pela janela, o conforta. E o "beneficiário" convidado-os pra um almoço naquele restaurante vegano na Alameda Jaú. O estabelecimento, moderno como a cidade de São Paulo, tem um lugar para cachorros ficarem enquanto seus tutores se refestelam no festim de vegetais, grãos e todo o resto concernente. 

Ele está feliz. E cada gota que escorre com certo vagar pela janela o faz lembrar que está lhe fazendo bem ter esta paciência nesta nova amizade. os pingos vão escorrendo, devagar, devagar inundando a borda do grande vidro... Em uma atitude tão certeira que os desobriga ter pressa. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

VIAGEM CCCXLIII - UM AVISO AQUI DA TERRA

Arquivo pessoal - Piracicaba e o Rio Piracicaba
Um aviso por escrito da natureza do planeta redondo aos homens que habitam os quatro cantos da Terra. 

"Bilhões não estão perto de quaisquer soluções. Problemas tamanhos, um amontoado que ocupa espaço desde o fundo abissal do Pacífico ao topo do Everest. 

Há muita gente por aqui, sem sequer um predador natural, sempre é dito por nós, os elementos naturais, provisoriamente indefesos.

Atenção ao advérbio de tempo. O tempo passa e vocês todos sabem disso.

Para aqueles que matam, esfolam, destroem, trucidam, arrasam e poluem - o nome disto é poder, a causa é o dinheiro - seres, rios, mares, florestas, campos, várzeas, montanhas, animais - de primatas e a todos eles. 
Derrubam e queimam árvores para lá e para cá, sempre a torto e a direito.

Exploram a terra, arrancam minerais das profundezas terrenas
das profundezas dos oceanos

Plásticos! Tartarugas, peixes e baleias morrem.

à sua soberba a nossa indignação

ao seu desprezo a nossa importância

à sua matança a nossa luta

à sua ação a minha reação

à sua indignidade a nossa indignidade da inocência

pueril? infantil?

não; apenas a indignidade de inocente de quem da verdade está repleto,
ao lado, iluminado-nos e ensombrecendo-os.

Canalhas sem fim.
Demagogos dissimulados.

Para terminar com tudo, vocês conseguiriam
Para eu terminar com tudo, contudo, eu serei primeiro...

A minha reação será sempre pior que a sua danosa ação".