"O Simão sempre diz que esta coisa de cor não vale de nada... Quer dizer, ele disse, que somente pintores daqueles impressionistas, ou expressionistas, ou cubistas... o cacete a 4 é que se preocupam com isto. Verdade que aqui no Brasil, aqui em São Paulo quase não há diferença do sol de fim de tarde de outono, de verão; mas no inverno eu vejo a diferença. Outro dia mesmo o céu estava todo amarelado, um amarelo à vera!
Mas olha, nas minha entranhas existe tanto cor que fico me perguntando se alguma prevalece. Deve ser o vermelho do coração... do sangue?
Só sei que ainda sinto o gosto da bílis de onte, amarelo-esverdado. Ninguém para me segurar a cabeça aqui em casa.
Moro só, aqui na Vila Mariana, colado ao metrô onde milhares, milhares passam todo dia! E eu passei mal só mesmo, só que antes a companhia foi das maiores. Um bolo de gente dançando naquele lugar meio ermo, iluminado. Cheio de narcísicos corpos, cheio de drogas extasiantes que extenuaram meu fígado.
E eu aqui, ao lado do metrô, ainda sentindo o gosto do fel. Escovei os dentes mas não passa. Acho que é uma bílis moral. Podem ter certeza.
Sem proteção alguma, eu fiz o que fazia tempão eu não fazia. O Simão até me avisou e colocou no meu bolso. Que nada, nem lembrei.
--- Duílio, seu idiota! Duílio. Não é assim não cara! Amanhã tudo vai estar exatamente igual e você vai estar... estar... Ah, que se foda. Eu não vou encapar ninguém não. Você que se vire.
--- Do que você está falando? Eu não faço sexo, porra, faz meses. Não vai ser agora.
Foi.
--- Depois você vai dizer que eu sou pequeno-burguês, e eu sou mesmo, porque vocação para ser comuna nada feito. De vermelho só meu pau quando tá bem duro. Para com esta mania de querer fazer ao mesmo tempo, isto é coisa para quem tem 18 anos. E você, classe média remediada já passou desta fase".
Àquela hora a garoa envolveu o lugar ermo iluminado. Duílio sentiu suas sobrancelhas inundadas, a garoa caindo em sua pele oleosa da noite de horas e horas; e sem camisa sentia um frio gostoso. Olhando para Simão, viu-o acompanhado com mais 3 caras rodeando uma mesa ao abrigo da garoa.
"Depois penso nisto tudo. Simão está me chamando".
Ele foi e o amigo lhe emprestou o moleton de zíper para que não se resfriasse. Pelo visto, não adiantou muito.